Construção econômica da hegemonia ultraliberal

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas106-111

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A construção econômica da hegemonia da matriz ultraliberalista realiza-se, conforme já apontado, por meio do alcance de destacada prevalência do setor financeiro-especulativo no âmbito do capitalismo mundial, subordinando, visivelmente, os demais segmentos do mesmo sistema socioeconômico.

A substantiva liderança do capital financeiro-especulativo so bre os demais segmentos do próprio capitalismo passa a ser carac terística importante da atual conformação assumida por esse sistema econômico-social.

Não se trata, aqui, do tradicional capital financeiro, da vira da do século xIx para o século xx, que, no conceito de Hilferding, traduzia uma articulação específica entre o segmento financeiro - particularmente o bancário - e o industrial, sob o domínio do primeiro70.

Ao invés disso, trata-se, agora, do capital substantivamente especulativo, que gera sua reprodução essencialmente com o pró prio jogo de inversões financeiras, sem compromisso relevante com a noção de produção, tão cara às fases anteriores do capitalismo.

Esse caráter essencialmente especulativo desse segmento eco nômico e seu incessante afastamento da esfera da economia real são diagnosticados, por exemplo, por Dominique Plihon. Segundo o autor, reportando-se também a H. Bourguinat, teria havido, nas últimas décadas, uma "mudança sistêmica" no mundo das finanças, modificando-se "a própria natureza do sistema financeiro internacional"(...), "sendo ele, doravante, dominado pela especulação"71.

Essa atual prevalência financeiro-especulativa tem seus pressu postos, conforme François Chesnais, no início dos anos 1970, com a revogação do "sistema de Bretton Woods, decretada unilateralmente pelos Estados Unidos, em agosto de 1971 (...), decidida em resposta a problemas específicos daquele país". O economista europeu, após esclarecer que essa revogação, ao colocar "fim ao padrão-ouro para o dólar, abrindo caminho, imediatamente, para o sistema de ‘taxas de câmbio flexíveis’, (...) fez do mercado de câmbio o primeiro compartimento a entrar na mundialização financeira contemporânea ..."72

A segunda fase do processo que François Chesnais chama de mundialização financeira ocorre logo a seguir, entre 1979 e 1981, sob liderança da Inglaterra e dos EUA, quando esses países, segun do Chesnais, "deram origem ao sistema

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contemporâneo de finanças liberalizadas e mundializadas" (...), pondo fim "ao controle dos movi mentos de capitais com o exterior", abrindo externamente os res pectivos "sistemas financeiros nacionais"73. Logo em seguida, EUA e Reino Unido foram acompanhados nessa liberalização e desregulamentação financeiras "pelos demais países industrializados"74.

Em consequência, todas "as formas de controle administrativo das taxas de juros, do crédito e dos movimentos de capitais foram progressivamente abolidas. O objetivo era desenvolver as finanças de mercado. A ‘desregulamentação’ foi um dos elementos motores da globalização financeira, pois acelerou a circulação internacional do capital financeiro"...75

Já na década de 1980, sedimenta-se, desse modo, uma longa e cada vez mais intensa e generalizada fase de dominância mundial das transações em finanças, de maneira a deixar firmado o império incontestável do setor financeiro-especulativo no conjunto do siste ma econômico contemporâneo.

Uma pletora crescente de indicadores descreve essa impressionante ascensão e domínio do setor financeiro-especulativo no sistema capitalista contemporâneo.

Goran Therborn assim expõe: "Para dar somente um exemplo, durante um dia em Londres, é negociado um montante de divisas correspondente ao PIB mexicano de um ano inteiro. Em um dia e meio, os traficantes de divisas vendem e compram o equivalente ao PIB anual do Brasil".76

Luiz Gonzaga Belluzo, por sua vez, demonstra ainda que o "va lor da massa de ativos financeiros transacionáveis nos mercados de capitais de todo o mundo saltou de cerca de US$ 5 trilhões no início de 80 para US$ 35 trilhões em 1995, segundo estimativas do BIS".77

Dominique Plihon, finalmente, evidencia que o "peso das tran sações financeiras transnacionais passou, em média, de 10% do PIB, em 1980, nos países industrializados, a mais de 100% do PIB, em 1992".78

Essa ascensão e prevalência do segmento financeiro-especu lativo é de tal monta que o valor total das inversões meramente financeiras passou até mesmo a suplantar, nas últimas décadas, o valor total das operações vinculadas ao mercado efetivo de bens e serviços.

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Nessa linha, estão os dados arrolados por Goran Therborn relati vos à mais importante economia europeia: "... na...

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