Estado e Constitucionalismo Social: o Direito na transformação da realidade

AutorThiago Lemos Possas
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela USP
Páginas51-89
A Constituição Balzaquiana 51
Capítulo 2
Estado e Constitucionalismo Social:
o Direito na transformação da realidade
Thiago Lemos Possas29
porque é verdade que são mais belos
o teto, a parede e a fechadura
que o arco-íris de sete cores
onde não pode viver ninguém.
Pablo Neruda (“Elegia”)
1 Introdução
Intenta-se, neste breve artigo, tecer considerações gerais
sobre o paradigma do Estado Social, sobre o constitucionalismo
social, bem como sobre algumas singularidades observadas nas
instituições estatais historicamente forjadas no contexto. Destaca-
-se a tentativa de superação dos problemas inerentes ao para-
digma liberal, com a busca, no século XX, da aproximação entre
constitucionalismo e democracia, e a formação de um Estado inter-
vencionista apto a fazer frente à questão social de seu tempo.
O itinerário deste texto tem como ponto inicial a abordagem
geral do Estado Social e de seu constitucionalismo, com o trata-
mento das principais caraterísticas formadoras deste paradigma 30
do Direito e do Estado.30
29 Doutor em Direito pela USP. Mestre em Direito Público pela UNESP. Bacharel
em Direito pelo UFMG. Professor da Faculdade São Luís.
30 O conceito de “paradigma” foi tratado pelo cientista norte-americano Thomas
Kuhn em sua obra, hoje clássica, “A estrutura das revoluções cientí cas”. Nela,
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Organização: Daniel C. Pagliusi Rodrigues
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Se a categoria “paradigma” é didaticamente interessante
e fornece uma visão panorâmica sobre as instituições no con-
texto, deve-se ter em mente que houve formações sociais bem
diversas rotuladas como “Estado Social”. Aqui reside o segundo
ponto a ser tratado, com a abordagem de algumas singularidades
que podem ser apontadas em conformações diferentes do Estado
Social.
Por m, há a tentativa de esboçar uma teoria do Estado
que se apresente em consonância com o ideal e os objetivos do
paradigma social. Escolheu-se, para essa nalidade, uma teoria que
aproxima o Estado de sua realidade fática, distante do formalismo
que prefere ver no Estado apenas suas características ideias.
Kuhn (1998) assim se posiciona na denição de seu inuente conceito, após
mencionar relevantes trabalhos cientícos: “esses e muitos outros trabalhos
serviram, por algum tempo, para denir implicitamente os problemas e métodos
legítimos de um campo de pesquisa para as gerações posteriores de praticantes da
ciência. Puderam fazer isso porque partilhavam duas características essenciais.
Suas realizações foram sucientemente sem precedentes para atrair um grupo
duradouro de partidários, afastando- os de outras formas de atividade cientíca
dissimilares. Simultaneamente, suas realizações eram sucientemente abertas
para deixar toda a espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo
redenido de praticantes da ciência. Daqui por diante deverei referir-me às rea-
lizações que partilham essas duas características como ‘paradigmas’, um termo
estreitamente relacionado com ‘ciência normal’”. Mário Lúcio Quintão Soares
(2001, p. 16) resgata a teoria de Kuhn, remetendo seu conceito principal à teoria
do Direito e do Estado de maneira didática: “A noção de paradigma foi construí-
da por THOMAS KHUN, que estabeleceu esquema hermenêutico com base na
observação da estrutura das revoluções cientícas. Para essa compreensão, cada
disciplina cientíca resolve seus problemas epistemológicos de acordo com seus
pressupostos metodológicos, convenções lingüísticas e experimentos. Desse
modo, paradigmas são realizações cientícas universalmente reconhecidas que,
durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modernas para uma comu-
nidade de praticantes de uma ciência. Neste sentido, segundo HABERMAS, a
expressão paradigma compreende as visões paradigmáticas, as imagens-modelo,
que uma determinada comunidade jurídica acolhe para questão de como podem
ser realizados o sistema de direitos e os princípios do Estado de direito no
contexto percebido de uma dada sociedade”.
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A Constituição Balzaquiana
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2 Características do paradigma social: Estado e constitu-
cionalismo
Para Pablo Lucas Verdú (2007, p. 87), o Estado Liberal
visava a consecução da liberdade, mas seu individualismo e pre-
tensão de neutralidade diante da questão social o afastaram da
realização da justiça social. O Estado Social surge, neste contexto,
com a aspiração de realizar a justiça social negligenciada pelo
Estado Liberal. Segundo Paulo Bonavides, o “Estado separação
de poderes” (liberal) deu lugar ao Estado constitucional dos
direitos fundamentais (social), muito mais ancorado no valor
“justiça” que na liberdade, já que esta já havia sido positivada
juridicamente no paradigma anterior, enquanto aquela estava
bem distante de adquirir materialidade nas realidades injustas
que o Estado Liberal ajudou a engendrar. Destarte, o Estado
Social passa a ter como pilares a díade liberdade-justiça, sendo
esta última representada pelos direitos sociais e econômicos, e
a conferir primazia à legitimidade representada por princípios e
valores constitucionais, amparada na concretização dos direitos
fundamentais, em detrimento da legalidade estrita que marcou
o paradigma de Estado anterior. Observou-se, neste contexto,
uma “revolução copernicana nos quadros da normatividade”
vericada a partir do estabelecimento da “supremacia da legiti-
midade sobre a legalidade, da Constituição sobre o Código, do
princípio sobre a regra, da juridicidade sobre a programaticidade,
da Hermenêutica sobre a Dogmática, do Direito/justiça e ética
sobre o Direito/norma e coerção” (BONAVIDES, 2010, pp. 43,
48, 50, 51).
As lutas sociais do séc. XIX tornaram patente a falência
do Estado Liberal e a premente necessidade de se confrontar a
cada vez mais gritante questão social que se forjava em sociedades
industriais sem qualquer envolvimento da instituição estatal no
sentido de amenizar a exploração dos trabalhadores nas fábricas.
A solução tentada foi a conformação de um Estado Material de
Direito, apto a interferir na realidade indicada:
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