A construção do Direito Internacional como disciplina jurídica no Japão sob a influência eurocêntrica: da era Edo (1603-1868) à era Showa (1926-1989)

AutorErika Louise Bastos Calazans
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
Páginas89-120
A Construção do Direito Internacional como Disciplina
Jurídica no Japão sob a Influência Eurocêntrica: da
Era Edo (1603-1868) à Era Showa (1926-1989)
The Construction of International Law as Legal Discipline in Japan under the
Eurocentric Influence: from Edo Period (1603-1868) to Showa Period (1926-1989)
Érika Louise Bastos Calazans
Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis, SC, Brasil
Resumo: O presente ensaio tem por escopo
apresentar um estudo panorâmico acerca dos
matizes teóricos que construíram a ciência do
direito internacional ao longo do processo de
formação do Estado do Japão. O recorte tempo-
ral da pesquisa vai de Edo a Showa e divide-se
em duas partes. Na primeira, esboça em linhas
gerais a introdução da disciplina no país, ainda
no período feudal (Era Edo), com seu rápido
crescimento no período seguinte. Na Era Meiji,
o Japão sustentou ter alcançado o status de “na-
ção civilizada” alegando ter realizado o estrito
cumprimento do direito internacional em suas
relações estrangeiras, tendo incorporado forte-
mente a cultura europeia no seu contexto jurídi-
co-político. Na segunda parte, busca apresentar
e discutir a consolidação do direito internacio-
nal como disciplina jurídica nas Eras Taisho e
Showa. Por meio dos métodos dedutivo e quali-
tativo, concluiu-se que a principal influência no
direito internacional no Japão foi a do positivis-
mo jurídico europeu, seguido da introdução do
método histórico de análise do direito.
Palavras-chaves: Direito Internacional. Histó-
ria do Direito. Japão.
Abstract: The present essay aims at presenting
a panoramic study on the theoretical nuances
that have built the science of international law
throughout the process of formation of the State
of Japan. The temporal cutting of the research
goes from Edo to Showa and is divided into
two parts. In the first, it outlines the introduction
of international law in the country, still in the
feudal period (Edo), with its rapid growth in
the following period. In Meiji Period, Japan
maintained that it had achieved the status of
“civilized nation” on the grounds that it had
carried out strict compliance with international
law in its foreign relations, strongly incorporating
European culture in its legal-political context. In
the second part, it searches to present and discuss
the consolidation of international law as legal
discipline in Taisho and Showa Periods. Through
the deductive and qualitative research methods
it was concluded that the main influence on the
international law in Japan was the European
legal positivism, followed by the introduction of
the historical method of legal analysis.
Keywords: International Law. Law History.
Japan
Recebido em: 08/03/2017
Revisado em: 12/11/2017
Aprovado em: 14/11/2017
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2017v38n77p89
90 Seqüência (Florianópolis), n. 77, p. 89-120, nov. 2017
A Construção do Direito Internacional como Disciplina Jurídica no Japão sob a Influência Eurocêntrica:
da Era Edo (1603-1868) à Era Showa (1926-1989)
1 Introdução
O presente trabalho busca apresentar uma visão panorâmica dos
matizes teóricos que construíram a ciência do direito internacional ao lon-
go do processo de formação do Estado do Japão. O recorte temporal da
pesquisa vai da Era Edo (1603-1868) até a Era Showa (1926-1989), di-
vidindo-se em duas partes. Na primeira, tem como cerne a introdução da
disciplina no país, ainda no período feudal (Era Edo), sob a influência ini-
cial do direito natural; e vai até o final da Era Meiji, quando o positivismo
jurídico como método de estudo do direito internacional ganha proemi-
nência. Na segunda, busca apresentar e discutir a consolidação do direi-
to internacional como disciplina jurídica na Era Taisho (Primeira Guerra
Mundial), até meados da Era Showa (Períodos Pré e Pós-Segunda Guerra
Mundial), com o refinamento do pensamento dos juristas japoneses, que
passaram a adotar um posicionamento mais crítico e menos passivo em
relação à cultura jurídica europeia. O objetivo é refletir sobre as mudan-
ças no pensamento dos juristas japoneses, cuja principal influência foi a
do positivismo jurídico.
A concepção ocidental1 do direito internacional no Japão foi in-
troduzida no meio do século XIX, com a chegada dos navios negros
(kurofune)2 do Comodoro norte-americano Matthew Perry. Os japoneses
que ainda estavam em plena era feudal e forte política nacional de isola-
mento não tinham o menor conhecimento do direito das gentes3. O estudo
1 Segundo Urs Matthias Zachmann dizer que o direito internacional chegou ao Japão
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a noção de direito internacional pode ser entendida em sentido lato para acomodar
concepções não ocidentais. Além disso, também defende que a ideia de isolamento do
Japão na Era Edo é relativa, visto que mantinha relações comerciais com nações da Ásia
oriental, mesmo que de forma limitada (ZACHMANN, 2014).
2 Kurofune ou navios negros, foi o termo dado pelos japoneses da Era Edo para se
referirem aos navios do Comodoro Matthew Perry. A expedição era composta de quatro
navios: Mississippi, Plymouth, Saratoga e Susquehanna (PALACIOS, 2008).
3 Zachmann também entende que o Japão foi capaz de se adaptar mais rapidamente que
outros países asiáticos as noções ocidentais pois já possuíam a noção de estado soberano
e igualdade soberana, elementos básicos do direito internacional que existiam desde o
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Seqüência (Florianópolis), n. 77, p. 89-120, nov. 2017 91
Érika Louise Bastos Calazans
da matéria começou no Japão por motivos práticos e de sobrevivência e,
com a abertura forçada do país para o ocidente, se viram obrigados a bus-
car compreender e aplicar o direito internacional nas suas novas relações
diplomáticas.
Durante o final da Era Edo e durante toda a Era Meiji (1868-1912)
o estudo da ciência do direito internacional se devotou a descrever o mais
precisamente possível e com o maior número de detalhes os fatos, casos
e normas existentes no mundo ocidental. Rapidamente o governo japonês
percebeu duas importantes questões: primeiro, dominar o conhecimento
da disciplina seria essencial para revisar os diversos tratados internacionais
que foi levado a fazer no processo de abertura para o ocidente. Segundo,
para que o Japão pudesse concretizar seu desejo de ser reconhecido como
“nação civilizada” pelo ocidente, precisava provar seu conhecimento e ca-
pacidade de seguir estritamente as normas de direito internacional. Somente
após as guerras Sino-Japonesa (1894-1895) e Russo-Japonesa (1904-1905),
e seu fiel cumprimento do direito internacional na condução das hostilida-
des, que o Japão conseguiu ser reconhecido.
A partir da Era Taisho (1912-1926), o estudo da disciplina passou a
realizar uma sistematização lógica de tratados e conceitos essenciais. O co-
nhecimento e compreensão dos japoneses evoluíram sensivelmente e foi na
pessoa de Sakutaro Tachi (1874-1943) que se concretizaram. Tachi discutiu
casos compilados por seus predecessores da Era Meiji, entretanto, diferen-
temente dos pensadores anteriores, seus trabalhos demonstraram certa ori-
ginalidade. Ele foi além da mera descrição para uma análise e interpretação
lógica da lei, sob forte influência de L. Oppenheim e W. Hall.
Do início da Era Showa ao período Pós-Segunda Guerra Mundial
(1939-1945) outras importantes contribuições foram realizadas por três
internacionalistas: Kisaburo Yokota (1896-1993), Ryoichi Taoka (1898-
1985) e Shigejiro Tabata (1911-2001). Yokota, discípulo de Tachi, foi res-
ponsável por influenciar profundamente os círculos acadêmicos de sua
notions of state sovereignty and equality as basic elements of international law existed in
Japan even during the early modern period, which of course served as an explanation of
why Japan adapted to the western order so much more quickly than, for example, China.”
(ZACHMANN, 2014, p. 229)

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