A construção jurídica da interação sexual: hierarquia valorativa e punitiva na legislaçao Penal Portuguesa

AutorMaria João Faustino
CargoLicenciatura em Filosofia
Páginas134-155
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
V. 6 - Nº 02 - Ano 2017
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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A CONSTRUÇÃO JURÍDICA DA INTERAÇÃO SEXUAL:
HIERARQUIA VALORATIVA E PUNITIVA NA LEGISLAÇAO
PENAL PORTUGUESA
Maria João Faustino1
Resumo: O presente artigo propõe uma
análise sociojurídica dos atos sexuais com
relevância penal, consagrados na
legislação penal em curso no contexto
jurídico português. A partir do
mapeamento da legislação em vigor e do
enquadramento doutrinário que lhe
concerne, procedeu-se à identificação das
categorias, conceitos e representações
fundamentais da criminalidade sexual,
procurando a deteção do fundo normativo
concernente à interação sexual
juridicamente consagrada. Procedendo à
inquirição e análise crítica de tais
categorias e distinções fundamentais,
defendo que a criminalidade sexual aponta
para uma conceção fisicalista, gradativa e
piramidal do corpo sexualizado e da
agressão sexual. O escalonamento
valorativo é erguido pela hierarquização
dos atos criminalmente previstos:
contactos de natureza sexual; atos sexuais
1 Licenciatura em Filosofia; Mestrado em Jornalismo; Bolseira Doutoramento FCT (área de investigação:
sexualidade e tecnologia)
de relevo e atos sexuais de especial relevo.
A construção piramidal da sexualidade
tem como paradigma e expoente
referencial a penetração vaginal,
correspondendo ao conceito de
‘imperativo coital’.
Palavras-chave: legislação penal
portuguesa; criminalidade sexual; ato
sexual de relevo; violação; cópula
Abstract: This study presents a
sociological and legal analysis of the
criminally relevant sexual acts in the
context of the Portuguese legal system
which aims to detect the normative
background concerning sexual
interaction. Starting from the mapping of
the current legislation and its related
doctrinal production, the key categories,
concepts and representations of sexual
criminality were identified. It is argued
that a physicalist, gradational and
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Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
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pyramidal conception of sexed bodies
and sexual aggression underpins the
current Portuguese criminal law. The
scale of criminal sexual relevance is
constructed in hierarchical categories:
contacts of sexual nature; relevant sexual
acts and especially relevant sexual acts.
The paradigmatic and higher referential
of this pyramidal construction is the
penetration of a vagina by a penis, which
corresponds to the concept of ‘coital
imperative’.
Keywords: Portuguese criminal law; sex
crimes; relevant sexual act; rape; coitus
INTRODUÇÃO
Contexto normativo e evolução
legislativa
A arquitetura
jurídica da criminalidade sexual, abrigada
pelo capítulo V do Código Penal
Português Dos crimes contra a
liberdade e autodeterminação sexual -,
tem no seu ethos a salvaguarda da
liberdade sexual, bem jurídico pessoal. O
seu horizonte justificativo não é, portanto,
a defesa de uma moral sexual dominante,
ou a vocação prescritiva de uma ética
sexual (e decorrente estigmatização de
comportamentos sexuais que se lhe
afigurassem desviantes). Se esse foi,
contudo, o fundo normativo do direito
penal sexual português, a viragem
programática concretizada na revisão do
Código Penal de 1995 afigura-se assaz
importante: os crimes sexuais deixaram
então “de ser crimes contra os
fundamentos ético-sociais da vida social,
como sucedia com os artigos 201º a 218º
do CP de 1982, para passarem a ser crimes
contra a liberdade e autodeterminação
sexual da vítima” (Albuquerque, 2015:
639). Sendo que “é a liberdade sexual de
um indivíduo que está em causa e que é
tutelada e não a liberdade sexual de uma
comunidade” (Lopes, 2008: 26), surge
como corolário do novo enquadramento
legal a não incriminação de “qualquer
espécie de actividade sexual praticada por
pessoas adultas, em privado e com
consentimento” (Gonçalves, 2007: 621).
É sobre este tecido normativo que serão
enquadradas e balizadas as ulteriores
revisões do Código Penal.
Diferentemente do
que hoje se verifica, a visão tradicional da
violação consistia na “cópula não

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