Considerações Políticas sobre a Vedação Legal da Liberdade Provisória: Tensões e Consensos no Julgamento do Habeas Corpus 104.339 e o Contexto da Lei 12.403/2011

AutorOtávio Dias de Souza Ferreira
CargoDoutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP)
Páginas86-113
Considerações Políticas sobre a
Vedação Legal da Liberdade Provisória:
Tensões e Consensos no Julgamento do
Habeas Corpus 104.339 e o Contexto
Political Considerations on the Legal Prohibition of the
Provisional Freedom Benet: Tensions and Consensus in the
Trial of Habeas Corpus 104.339 and the Context
of the Law 12.403/2011
Otávio Dias de Souza Ferreira*
Universidade de São Paulo, São Paulo – SP, Brasil
1. Introdução
Em cinco oportunidades recentes, entre 1990 e 2006, o Congresso Na-
cional aprovou Leis Federais dispondo sobre a vedação da concessão do
benefício de liberdade provisória para acusados pela prática de diversas
modalidades de delitos. Tudo ocorreu durante um período de grande ex-
pansão da legislação penal e da população prisional no Brasil1. Ao longo
desses anos também se constatou uma elevação do número de privação da
liberdade sumária de pessoas acusadas pela prática de crimes, ainda sem
condenação – os chamados presos provisórios. Em 2011, o número total
de presos provisórios no país chegou a 222.749, de um total de 513.802,
resultando no percentual de 43%2.
* Doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP), mestre em Ciências Sociais na
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), ambos f‌inanciados pela CAPES, bacharel em Direito e
Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro do Núcleo Direito e Democracia do
CEBRAP. E-mail: otaviodsferreira@usp.br.
1 CAMPOS, 2010.
2 INSTITUTO SOU DA PAZ, 2012.
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Desde o início da vigência, cada um desses dispositivos legais que vedava
a liberdade provisória encontrou resistências no Judiciário, sobretudo
nas suas instâncias mais altas. Muitos pedidos de liberdade chegaram ao
Supremo Tribunal Federal (STF) e por vezes eles foram concedidos à revelia
da determinação legal. Aos poucos foi amadurecendo na mais elevada Corte
a discussão sobre a constitucionalidade de uma proibição dessa natureza.
Será objeto central de interesse desse artigo o julgamento de 10.05.2012,
no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), do habeas corpus (HC)
registrado sob o n. 104.339, que versou sobre a constitucionalidade de
dispositivo da nova “Lei de Drogas”, que vedava a concessão de liberdade
provisória para acusados por algumas condutas ligadas ao tráf‌ico de subs-
tâncias psicoativas ilícitas. Por ser a decisão paradigmática mais recente
sobre tal celeuma e pela grande quantidade de pessoas privadas da liber-
dade acusadas por delitos previstos nessa legislação penal, o estudo desse
julgamento ganha relevância especial. A análise da decisão, contudo, não
pode deixar de considerar a concepção e os conteúdos trazidos no âmbito
da Lei Federal n. 12.403/2011, que trata da nova sistemática processual
das medidas cautelares penais.
A estrutura do artigo conta com quatro partes, além desta introdução
e das considerações f‌inais. Primeiramente, fazemos uma breve reconsti-
tuição histórica da celeuma sobre a vedação legal da liberdade provisória,
desde o momento da Constituição Federal de 1988, passando pela edição e
questionamento de cada diploma legal até o HC 104.339. O momento se-
guinte vamos atentar para o contexto legal introduzido no âmbito da refor-
ma das medidas cautelares, na Lei n. 12.403/2011, estabelecendo relações
com a temática. Em seguida, nas duas partes f‌inais do artigo, para além da
preocupação técnico-jurídica sobre o mérito do litígio, o presente estudo
vai atentar para aspectos políticos da decisão do STF de maio de 2012. Pre-
tende-se observar o julgamento nos seus aspectos mais atinentes ao pro-
cesso democrático, ao contexto histórico, aos seus discursos e mensagens
voltados para atores internos e externos ao Judiciário. Interessarão os as-
pectos deliberativos do momento de julgamento do habeas corpus referido
– a “fase decisional”3 –, atentando para sinais de exercício do potencial da
3 Mendes (2012), em seu estudo sobre a performance deliberativa de Cortes Constitucionais, distinguiu
três fases deliberativas: a pré-decisional, a decisional e a pós-decisional. No presente estudo vai interessar
apenas a decisional.
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Consensos no Julgamento do Habeas Corpus 104.339 e o Contexto da Lei 12.403/2011
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