Constituição financeira e o federalismo cooperativo brasileiro

AutorHeleno Taveira Torres
Páginas309-354
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CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA E O
FEDERALISMO COOPERATIVO BRASILEIRO
Heleno Taveira Torres1
SUMÁRIO: 1. Introdução: metodologia da constituição financeira cooperativa e
a constituição político-federativa – 2. Federalismo fiscal na Constituição Finan-
ceira no Brasil – escorço histórico e formação institucional – 3. Federalismo como
princípio constitucional e a garantia de unidade nacional: 3.1 A descentraliza-
ção das unidades do federalismo; 3.2 Unidade e descentralidade do federalismo
na comparação de modelos – 4. O federalismo fiscal cooperativo e sua dimensão
funcional no constitucionalismo brasileiro: 4.1 Constituição financeira e federa-
lismo cooperativo na aplicação do princípio de eficiência – 5. Solidariedade como
princípio legitimador do federalismo cooperativo equilibrado e rigidez constitu-
cional – 6. Dirigismo constitucional e o dever de assegurar desenvolvimento e a
redução de desigualdades regionais – limites e possibilidades: 6.1 Proibição de
redução do federalismo cooperativo à centralidade da União.
1. Professor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo (USP). Professor e Livre-docente de Direito Tributário na mesma ins-
tituição, desde 2003. Doutor (PUCSP), Mestre (UFPE) e Especialista (Università di
Roma – La Sapienza) em Direito Tributário. Foi Vice-Presidente mundial da Inter-
nacional Fiscal Association – IFA, com sede em Amsterdã – Holanda, de janeiro de
2008 a dezembro de 2013. Diretor Vice-Presidente da Associação Brasileira de Di-
reito Financeiro – ABDF. Membro do Conselho Executivo do Instituto Latino Ame-
ricano de Derecho Tributario – ILADT, além de outras importantes associações no
Brasil e no exterior, como ABRADT, IAB, IASP. É conselheiro do Conselho Superior
de Assuntos Jurídicos e Legislativos (Conjur), Conselheiro e Membro da Câmara de
Arbitragem da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP, Conse-
lheiro e Membro da Câmara de Arbitragem da Federação do Comércio do Estado
de São Paulo – FECOMERCIO.
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FEDERALISMO (S) EM JUÍZO
1. INTRODUÇÃO: METODOLOGIA DA CONS-
TITUIÇÃO FINANCEIRA COOPERATIVA E A
CONSTITUIÇÃO POLÍTICO-FEDERATIVA
A relação entre Constituição Financeira e forma de Es-
tado federativa define o modelo de federalismo fiscal, como
medida de descentralização financeira. No Brasil, porém, a
dúvida primeira é saber se temos efetivamente um “pacto fe-
derativo” entre suas unidades federativas, a informar o contí-
nuo funcional da forma federativa, para a qual o federalismo
fiscal presta-se como medida do seu financiamento.
Aspecto importante da Constituição Financeira é aquele
que demarca o âmbito material do federalismo fiscal, quanto
à discriminação de rendas, mediante a repartição constitucio-
nal de competências e a distribuição do produto arrecadado
dos tributos entre os entes federativos.
A Constituição do Estado Federal comporta, em verdade,
distintas relações jurídicas, à semelhança daquelas destacadas
por Pablo Lucas Verdú, no seu “Teoría General de las Relacio-
nes Constitucionales”, como são aquelas (a) entre a União e os
Estados e Municípios, em verticalidade, como Estado Federal
ou Nação (regras de Constituição Nacional); (b) entre as pes-
soas do federalismo, quanto aos vínculos horizontais de autono-
mias da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (regras
da Constituição Federal); (c) relações horizontais dos Estados
e dos Municípios entre si; (d) relações entre particulares e as
pessoas do federalismo; (e) entre as unidades do federalismo
e os órgãos de coordenação federativa (Senado, Conselho Na-
cional de Justiça e outros) e (f) aquelas da jurisdição federativa
(Supremo Tribunal e Tribunais Superiores).
A complexidade dessas relações da Federação, notadamente
as interestatais, entre os entes do federalismo, e aquelas com os
particulares, em conjunto, demandam por parte da Constituição
Financeira a realização de funções estruturantes fundamentais,
para gerar capacidade de autonomia com suficiência financeira,
segurança jurídica interestatal e para os particulares, eficiência
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FEDERALISMO (S) EM JUÍZO
de gastos, continuidade do Estado e integração, segundo os fins
e valores do Estado Democrático de Direito. Estas são as mais
auspiciosas expectativas sobre o federalismo financeiro.
Nesta quadra, o objetivo deste capítulo não é o de esgotar
toda a dinâmica constitucional sobre a discriminação cons-
titucional de rendas do nosso federalismo, mas demonstrar
como a Constituição Financeira institui e organiza os meios
necessários, tributários (Constituição Tributária) e outros,
para cumprir com o eficiente e suficiente financiamento do
Estado, na sua integridade funcional, segundo a organização
e estrutura estatal (Constituição Político-Federativa), e em
permanente integração com os fins do Estado determinados
pela Constituição total e pela Constituição Econômica.
No Brasil, esta dimensão integradora da Constituição Fi-
nanceira somente é possível em virtude do modelo de federalis-
mo cooperativo adotado pela Constituição de 1988, caracteriza-
do pelo financiamento centrífugo (efeito virtuoso do federalismo
centrípeto que tem início com a Constituição de 1934) em favor
das autonomias de menor capacidade financeira.
Deveras, se os poderes convergem para a unidade cen-
tral do federalismo, este ente assume a responsabilidades
pelo financiamento dos entes periféricos, pelo princípio de
cooperação mútua (o que chamamos de “financiamento cen-
trífugo”). Este modelo de federalismo baseado em uma maior
cooperação define o poder financeiro como “cooperativo”,2
2. Após exaltar a importantíssima contribuição da Constituição de 1934 para a con-
centração dos poderes legislativos na União, diz Seabra Fagundes: “A Constituição
de 1946 torna efetivo, dessarte ‘o convívio constitucional do princípio da autonomia,
que vem do federalismo clássico, com o princípio da cooperação, que é dado do fe-
deralismo contemporâneo’ (Raul Machado Horta, ob. cit., pág. 226). O federalismo
dualista se transforma em federalismo cooperativo (José Luiz de Anhaia Mello, ‘O
Estado Federal e as suas Novas Perspectivas’, 1960, p. 151)”. E continua: “A legisla-
ção complementa a atividade cooperativa, criando organismos regionais (Sudene,
SPVEA, CHESF etc.), que projetam a presença administrativa da União em amplas
áreas do território nacional, com todos os consectários de prestígio e influência do
poder central” (FAGUNDES, M. Seabra. Novas perspectivas do federalismo brasi-
leiro: a expansão dos poderes federais. Revista de Direito Público, São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, n. 10, p. 11, out.-dez. 1969).

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