Construindo o sindicalismo transnacional: o caso dos trabalhadores na Johnson Controls do México (plantas finsa e interiores)

AutorKatiuscia Moreno Galhera Espósito
CargoMestre, aluna do curso de doutorado em Ciência Política da Universidade de Campinas (UNICAMP)
Páginas129-147

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Introdução

As questões relacionadas ao mundo do trabalho são temas debatidos não apenas na Academia, mas também por diversos grupos políticos e sociais no bojo das sociedades.

As bases de atuação nacional dos movimentos operários foram em parte erodidas - notadamente nos países de industrialização avançada - sobretudo pela internacionalização das empresas na era "pós-fordista" [COX, 1996 (1991)] ou da "acumulação fiexível" [HARVEY, 2007 (1989)], intensificada a partir da década de 1970, que trouxe como consequência uma nova configuração mundial da produção, aprofundando a divisão internacional do trabalho já existente.

Se as empresas multinacionais possuem estratégias de internacionalização da produção, existem casos em que as estratégias dos sindicatos no mesmo âmbito trouxeram benefícios aos trabalhadores, como na construção de redes sindicais na empresa brasileira Gerdau a partir dos Estados Unidos1.

Outros exemplos se relacionam com as ações das Federações Sindicais Internacionais (FSIs) ou Global Union Federations (GUFs). Especificamente, versaremos sobre a atuação de nosso objeto de estudo, a Federação Internacional de Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas (FITIM)2, uma FSI do ramo metalúrgico, na campanha promovida em benefício dos trabalhadores da maquila3 estadunidense de fabricação de autopeças, a Johnson Controls (JC). Partimos da hipótese de que as organizações sindicais e as instituições e fóruns internacionais, apesar de não possuírem os mesmos instrumentos de poder dos Estados, são capazes de constranger e infiuenciar outros atores (nesse caso, as empresas multinacionais e o Estado mexicano) para fazê-los alterar seu comportamento na relação entre capital e trabalho a favor dos trabalhadores. No entanto, e conforme já foi demons-trado por outros pesquisadores, a grande mobilidade relativa do capital, se comparada à localidade e estagnação do trabalho, apresenta uma força muito maior, e decisiva, no eterno embate entre capital e trabalho (CASTELLS, 1999, p. 476; VIGEVANI, 1998, p. 334; WATERMAN apud SANTOS, 2005, p. 93). Para a elaboração deste trabalho utilizamos de fontes primárias, como reclamações junto à OIT e entrevistas.

1. Construindo o sindicalismo transnacional: antecedentes

Os sindicatos nacionais no México enfrentam inúmeros problemas relacionados ao sindicalismo cooptado pelo Estado - ou corporativista - e às leis, que dificultam a ação de sindicatos independentes. Ao apontar que existem casos em que a construção de redes sindicais internacionais - ou transnacionalismo sindical - obteve êxito, pretendemos sugerir que essa pode ser uma opção ao tradicional sindicalismo local.

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Construindo o sindicalismo transnacional: o caso dos trabalhadores na Johnson Conntrols do México (planas FINSA e Interiores)

Nossa intenção neste artigo é assinalar os êxitos e malogros do sindicalismo transnacional construído a partir de suas plantas específicas: FINSA e Interiores. A JC fornecia peças para a Daimler/Mercedes-Benz, BMW, Chrysler/Fiat, Nissan, Volkswagen e Ford, sendo que pelo menos quatro Acordos Marco Internacionais (AMIs)4 foram assinados com a FITIM e poderiam ter sido utilizados em favor dos trabalhadores, mesmo com as desvantajosas características da legislação mexicana.

A JC é uma multinacional de matriz norte-americana baseada em Milwaukee, Wisconsin (WI). Possui aproximadamente 90 subsidiárias, tem participação direta ou indireta em mais de 125 países, dentre eles Brasil, China e México, e emprega mais de 140 mil pessoas em todo o mundo (JOHNSON CONTROLS, 2011, s. p.).

À época deste estudo (2012), a empresa contava com mais de 30 sucursais no México (distribuídas entre head quartes/administradoras, unidades comerciais, residenciais ou produtivas), sendo que 13 eram plantas produtivas, localizadas em Ciudad Juarez (três unidades); Ramos Arizpe e Lerma (duas unidades em cada); Monclova, Saltillo, Puebla, Tlaxcala, Matamoros e Reynosa (uma unidade em cada cidade) (JOHNSON CONTROLS, 2012, s. p.). Neste trabalho, versamos sobre duas plantas: a FINSA (localizada em Puebla) e a Interiores (localizada em Tlaxcala). Ambas podem ser caracterizadas como maquiladoras.

1.1. A situação dos trabalhadores

Parte da força de trabalho da planta era subcontratada por diversas empresas terceirizadas, sendo que a empresa One Digit era a que fornecia mão de obra com maior frequência para a JC (FITIM, 2009a, p. 24; UNITED AUTO WORKERS et al., 2010, p. 2). Podemos afirmar que a condição dos trabalhadores da One Digit na JC é um caso de subcontratação da quarteirização, já que a JC é uma terceirizada das grandes montadoras, que, por sua vez, subcontrata empregados de outras terceirizadas, dentre elas a One Digit.

Os trabalhadores da JC no México muitas vezes tiveram seus direitos desrespeitados, com frequência, em descumprimento aos direitos fundamentais previstos pela OIT, como discriminação de gênero (diferença salarial, câmeras nos armários das mulheres, assédio sexual, constrangimento e demissão de grávidas); más condições de trabalho; horas extras e descontos do seguro de saúde abusivos; falta de representação sindical de fato; contratos individuais em detrimento dos contratos coletivos (em sua maioria, temporários); e diminuição progressiva até a eliminação de bônus salarial, dentre outros (FITIM, 2009c, p. 24-26; IVANOU, 2010a, s. p.; UAW et al., 2010, s. p.; OIT, 1951, s. p.).

Nas duas plantas analisadas neste trabalho, existiam contratos de protección5. Um deles era adotado pelo sindicato de papel6 na planta JC FINSA (Confederación Regional

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Obrera Mexicana - CROM) e outro, pelo sindicato de papel na planta JC Interiores (Confederación de Organizaciones Sindicales - COS).

Essa conjunção de fatores - maquilas, contratos de protección, condições ruins de trabalho, baixos salários, inexistência de sindicalização de fato etc. - formaram a base para o descontentamento dos trabalhadores nas plantas da empresa.

1.2. A formação da coalizão

A busca dos trabalhadores da planta FINSA da JC por um novo sindicato foi um evento de longa duração (mais de quatro anos), tendo se iniciado antes e terminado depois do desenrolar de outra história similar, ocorrida na planta Interiores.

A longa caminhada dos trabalhadores da FINSA se iniciou de forma "tradicional", ou seja, a partir da insatisfação com o "estado de coisas" no local de trabalho. Em outubro de 2006, um grupo de trabalhadores da FINSA passou a se reunir com integrantes do Centro de Apoyo al Trabajador (CAT, uma Organização Não Governamental) para discutir suas necessidades e a contínua incompetência do sindicato em atendê-las. Durante os meses seguintes, os operários estudaram as leis mexicanas de trabalho e os contratos coletivos de outras plantas, e formaram a Coalición Organizativa de Trabajadores y Trabajadoras de JC (COT-JC), que, no ato de sua fundação, contava com 30 membros. Na ocasião, os trabalhadores ainda não tinham acesso aos seus próprios contratos (FITIM, 2009a, p. 25-26; IVANOU, 2010a, s. p.; UAW et al., 2010, p. 1-5).

A JC e a CROM reuniram então os trabalhadores em uma assembleia para "alertá-los" a não esconder informações da empresa. Em junho de 2007, a CROM divulgou a formação de um comitê para tratar de negociação coletiva e revisão de pagamentos pela primeira vez, e, na mesma ocasião, passou a intimidar os trabalhadores, procurando-os em seus locais de trabalho. Alguns membros do comitê de revisão de pagamentos começaram a questionar os delegados dos sindicatos sobre as gratificações e o acordo coletivo. Como resultado, foram demitidos pela companhia, com base na Cláusula de Exclusão (id. ibid.). Esta cláusula concede à empresa o direito de demitir os trabalhadores não sindicalizados; entretanto, no caso dos sindicatos de papel, esta mesma cláusula permite que os trabalhadores que buscam a representação dos sindicatos autênticos sejam demitidos. O CROM justificou as demissões alegando que os trabalhadores procuravam um novo sindicato para se filiar. Entre os funcionários arbitrariamente demitidos, estavam Carmen Sánchez Juárez e Jorge Isidoro Aguilar Lara (id. ibid.). Abordaremos o caso de Carmen mais adiante.

Entre agosto e julho de 2008, a companhia identificou e demitiu mais 15 membros (aproximadamente) da coalizão. O processo para reintegração de oito desses trabalhadores, requerido na Junta Federal de Conciliación y Arbitraje (JFCA), seria concluído apenas em 1º de julho de 2010. Em outubro de 2008, autoridades federais e estaduais do trabalho conduziram inspeções relacionadas a salários, saúde e segurança na planta. Os inspetores identificaram 18 violações, das quais quatro requeriam ações imediatas. Apesar das solicitações dos trabalhadores, nunca lhes foi entregue uma cópia do relatório de inspeção (id. ibid.).

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Construindo o sindicalismo transnacional: o caso dos trabalhadores na Johnson Conntrols do México (planas FINSA e Interiores)

Em dezembro de 2008, a companhia despediu a maioria dos trabalhadores da One Digit, e passou a desligar outros, de diferentes áreas de produção, temporariamente, enquanto continuava a pagar aos seus empregados 50% de seus salários-base. Entre fevereiro e abril de 2009, cerca de 300 trabalhadores foram demitidos, incluindo membros da coalizão (id. ibid.). As ações da empresa eram, portanto, uma tentativa clara de desarticulação e intimidação dos trabalhadores.

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