O consentimento da família como condição limitadora da autonomia do doador no transplante post mortem

AutorAna Thereza Meirelles - Lara Fernanda Souza Magalhães
CargoDoutora em Relações Sociais e Novos Direitos pela Universidade Federal da Bahia. Professora da Universidade do Estado da Bahia, Faculdade Baiana de Direito e Universidade Católica do Salvador. Contato: anatherezameirelles@gmail.com - Graduada em Direito pela Faculdade Baiana de Direito. Contato: lara_magalhaes33@hotmail.com
Páginas27-48
* Doutora em Relações Sociais e Novos Direitos pela Universidade Federal da Bahia. Professora da
Universidade do Estado da Bahia, Faculdade Baiana de Direito e Universidade Católica do Salvador. Contato:
ana therezameirelles@gmail.com
** Graduada em Direito pela Faculdade Baiana de Direito. Contato: la ra_magalha es33@hotmail.com
O CONSENTIMENTO DA FAMÍLIA COMO CONDIÇÃO
LIMITADORA DA AUTONOMIA DO DOADOR NO TRANSPLANTE
POST MORTEM
THE FAMILY’S CONSENT AS A LIMITING CONDITION TO THE DONOR’S
AUTONOMY IN POST MORTEM ORGAN TRANSPLANTATION
Ana Thereza Meirelles *
Lara Fernanda Souza Magalhães **
RESUMO
No Brasil, grande discrepância entre a demanda e o número de transplantes realizados. Um dos
fatores limitantes para a execução desse procedimento consiste na legislação brasileira, uma vez que
restringe a autonomia do sujeito ao dificultar o livre exercício da sua vontade quanto ao destino dos
seus órgãos. Busca-se, no decorrer do desenvolvimento do trabalho, discutir acerca da legitimidade da
restrição pelo ordenamento jurídico à autonomia do doador na transplantação post mortem. O estudo
baseou-se em revisões bibliográficas, além da análise da legislação vigente, à luz do recente decreto nº
1.975/17 que regulamenta a lei de transplantes nº 9.434/97. Concluiu-se que a necessidade do
consentimento familiar, prevista pela legislação para o transplante post mortem, representa uma
afronta à autonomia do indivíduo, já que desconsidera sua vontade manifestada em vida.
Palavras-chave: Transplante de Órgãos. Autonomia. Consentimento da Família. Doador. Dignidade
Humana.
ABSTRACT
In Brazil there is a big discrepancy between the demand and the effective number of transplants. One
of the main limitations for transplants is the Brazilian legislation, in the means that it restricts the
donor’s autonomy by hindering the fulfillment of his wishes concerning the destination of his organs.
This work aims to discuss the legitimacy of the restriction in autonomy imposed by the law to post
mortem organ transplantation. This study consists in a bibliographic review, in addition to an analysis
of current legislation, including the law decree number 1.975/17 that regulates the law number
9.434/97. It was concluded that the necessity for family’s consent, provided by law for post mortem
transplantation, represents a setback to the donor’s autonomy, whereas his own wish is disregarded.
Keywords: Organ Transplantation. Autonomy. Family’s Consent. Donor. Human Dignity.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO; 2 O TRANSPLANTE DE ORGÃOS POST MORTEM; 3 O
SISTEMA DE DOAÇÃO PRESUMIDA E A IRRELEVÂNCIA DO
28 | O Consentimento da Família como Condição Limitadora da Autonomia do Doador...
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, V. II, Nº 01, p. 27 a 48, jan-jun, 2018 | ISSN 2595-0614
CONSENTIMENTO FAMILIAR; 4 A SELEÇÃO DE DOADORES E O SISTEMA DE
LISTA ÚNICA; 4.1 O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE LISTA ÚNICA; 4.2 AS
POSSÍVEIS FRAUDES RELACIONADAS AO SISTEMA; 4.3 A RECUSA FAMILIAR
COMO IMPEDIMENTO NA PRÁTICA DOS TRANSPLANTES; 5 CONCLUSÃO;
REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
Vive-se em um período de pós-modernidade, no qual é possível perceber a
desconstrução dos valores estabelecidos para a fixação de novos preceitos, tendo como foco o
homem e a sua dignidade humana. Dentre os inúmeros avanços sentidos pela sociedade,
destaca-se o progresso das técnicas cirúrgicas e da imunologia, uma vez que trouxe consigo a
possibilidade da substituição de partes do corpo, visando ao prolongamento da vida do ser
humano.
A prática dos transplantes de orgãos e tecidos está diretamente relacionada ao
exercício da autonomia do sujeito do doador. A intervenção do Direito na conformação ao
exercício da autonomia do doador torna-se complexa, já que uma limitação excessiva vai
afetar a liberdade de escolha do doador acerca do destino de seu próprio corpo.
As leis nº 9.434/97, nº 10.211/2001 e, mais recentemente, o decreto n° 9.175/2017
são as principais normas jurídicas que regulamentam o instituto do transplante de órgãos no
Brasil. São esses textos normativos que determinam a estrutura do Sistema de Lista Única e
estabelecem os critérios a serem atendidos para a prática dessa intervenção cirúrgica. Alguns
pontos desses dispositivos legais são objetos de controvérsias no âmbito ético-jurídico, vez
que afrontam a liberdade do indivíduo sobre o seu próprio corpo.
O objetivo desta pesquisa é discutir a imposição do consentimento familiar como
uma limitação à autonomia do doador no transplante post mortem, avaliando a sua medida de
legitimidade enquanto condição normativa trabalhada, recentemente, também pelo Decreto
9.175/2017.
Dessa forma, a construção deste trabalho acadêmico partiu de um levantamento
bibliográfico, concernente à doutrina, legislação e jurisprudência, acentuando-se o exame de
artigos das áreas jurídica e médica, em prol da contemplação da conexão de fundamentos de
natureza multidisciplinar, a partir do uso da perspectiva analítica-discursiva.
O presente estudo tem como prerrogativa a discussão acerca do quanto disposto
na legislação brasileira sobre a autonomia do doador, buscando elucidar os principais pontos
controversos existentes na atualidade, a fim de promover uma adequação das normas vigentes

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