A Construção de um Regime de Qualidade no Mercado Brasileiro de Produtos Orgânicos

AutorDjalma Eudes dos Santos - Silvio Salej Higgins
CargoDoutor em Sociologia (Universidade Federal de Minas Gerais - Doutor em Sociologia (Université de Paris-Dauphine - Universidade Feder de Santa Catarina, Brasil
Páginas131-159
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15n33p131
131131 – 159
A construção de um regime
de qualidade no mercado brasileiro
de produtos orgânicos
Djalma Eudes dos Santos1
Silvio Salej Higgins2
Resumo
O consumo de produtos orgânicos no Brasil vem adquirindo visibilidade e, mais recentemente,
passa também a contar com uma legislação abrangente no que se refere à inclusão e reconhecimen-
to de outras formas de produzir como, por exemplo, além da produção orgânica, a agroecológica e
a extrativista. Neste espectro, a perspectiva da qualidade alimentar, que norteia a produção, distri-
buição e consumo, vem a ser um elemento-chave para a consolidação do mercado e preservação de
suas características enquanto um modo de produzir diferenciado. Este artigo explana como se deu
a construção e imposição de padrões de qualidade para os produtos orgânicos no Brasil por meio
da institucionalização de uma concepção de controle, desenhada com a participação do Estado,
que visa equacionar um problema de estabilidade para o mercado desses produtos. A pesquisa aqui
apresentada explora os contornos da construção dessa concepção de controle, caracterizando seus
participantes, explicitando seus principais discursos e formas de engajamento.
Palavras-chave: Regime de qualidade. Concepção de controle. Produtos orgânicos
1 Introdução
O consumo de produtos orgânicos no Brasil vem adquirindo visibilidade
e, mais recentemente, passa também a contar com uma legislação abrangente
no que se refere à inclusão e reconhecimento de outras formas de produzir
como, por exemplo, além da produção orgânica, a agroecológica e a extrativis-
ta. Relacionado com isso, podemos indicar três grandes movimentos que con-
tribuem para a consolidação e desenvolvimento deste mercado: i) a inserção
1 Doutor em Sociologia (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG). Professor na Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte. E-mail: djalma@pbh.gov.br
2 Doutor em Sociologia (Université de Paris-Dauphine - Universidade Feder de Santa Catarina (Brasil). Professor
no Departamento de Sociologia (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG). E-mail: sisahi@yahoo.com
A construção de um regime de qualidade no mercado brasileiro de produtos orgânicos | Djalma Eudes dos Santos e
Silvio Salej Higgins
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num tipo de mercado com múltiplas possibilidades apoiadas na venda direta
nas feiras, ou na venda de produtos certicados em lojas especializadas, super-
mercados, hotéis e restaurantes; ii) sua imediata identicação com um estilo
de vida que inclui hábitos saudáveis de alimentação; iii) e o controle das ações
a montante e a jusante através de normas construídas a partir de intensos con-
itos político-culturais. Neste espectro, a perspectiva da qualidade alimentar,
que norteia a produção, distribuição e consumo, vem a ser um elemento-
-chave para a consolidação do mercado e preservação de suas características
enquanto um modo de produzir diferenciado.
Como será aqui esmiuçado, a imposição de padrões de qualidade para
os produtos orgânicos no Brasil, como ocorreu em outras partes do mundo,
seguiu um processo de institucionalização de uma concepção de controle de-
senhada com a participação do Estado, conforme amplamente explorado pela
nova sociologia econômica (FLIGSTEIN, 2001; MAZON, 2009). No início,
a necessidade de denir exatamente o que é o produto orgânico, colocado em
oposição aos produtos tipicados como convencionais, levou a uma síntese
dos modos similares de produzir que respeitavam os mesmos princípios de
manejo do solo e de cultivo e que eram corriqueiramente nomeados de natu-
ral, biológico, biodinâmico, permacultural, dentre outros. Agrupadas nestas
formas de produção que, basicamente, dispensavam o uso de agroquímicos
e atrelavam o produto a uma noção de saúde humana e ambiental, havia,
desde meados dos anos 1980, duas concepções de controle em confronto
buscando regulação para o mercado. Pleiteando padrões públicos tem-se a
concepção proposta pelos defensores da agroecologia, invocada como uma
identidade coletiva dos movimentos sociais rurais e que buscava garantir a
organização social no meio rural (ALTIERI, 2012; ALTIERI; NICHOLLS,
2013; GLIESMAN, 2002; GUZMÁN, 2002); pleiteando padrões privados,
têm-se os pequenos e grandes produtores de orgânicos não vinculados aos
movimentos sociais, orientados pelo crescimento da demanda para os seus
produtos. Assim, a primeira concepção de controle apresenta um foco muito
preciso no produtor (sua autonomia e organização social local enquanto parte
de um movimento social), enquanto a segunda tem como alvo o mercado
(seus limites legais, padrões de qualidade e mecanismos de distribuição para o
consumo). Em ambos os casos, a rentabilidade é subjacente, mesmo que per-
cebida de modo distinto, seja como uma forma de soberania e emancipação

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