Constituição, governo democrático e níveis de intensidade do controle jurisdicional

AutorClèmerson Merlin Clève - Bruno Meneses Lorenzetto
CargoProfessor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná - Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Páginas17-73
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Revista Judiciária do Paraná – Ano X – n. 10 – Novembro 2015
Constituição, governo democrático e níveis de
intensidade do controle jurisdicional
Clèmerson Merlin Clève1
Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná
Bruno Meneses Lorenzetto2
Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Resumo: Em sua primeira parte o artigo possui como
o condutor a análise do caso United States v. Carolene
Products Co. (1938) e suas consequências na estrutura da
Suprema Corte dos Estados Unidos. Observa-se como foi
elaborada uma justicação procedimentalista do controle
de constitucionalidade a partir da nota de rodapé número
4 do caso Carolene Products. Apresentam-se as críticas
substantivistas que evidenciam as limitações da postura
eminentemente deferente derivada do caso. Em sua segunda
parte o estudo enfatiza a realidade brasileira e ressalta que
nossa Constituição Federal possui um sentido substantivo
de justiça. Discutem-se os fenômenos do ativismo judicial e
da judicialização da política. Por m, assinala as mudanças
às quais o Supremo Tribunal Federal foi submetido nos
últimos anos e aproxima a doutrina de Carolene Products
e os níveis de escrutínio com a jurisdição constitucional
nacional, distinguindo entre casos de controle forte e fraco da
scalização de constitucionalidade.
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Clèmerson Merlin Clève e Bruno Meneses Lorenzetto
1. Introdução
A       possui como pano de
fundo, na modernidade, o funcionamento de certo conjunto de ins-
tituições. No campo jurídico, a jurisdição constitucional e as relações
de poder nela imbricadas apresentam especial relevância. A jurisdição
constitucional tornou-se um lócus privilegiado da convergência entre a
práxis e a teoria, reclamando uma análise crítica acerca do seu lugar e
do seu papel na sociedade contemporânea.
O presente texto apresenta uma reexão sobre o tema acima referi-
do, tomando como ponto de partida as sugestivas ideias apresentadas
por Luís Roberto Barroso em artigo publicado em coletânea3.
A projeção que a jurisdictio passou a ocupar na modernidade é
tributária da redenição do conceito de política. Esta foi distanciada
de sua antiga feição aristotélica para assumir posto radicalmente di-
verso4. Hobbes, em sua emblemática obra “O Leviatã5, esquadrinhou
o sentido moderno de política da seguinte maneira: i) cabe à política
estabelecer as condições adequadas para o funcionamento do Estado e
da sociedade (com pretensão de universalização); ii) na transição entre
teoria e prática, a aplicação se torna uma questão técnica, com a dis-
posição das condições gerais que organizam o Estado e a sociedade,
demandando-se o cálculo correto da produção legislativa, das relações
intersubjetivas e do arranjo das instituições; iii) os arquitetos da nova
ordem social devem voltar seus esforços no sentido da produção de
comportamento calculável6.
A partir disso, é possível recordar que o início de grandes debates
teóricos acaba por remeter, em diversas ocasiões, a questionamentos
elementares sobre fatores práticos que permeiam a vida em sociedade,
a fundação da comunidade política e a emergência do direito como
meio de prevenção e solução de conitos. Neste contexto, cabe pergun-
tar: Quem dene o que é o direito e quem deve obedecê-lo? Quem está
autorizado a dizer o direito?
Essas questões, que não demandam respostas denitivas, ense-
jam diferentes argumentações de acordo com as distintas correntes
de pensamento. Todavia, adverte Ronald Dworkin, qualquer teoria
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do direito deve procurar responder pelo menos a uma parcela desses
problemas. Assim, formulações acerca da legislação, da decisão judi-
cial (adjudication) e da observância (compliance) da lei precisam ser
desenvolvidas7.
As referidas formulações possuem seus respectivos destinatários:
quem produz as leis; quem decide; quem obedece. Enquanto a preocu-
pação daqueles que produzem o conjunto normativo relaciona-se, em
princípio, com a questão da legitimidade e com a democracia, a teoria
da decisão judicial precisa ser relativamente complexa, contemplando:
i) uma “teoria da controvérsia”, que estabelece os padrões para a decisão
de casos difíceis e ii) uma “teoria da jurisdição” que dena os motivos
e os momentos em que os juízes devem tomar decisões com base na
teoria da controvérsia8.
Sendo, hoje, insuciente uma teoria da jurisdição que exponha ape-
nas os argumentos de justicação utilizados pelos juízes, cumpre dialo-
gar com esferas de alto apelo valorativo como a democracia e a justiça.
Diante de tais apelos, procura-se esboçar um diagnóstico do papel da
jurisdição constitucional no mundo contemporâneo governado pela
ideia de maioria.
2. Breve olhar sobre um debate americano
2.1 A jurisdição constitucional e as origens do
procedimentalismo
Cada geração constitucional organiza-se de acordo com eventos e
textos que se tornam os standards de um determinado período históri-
co. Tal conjunto de dados jurídicos ao mesmo tempo em que inuencia
a prática corrente torna-se matéria a desaar renovadas elaborações. É
nesse contexto que, no direito constitucional norte-americano, assu-
me particular importância a nota de rodapé número 4 do caso United
States v. Carolene Products Co. (1938).
A nota autorizou a estruturação de uma teoria da decisão complexa
em matéria constitucional. O caso que propiciou a decisão contendo a
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