Consolidação das Leis do Trabalho

AutorArmando Casimiro Costa Filho - Manoel Casimiro Costa - Melchíades Rodrigues Martins - Sonia Regina da Silva Claro
Páginas67-187
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Sr. Presidente da República:
Tenho grande honra de apresentar a Vossa Excelência o projeto definitivo de Consolidação das Leis de Proteção ao Tra-
balho, relevante cometimento jurídico e social, cuja redação última foi procedida, havendo sido escrupulosamente apreciadas
as sugestões e emendas propostas ao anteprojeto, após uma verdadeira autocrítica, que a própria Comissão efetuou, do texto
original divulgado pelo Diário Oficial de 5 de janeiro do corrente ano.
2. A Comissão cotejou e julgou cerca de dois mil reparos, observações ou comentários feitos à Consolidação.
3. Peço vênia a Vossa Excelência, preliminarmente, para ressaltar o esforço, a cultura, a inteligência com que, no desem-
penho da difícil incumbência, se houveram os signatários do Relatório incluso no aprofundado exame da matéria.
4. Durante quase um ano, em longas reuniões diárias entregaram-se à tarefa complexa e ilustre, com uma dedicação e um
espírito público que bem demonstram o patriotismo que os inspirou. Desejo, por isso, antes de mais nada, e perante V. Exa.,
patentear o meu reconhecimento e a minha admiração por esses notáveis colaboradores da obra ministerial.
5. É da mais alta significação social e merece uma referência especial o interesse suscitado pela divulgação do anteprojeto.
6. Juristas e magistrados, entidades públicas, empresas privadas e associações culturais concorreram com a judiciosa
reflexão de sua experiência para sugerir um ou outro retoque.
7. Revelando, não só a repercussão alcançada pelo monumento legal projetado, mas, principalmente, uma vigorosa
consciência sindical — prova plena de um regime social já radicado — manifestaram-se as classes de empregadores e de
empregados, através das respectivas instituições representativas. Esta foi, na realidade, a contribuição mais palpitante, trazida
à Comissão, quer pelo teor original da discussão das teses, quer pela eficiência patente do sistema paritário de equilíbrio social,
evidenciando-se, do contraste de interesses, sob a luz de um pensamento público de bem comum, a fórmula de composição
harmônica das forças do capital e do trabalho.
8. A Consolidação corresponde a um estágio no desenvolvimento do progresso jurídico.
9. Entre a compilação ou coleção de leis e um código — que são, respectivamente, os momentos extremos de um proces-
so de corporificação do direito — existe a consolidação, que é a fase própria da concatenação dos textos e da coordenação
dos princípios, quando já se denuncia primeiro o pensamento do sistema depois de haverem sido reguladas, de modo amplo,
relações sociais em determinado plano da vida política.
10. Projetada a ação do Estado em várias direções, para atender ao tratamento de situações especiais e constantes de
uma mesma órbita jurídica, impõe-se, desde o instante em que se surpreende a unidade interna desses problemas, perscrutar
a sua inteligência ordenadora, que será então a ratio legis do sistema normativo necessário.
11. Esse o significado da Consolidação, que não é uma coleção de leis, mas a sua coordenação sistematizada.
Não é apenas um engenho de arquitetura legislativa, mas uma recapitulação de valores coerentes, que resultaram de uma
grande expansão legislativa, anterior, em um dado ramo de direito.
12. É o diploma do idealismo excepcional do Brasil orientado pela clarividência genial de V. Exa., reajustando o imenso e
fundamental processo de sua dinâmica econômica, nas suas relações com o trabalho, aos padrões mais altos de dignidade
e de humanidade da justiça social. É incontestavelmente a síntese das instituições políticas estabelecidas por V. Exa. desde o
início de seu governo.
13. Empenhou-se, por isso, a Comissão, na articulação dos textos legais vigentes, na exata dedução dos princípios, na
concordância essencial das regras, na unidade interna do sistema. As lacunas preenchidas propuseram-se a tornar explícitas
verdades inerentes às leis anteriores. Algumas inovações aparentes não passam de necessárias consequências da Constitui-
ção. As omissões intencionalmente ocorridas restringiram-se a excluir do conjunto as leis tipicamente transitórias e que, para
atender a situações de emergência decorrentes do estado de guerra, ficaram à margem dos postulados do nosso direito social.
14. O que importa salientar é ter havido a preocupação dominante de subordinação às leis preexistentes e não como se
procedesse à organização de um código, para o qual se permite modernamente a originalidade inicial e onde é mesmo espon-
tânea e essencial a livre criação do direito, sem qualquer dependência do regime vigente.
15. A Consolidação representa, portanto, em sua substância normativa e em seu título, neste ano de 1943, não um ponto
de partida, nem uma adesão recente a uma doutrina, mas a maturidade de uma ordem social há mais de um decênio instituída,
que já se consagrou pelos benefícios distribuídos, como também pelo julgamento da opinião pública consciente, e sob cujo
espírito de equidade confraternizaram as classes na vida econômica, instaurando nesse ambiente, antes instável e incerto, os
mesmos sentimentos de humanismo cristão que encheram de generosidade e de nobreza os anais da nossa vida pública e social.
16. No relatório elaborado pela Comissão respectiva, que corresponde a um prefácio admirável da obra monumental, e
no qual se filia a presente exposição de motivos, encontrará Vossa Excelência minucioso e brilhante estudo das doutrinas, dos
sistemas, das leis, dos regulamentos e das emendas sugeridas comprovando que a Consolidação representa um documento
resultante da instituição do gênio com que Vossa Excelência vem preparando o Brasil para uma missão universal.
17. A estrutura da Consolidação e a ordenada distribuição das matérias que lhe compõem o texto evidenciam claramente
não só um plano lógico como também um pensamento doutrinário.
18. A sucessiva disposição das matérias, nos Títulos e Capítulos, corresponde a uma racional precedência.
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
Exposição dE Motivos CLT LTr
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19. Assim, sem fazer injúria ao bom senso geral, exemplificarei, entretanto: o contrato individual do trabalho pressupõe a
regulamentação legal de tutela do empregado, não lhe podendo ser adversa; a organização sindical pressupõe igualmente a
condição de emprego ou o exercício de profissão e a constituição da empresa; o contrato coletivo de trabalho seria, por sua
vez, inviável sem a prévia formação sindical das classes.
20. Essa uma distribuição em que os institutos jurídico-políticos são alinhados, não ao saber de classificações subjetivas
ou sob a sugestão irrefletida de padrões quaisquer, mas sim, e verdadeiramente, de acordo com dados racionais derivados do
próprio valor e da função social que lhes é essencial.
21. Para melhor compreensão, dividiu a Comissão o Título II do anteprojeto em dois Títulos, visando a tornar ainda mais
intuitivo o esquema da Consolidação: ocupando-se essas duas divisões, respectivamente, “Das Normas Gerais de Tutela do
Trabalho” e “Das Normas Especiais de Tutela do Trabalho”, que constituem exatamente os princípios institucionais e básicos
da proteção do trabalho.
22. Mais uma vez nota-se nessa concepção um ânimo de ordem que resultou de uma meditação exclusiva sobre os ins-
titutos concatenados.
23. O pormenorizado exame, nesta exposição, de todos os temas ali discutidos, importaria reproduzir, quase na íntegra, o
referido relatório, com prejuízo talvez de sua harmonia e da lógica irretorquível com que se apresenta.
24. Peço licença, entretanto, para assinalar alguns aspectos principais do trabalho da Comissão.
25. No concernente à identificação profissional, há quem incorra em absoluto equívoco, ignorando o sentido exato dessa
instituição jurídica.
26. Houve quem lhe apontasse apenas a utilidade de mero instrumento de contrato do trabalho, quando, na verdade, é
este, embora de grande alcance, apenas um aspecto da carteira profissional, cujo caráter fundamental é o de documento de
qualificação profissional, constituindo mesmo a primeira manifestação de tutela do Estado ao trabalhador, antes formalmente
“desqualificado” sob o ponto de vista profissional e a seguir, com a emissão daquele título, habilitado à ocupação de um emprego
ou ao exercício de uma profissão. Não há como subordinar essa criação típica do Direito Social ao papel acessório de prova do
contrato de trabalho, quando, como se vê, a sua emissão antecede livremente o ajuste do emprego e agora, pela Consolidação,
passará até a constituir uma condição obrigatória para o trabalho.
27. Foi, aliás, considerando a importância da carteira profissional como elemento primacial para manutenção do cadastro
profissional dos trabalhadores, como título de qualificação profissional, como documento indispensável à colocação e à inscrição
sindical e, finalmente, por servir de instrumento prático do contrato individual do trabalho, que a Comissão encontrou razões
bastantes para reputar uma instituição fundamental de proteção do trabalhador e não admitir fosse relegada à inoperância da
franquia liberal, tornando-a, então, obrigatória.
28. Em relação aos contratos de trabalho, cumpre esclarecer que a precedência das “normas” de tutela sobre os “contratos”
acentuou que a ordem institucional ou estatutária prevalece sobre a concepção contratualista.
29. A análise do conteúdo da nossa legislação social provava exuberantemente a primazia do caráter institucional sobre
o efeito do contrato, restrito este à objetivação do ajuste, à determinação do salário e à estipulação da natureza dos serviços
e isso mesmo dentro de standards e sob condições preestabelecidas na lei.
30. Ressaltar essa expressão peculiar constituiria certamente uma conformação com a realidade e com a filosofia do novo
Direito justificando-se assim a ênfase inicial atribuída à enumeração das normas de proteção ao trabalho, para somente em
seguida ser referido o contrato individual.
31. Nem há como contestar semelhante método, desde que o Direito Social é, por definição, um complexo de normas e
de instituições votadas à proteção do trabalho dependente na atividade privada.
32. Entre as inúmeras sugestões trazidas, uma houve que suscitou singular estranheza, dada a sua procedência de uma
entidade representativa de empregados.
33. Objetava contra a exclusão da permissão contida no inciso final do parágrafo único do art. 4º da Lei n. 264, de 5 de
outubro de 1936, e reclamava a sua incorporação à Consolidação.
34. Esse texto propositadamente omitido colidia rigorosamente com um dispositivo legal posterior — art. 12 do Decreto-lei
n. 2.308, de 13 de junho de 1942 — em que se anunciava uma regra irrecusável de proteção ao trabalhador.
35. Como se tolerar, efetivamente, que possa um empregado realizar os encargos de sua função, por mais rudimentar que
esta seja, durante oito horas sucessivas, sem um intervalo para repouso ou alimentação?
36. Talvez uma incompreensão tivesse surgido na consideração desse preceito legal vigente: há, na realidade, determinadas
funções de supervisão e de controle, tais como as exercidas por encarregados de estações ou usinas elétricas, cujo trabalho
é intermitente, não exigindo uma atenção constante e um esforço continuado, sendo benéfica, então, para esses empregados,
a exclusão da hora de repouso pela redução que se dá no tempo de permanência no serviço, facilitada, por outro lado, a orga-
nização das tabelas de rodízio dos ocupantes desses cargos pelas empresas.
37. Essa hipótese, constituindo tipicamente, o caso do trabalho descontínuo, segundo a conhecida definição de Barassi,
não se enquadra, entretanto, na determinação do citado art. 12 do Decreto-lei n. 2.308, que apenas abrange o “trabalho con-
tínuo”, conforme foi incluído à Consolidação no Capítulo “Da Duração do Trabalho”, parecendo, portanto, resolvida a dúvida.
38. O trabalho dos menores, entre catorze e dezoito anos, ou tem como finalidade a preparação dos mesmos para um
ofício, uma profissão, ou, então, constitui uma exploração e um aniquilamento da juventude.
39. Esse pensamento fez com que o Decreto- lei n.3.616, de 13 de setembro de 1941, salvo nos casos excepcionais de
força maior ou de interesse público, proibisse para os menores a prorrogação da duração normal de trabalho. Tal a fonte do
dispositivo idêntico que se encontra na Consolidação, sem incorrer em inovação.
CLT LTr Exposição dE Motivos
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40. Atentando, também, nos deveres impostos aos empregadores de menores, ver-se-á que são eles obrigados a permitir a
esses seus empregados a frequência às aulas, quer às de instrução primária, conforme sempre foi estabelecido, como também
às de formação profissional a cargo do Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários, de acordo com o estatuído pelo
Decreto-lei n. 4.481, de 16 de julho de 1942.
41. Acreditamos que não se levantará mais qualquer argumento contra a razoabilíssima disposição legal de proibição da
prorrogação do horário normal do trabalho dos menores, justificada não só por óbvias considerações biológicas de preservação
da saúde dos adolescentes, como também por motivos educacionais irrefutáveis.
42. A clara e total definição que do contrato individual do trabalho foi dada pelo anteprojeto da Consolidação, provocou
algumas divergências de mero gosto polêmico.
43. A emenda então apresentada não pôde ser aceita. Revelava, primeiramente, incompreensão do espírito institucional tantas
vezes salientado nesses empreendimentos. Repetia ainda um conceito prévio e básico já formulado, qual seja, o de empregado.
44. O que os objetantes não alcançaram foi o deliberado propósito de se reconhecer a correspondência e equivalência
entre a “relação de emprego” e o “contrato individual do trabalho”, para os efeitos da legislação social, correspondência essa
que a escola contratualista italiana nega, exigindo a expressa pactuação.
45. Na concepção do projeto, admitido, como fundamento de contrato, o acordo tácito, é lógico que a “relação de emprego”
constitui o ato jurídico suficiente para provocar a objetivação das medidas tutelares que se contêm no direito do trabalho em vigor.
46. O conceito firmado na Consolidação é tanto mais justo e relevante quanto é o que se evidencia em face de contratos
formalmente nulos ou substancialmente contrários à ordem pública dos preceitos da legislação de proteção ao trabalho.
47. Embora seja plenamente positivo o texto da Consolidação, diante de dúvidas, propostas, urge repetir que o projeto não
feriu nenhum direito, garantindo até simples expectativas de direito, uma vez que todos os empregados bancários admitidos
até a data da vigência do decreto-lei que aprovar a Consolidação terão assegurada a estabilidade em dois anos, nos termos
do art. 15 do mesmo Decreto n. 24.615, de 9 de julho de 1934.
48. O que não poderia ser admitido, em uma Consolidação que se propõe a sistematizar os princípios do nosso Direito
Social, era a persistência de um singular privilégio para uma categoria de trabalhadores, quando o prestígio das instituições
públicas exige exatamente uma igualdade de tratamento para situações sociais idênticas.
49. Fosse uma medida de proteção especial correlata de peculiares condições de trabalho, e não teria havido a menor dúvida
em se manter tal regime, conforme aliás procedeu a Comissão, conservando do estatuto profissional dos bancários todos os
preceitos que lhes fossem favoráveis e suprimindo os que não se equiparassem às disposições gerais de proteção à duração de
trabalho, tais como os que legitimavam a prorrogação a horas suplementares independentemente de pagamento extraordinário.
50. Houve, portanto, estrita justiça.
51. Conforme ficou esclarecido, inicialmente, a redação final que tenho a subida honra de apresentar a Vossa Excelência
foi precedida de um meticuloso exame de todas as sugestões apresentadas, não constituindo menor contribuição a que cada
um dos membros da Comissão procurou fazer, corrigindo e completando o anteprojeto.
52. Na revisão realizada, a Comissão assumiu uma posição censora de sua própria obra, promovendo consequentemente
o aprimoramento do respectivo teor.
53. Na introdução aperfeiçoou a redação dos artigos; inseriu a definição de empregador, que integra o conceito definitivo
da relação de emprego, acompanhando-a da noção legal de empregadora única dada pela Lei n. 435, de 17 de maio de 1937;
removeu, outrossim, para o Capítulo pertinente, a declaração da igualdade de salário por trabalho do mesmo valor sem distinção
de sexo. Foi, por outro lado, suprimida a afirmação concernente à proibição da renúncia de direitos, que entendeu a Comissão
ser elementar do princípio de ordem pública, mediante o qual são nulos os atos praticados no intuito de excluir a eficácia da
legislação social.
54. O Título das normas institucionais foi reconstituído em dois outros, para mais fácil apresentação dos preceitos nele
contidos.
55. O Capítulo sobre a identificação profissional e os registros de empregados foi melhorando na nomenclatura, na redação
e na disposição das Seções.
56. Sofreu alteração o texto que reproduziu o parágrafo único do art. 18 do Decreto n. 22.035, de 29 de outubro de 1932,
eliminando-se agora da carteira profissional a averbação de notas desabonadoras, as quais, somente, quando resultarem de
sentença transitada em julgado, serão inscritas no prontuário do portador da carteira.
57. Ligeiros retoques foram dados ao Capítulo sobre a duração geral do trabalho.
58. Considerou-se de justiça equiparar o regime de trabalho dos operadores das empresas de serviços telefônicos aos das
que exploram serviços de telegrafia, radiotelegrafia e radiotelefonia, cujas condições de fadiga são idênticas.
59. A duração do trabalho nos serviços ferroviários foi reexaminada de acordo com sugestões do Sindicato dos Emprega-
dos Ferroviários do Rio de Janeiro, e das empresas responsáveis por esses serviços, principalmente a Companhia Paulista de
Estradas de Ferro, cuja cooperação inteligente favoreceu a racionalização imprimida ao projeto, com a supressão, pela qual se
batia a Comissão, do confuso e prejudicial sistema de ciclos de 96 horas em 14 dias, com duração máxima diária de 16 horas,
do citado Decreto n. 279, de graves consequências para a saúde dos ferroviários.
60. As disposições destinadas à regulamentação das condições de trabalho nos serviços de estiva mereceram igual
reexame, atendidas, em harmonia, as sugestões da Comissão de Marinha Mercante, do Sindicato dos Estivadores do Rio de
Janeiro e do Sindicato dos Trabalhadores em Estiva de Minérios desta Capital.

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