Democracia na Constituição de 1988, realidade ou utopia?: Dos Direitos Humanos ao Estado “Social” Democrático de Direito

AutorDirceu Pereira Siqueira
Páginas1-11

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Introdução

Pela atual conjuntura política do Brasil, em que temos um país sob os auspícios da corrupção e impunidade, se faz necessário considerar o momento histórico da democracia, se realmente esta democracia esta cumprindo seu papel, e ainda se em um Estado democrático tal impunidade dever reinar levando a um afronte despeito a sociedade em geral que nada pode fazer quanto a isso.

Incumbe-nos ainda a árdua tarefa de analisar a democracia quanto aos princípios constitucionais, essencialmente quanto à dignidade da pessoa humana, pois devemos acima de tudo em um Estado democrático de direito prezar pela sua total efetividade, sob pena de afrontarmos diretamente a Constituição.

No contexto dos direitos fundamentais vamos analisar seu surgimento, e evolução, visando aferir sua relação com a democracia sendo que para tal trataremos de forma inicialmente individualizada para ao final condensarmos ambos visando aquilatar o nexo de equivalência e interligação entre ambos.

1. Evolução histórica dos direitos humanos

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No estudo dos direitos humanos, devemos nos remeter à Antiguidade, mais precisamente a fase do chamado “Direito Natural1”, para que possamos iniciar nossa trajetória evolutiva quanto aos direitos fundamentais, percorrendo pelos direitos humanos, sendo que neste momento temos direitos atribuídos aos homens de forma geral, não exigindo a condição de cidadão, para a titularidade destes direitos2.

Posteriormente, devemos destacar o momento marcado pelas ideologias dos “hebreus”, os quais os quais tinham como norte a reverência religiosa, a contemplação do homem como ser supremo, a unicidade do homem, contemplando ainda a ideologia de que ao atingir o homem estar-se-ia atingindo o próprio mundo, e com isso, com esta postura, aponta para o surgimento da proteção a vida, que outrora seria consagrado como a vida digna do ser humano3.

Aqui, devemos ressaltar a importância dos primeiros apontamentos quanto à igualdade entre os homens, o princípio da isonomia, vez que nesta fase entendia-se que o homem havia sido criado a imagem e a semelhança de Deus4, logo deveriam ter o mesmo tratamento, face, a aspectos religiosos que norteavam a toda a sociedade neste momento histórico.

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Já no cristianismo, o qual não trouxe mudanças relevantes em relação ao tema, mas apenas veio a consagrar e firmar os entendimentos que já havia, principalmente aqueles atinentes, à igualdade, vez que pode se compreender neste momento o homem como filho de Deus, sem distinções5. Assim, foi neste momento que se superou a idéia de que Deus houvera escolhido um entre todos os povos na terra, afinal, passou-se a pregar a ideologia de que todos são filhos de Deus, sem distinções.

Caminhando um pouco mais, passamos a destacar a Idade Média, e com ela o reconhecimento da distinção entre os nobres e plebeus, acentuou-se a existência das desigualdades, momentos este marcante na história, afinal este foi um marco ao reconhecimento “estatal” das desigualdades.

Outro fato de destaque neste momento é o advento das “cartas de franquias”, concedidas pelos reis aos nobres, face ao apoio a supremacia do rei, cartas estas que concediam direitos a nobreza, os chamados direitos estamentais (à nobreza e ao clero), por certo, tais cartas, afrontava, diretamente a democracia, favorecia imensamente as desigualdades, demonstrava de forma clara sua existência.

Com a Magna Carta, de 1215, carta de João Sem terra, outorgada em 15 de junho de 1215, na Inglaterra, que mesmo tendo um conteúdo extremamente estamental, acenou para o surgimento dos direitos fundamentais, ao limitar os poderes do rei, destacando que tais poderes encontravam limites nos direitos da nobreza e do clero, estabelecendo assim, limitações ao poder até então “ilimitado” do monarca; com isso, consagrou pela primeira vez, a fase inicial de surgimento da democracia moderna6.

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Canotilho (2002, p. 382-383) assim leciona acerca da Magna Carta:

Mas a Magna Charta, embora contivesse fundamentalmente direitos estamentais, fornecia já aberturas para a transformação dos direitos corporativos em direitos do homem. O seu vigor irradiante no sentido da individualização dos privilégios estamentais detecta-se na interpretação que passou a ser dada ao célebre art. 39º, onde se preceituava que “Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos, nem mandaremos proceder contra ele, senão em julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país”. Embora este preceito começasse por aproveitar apenas a certos estratos sociais - os cidadãos optimo jure - acabou por ter uma dimensão mais geral quando o conceito de homem livre se tornou extensivo a todos os ingleses.7

Conforme Jorge Miranda (2002, p. 21) acerca do tema, assim dispõe analisando a Magna Carta:

As duas linhas de força mais próximas – não únicas, nem isoladas – dirigidas à formação e ao triunfo generalizado do conceito moderno de direitos fundamentais são, porém, a tradição inglesa de limitação do poder (da Magna Charta ao Acto of Settlement) e a concepção jusracionalista projectada nas Revoluções americana e francesa.8

Com isso podemos destacar que a Magna Carta teve grande importância para o desenvolvimento dos direitos humanos, sendo que neste momento houve um marco ao desenvolvimento principalmente da democracia.

Mesmo considerando que naquele momento, o intuito foi prestigiar os dois estamentos (nobreza e burguesia), pode-se afirmar que as conquistas trazidas pela Magna Carta foram, extremamente relevantes, à “todos”, sem exceção, sendo aparentemente óbvio, que de maneira mais peculiar, às classes a que se dirigia frontalmente (nobreza e burguesia). A Magna Carta de 1215 visou assegurar o direito à vida, por meio de fixação de outros direitos essenciais a ela9.

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Ainda nesta esteira de evolução dos direitos humanos, cumpre-nos ressaltar a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, datada de 16 de junho de 1776, sendo que ela que fixou direitos como: isonomia (trouxe em seu bojo a igualdade entre os homens); vida (tratou de mais prever o direito a vida também em seu bojo); liberdade religiosa; liberdade de imprensa; e ainda como se não bastasse, entre outras coisas trouxe a previsão de tal segurança estendida incondicionalmente a todos, extirpando assim, qualquer diferenciação que pudesse haver relativos a estamentos (nobreza e burguesia).

Quanto ao tema, vejamos as lições de Fábio Konder Comparato:

É importante assinalar que os dois primeiros parágrafos da...

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