Considerações sobre o sistema de telefonia americano e o brasileiro sob a ótica do direito antitruste

AutorÉrica Cristina Rocha Gorga
Páginas196-235

Page 196

"Transportation companies with ali the uses to which they may be applied in transporting goods, wares, merchandise and other kinds of property, and for furnishing suitable and proper accommodations, not to be surpassed, to any who desire to travei are no more convenient and indispensable to the commercial business of the world than those which furnish means for transmitting intelligence by electricity" (S. Walter Jones, A treatise on the law of telegraph and telephone companies, 1916).

I - Introdução

Presentemente, passa-se pela fase de mudanças operacionais ditas advindas da privatização e da consequente quebra do monopólio do sistema de telecomunicações do país. A partir de julho deste ano, os usuários dos serviços de telefonia devem optar pela operadora que completará a ligação interurbana, discando, para isso, além do código da cidade chamada, o número da operadora escolhida. Os consumidores terão duas alternativas para executar chamadas DDD, podendo assim decidir pela Embratel ou pela operadora regional específica de cada localidade.

Trata-se da inserção do sistema de concorrência na prestação de serviços telefóni-cos, que, até a privatização da Telebrás, no ano passado, era provido exclusivamente por empresas estatais. A continuidade da transição deverá se dar no final deste ano, quando deverão existir mais duas empresas para prestar o serviço de ligação interurbana, quais sejam, a Bonari (empresa-espelho da Embratel) e a empresa-espelho da operadora regional. O fomento da competição nos mercados de telecomunicações é o objetivo governamental assegurado por lei, a fim de que os consumidores sejam beneficiados com a diminuição de tarifas e o aumento da qualidade dos serviços, sem prejuízo da universalização e da continuidade da oferta.

É incontestável que tais mudanças no sistema de telecomunicações pátrio tiveram como origem e pano de fundo a evolução

Page 197

que tem ocorrido no mesmo setor em outras partes do mundo. Desse modo, assinala-se a precursora quebra do monopólio privado do Sistema Bell nos Estados Unidos; que revela considerações de extrema importância para o estudo da competitividade e da aplicação do direito antitruste.1 Neste país, o Telecommunications Act de 1996 visou implementar uma série de conciliações estruturais que possibilitem a promoção da concorrência na prestação dos serviços de telecomunicações, os quais foram longamente considerados como mercado de monopólio natural.

O próprio mentor do projeto da priva-tização em nosso país, o então Ministro das Telecomunicações Sérgio Motta, em entrevista em dezembro de 1996, fazia menção expressa às semelhanças do projeto nacional em relação às medidas norte-america-nas, que foram tidas como base de reflexão para a concepção do projeto de quebra do monopólio da Embratel.2

Portanto, tendo em vista as relevantes medidas que vêm sendo implementadas na política concorrencial do Brasil, o presente trabalho tem o escopo de debater questões suscitadas no bojo de tal processo.

Para isso, proceder-se-á, inicialmente, à análise das caracterísiticas de um monopólio natural. Em seguida, abordar-se-á

Page 198

as condições que ensejam a dissolução do monopólio do Sistema Bell, à luz do direito antitruste americano, fonte indispensável para a discussão do assunto. Passar-se-á ao estudo do caso brasileiro, investigando-se as causas políticas e estruturais da formação do monopólio da Telebrás e os fatores que ensejaram a sua quebra e, após, serão levantadas algumas das principais discussões jurídicas que estiveram (e ainda estão) presentes na condução do processo que longe está de terminado.

II - Monopólio natural: o problema da regulação

O monopólio natural consiste na situação de monopólio criada naturalmente, em decorrência das características do próprio meio, e não em razão de eventual comportamento dos agentes económicos direcio-nados a esse fim. Tal situação é verificada nos setores onde a competição é impossível, seja por fatores físicos, decorrentes da existência de fontes de insumo únicas ou em função de uma tecnologia protegida por patente ou segredo industrial; ou ainda por fatores económicos advindos de características inerentes a um setor específico da indústria, as quais tornam a competição ruinosa ou destrutivas.3

Os ganhos de economia de escala extremados são características de monopólios naturais. Havendo grande predominância dos custos fixos totais (parcela dos custos totais decorrentes dos gastos com fatores fixos de produção, independendo portanto da quantidade produzida) sobre os custos variáveis totais (parcela dos custos totais que variam de acordo com a quantidade de produção, significando a despesa com fatores variáveis de produção), cada quantidade produzida ensejará a diluição do custo fixo total, resultando em ganho de escala que será proporcional ao aumento da produção.4

Daí, retornos crescentes de escala (ocasionados devido à apropriação do custo fixo no longo prazo juntamente com a necessidade e utilidade5 contínuas do produto para o consumidor) aliados a altas barreiras à entrada de outros competidores potenciais no mercado, em razão de custos irrecuperáveis e disponibilização de grandes investimentos iniciais no processo produtivo, acabam por determinar a citada situação de monopólio natural.

Em tal ambiente, a produção de determinado bem ou o fornecimento de serviço específico por uma única firma minimizará os custos do processo produtivo. Assim, um agente económico poderá eventualmente suprir a demanda de todo o mercado ao expandir continuamente sua produção na medida em que tal conduta acarretará ganhos de escala crescentes. Porém, tendo conquistado mercado, a racionalidade monopolís-tica fatalmente levará o agente a praticar preços monopolistas.6

Discorrendo acerca da regulação em monopólios naturais, Viscusi, Vernon e Hárrington Jr. explicam que se o ambiente

Page 199

económico fosse estático, não sofrendo quaisquer mutações, a determinação de uma política regulatória por parte das autoridades governamentais seria fácil. Uma vez que fosse averiguada a existência de um monopólio natural em um dado mercado, as autoridades determinariam um preço social ótimo (the socially optimal price), requerendo que o agente monopolista atendesse toda a demanda existente a esse preço.7 Dessa forma, estando estabelecida a regulação, aos agentes reguladores caberia zelar pelo cumprimento da obrigação imposta ao monopolista.

Ocorre que a dinâmica é característica intrínseca de todo ambiente económico real. Assim sendo, sabe-se que a demanda oscila constantemente em razão de variáveis exógenas, como, p. ex., nas mudanças de preferência dos consumidores, alterações de renda no ambiente mercadológico, ou descoberta de novas tecnologias.

Por isso, a política governamental regulatória deverá adaptar-se de acordo com as mudanças de mercado, já que condições de demanda e de custos podem se alterar até o ponto em que a indústria não seja mais passível de ser considerada como monopólio natural.

Nos EUA, conglomerados privados como a Consolidated Edison, a AT&T (American Telephone and Telegraph Com-pany) e El Paso Natural Gas, eram considerados monopólios naturais típicos. Tais empresas são controladas por agências regulatórias que operam nos níveis locais e estaduais, devendo aprovar os preços praticados pelos monopolistas, impondo parâmetros a partir da estimativa dos custos e retornos da atividade produtiva para a pro-teção dos interesses dos consumidores finais.

Sucede que, conforme observado no gráfico, em um monopólio natural,8 o monopolista alcança uma quantidade eficiente de produção ("yCmg") ou ótimo de Pareto,9 quando o preço se iguala ao seu custo marginal. Entretanto, a esse nível de preços o monopolista não consegue cobrir seus custos, já que o preço pelo qual venderá é menor que seu custo médio, incorrendo em prejuízo.10

[VER PDF ADJUNTO]

Page 200

Em outras palavras, a questão fundamental, segundo Varian, está na contraposição do tamanho da "escala mínima de eficiência" - que significa o nível de produção capaz de minimizar o custo médio da empresa - com relação ao tamanho da demanda existente para o mercado. Pode-se dizer que com a diminuição do valor que representa a escala mínima de eficiência, haverá condições crescentes para a entrada de competidores potenciais no mercado. Assim, se a escala mínima de produção eficiente for pequena em relação ao tamanho da demanda (se "y" se deslocar considera-velmente à esquerda em razão de mudanças na curva de custo médio) existe a preponderância de condições competitivas no mercado. Os monopólios surgem porque a escala mínima de eficiência é relativamente grande frente ao tamanho do mercado.11

Por outro lado, se produzir a quantidade necessária para que o preço se iguale ao custo médio ("yCme"), diminuindo então a produção, o monopolista cobrirá seus custos mas estará produzindo numa escala que provocará uma ineficiência de Pareto, uma vez que para a receita marginal corresponder ao custo médio a produção será inferior à demanda efetiva do mercado.12

Os órgãos reguladores utilizam, em grande parte, uma fórmula semelhante à descrita abaixo, a fim de se chegar ao preço que deveria ser cobrado pelo monopolista:13

[VER PDF ADJUNTO]

onde CVMe é o custo variável médio, Q é a quantidade produzida, s é a taxa de retorno permitida, D é a depreciação, Té o imposto e K é o estoque de moeda da empresai A grande discussão gira em torno da variável s, pois a sua determinação envolve conceitos subjetivos ácrazoabilidadee...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT