Conselhos tutelares como agentes de erradicação do trabalho precoce

Autor1. André Viana Custódio - 2. Ismael Francisco de Souz
Cargo1. Doutor em Direito - Professor no Departamento de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense - Presidente do Conselho Científico da Revista Amicus Curiae - 2. Graduado em Direito - Pesquisador do Núcleo de Estudos em Estado, Política e Direito
1. Aspectos históricos do trabalho precoce no Brasil

A exploração precoce do trabalho no Brasil consiste em um fenômeno histórico apresentando registros desde a invasão portuguesa no século XVI, quando crianças eram exploradas nas embarcações como pagens e grumetes. (DEL PRIORE, 1999, p. 19). A partir da independência do Brasil as crianças passaram a ter sua mão-de-obra utilizada em pequenos serviços domésticos, na agricultura, especialmente em regime de escravidão (FREITAS, 1999, p. 12). O processo de desenvolvimento capitalista, no século XIX, hipócrita e sordidamente, com o suor, o sangue, a saúde e morte de milhares de crianças e adolescentes (Oliveira 1994, p.24).

No final do século XIX, juristas, médicos e outros setores representativos das elites republicanas, articulados no movimento higienista, legitimavam o trabalho precoce como estratégia para institucionalização das crianças e dos adolescentes visando combater a ociosidade e a criminalidade (RIZZINI, 1996, p. 30). Com o desenvolvimento industrial brasileiro, especialmente a partir da década de 1930, o trabalho precoce passou a ser utilizado também nas fábricas que vinham sendo instaladas no país.

As ações voltadas à inserção de crianças e adolescentes no mundo do trabalho foram incrementadas a partir da década de 1960 com a redução da idade mínima para o trabalho como forma de legitimação das condições de exploração, momento no qual o trabalho infanto-juvenil representava o ideal de progresso econômico, a garantia de segurança e o deslocamento da responsabilidade de manutenção da família empobrecida para as crianças e os adolescentes (CUSTÓDIO, 2002, p. 50).

Foi somente a partir da década de 1980 que os estudiosos do tema e os próprios movimentos sociais organizados começaram a centralizar uma preocupação maior em torno da exploração do trabalho precoce no Brasil ao perceberem as gravosas conseqüências geradas ao longo da história brasileira. (VERONESE, 1997, p. 30).

Diante deste contexto, os movimentos sociais empreendidos no decorrer da década de 1980, passaram exigir uma série de mudanças políticas e jurídicas no sistema de atenção às crianças e aos adolescentes brasileiros. Estas propostas foram incorporadas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 227, que trouxe mudanças fundamentais como: 1) o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos,2) o estabelecimento do princípio da prioridade absoluta na execução de políticas sociais públicas voltadas ao atendimento da criança e do adolescente, 3) a garantia em manter todas as crianças e adolescentes a salvos de toda forma de negligência, violência, crueldade, opressão e exploração atribuindo responsabilidades compartilhadas entre a família, a sociedade e o Estado para a garantia e a efetividade dos direitos conferidos.

Em 1990, a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente possibilitou o disciplinamento dos direitos fundamentais conferidos na Constituição e implantou o sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente promovendo mudanças estruturais ao determinar: 1) a criação de Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, nos três níveis, sendo paritários com a representação das organizações governamentais e não governamentais com a atribuição de formular, executar e acompanhar as políticas públicas de direitos da criança e do adolescente, 2) a criação dos Conselhos Tutelares dos Direitos da Criança e do Adolescente como órgãos autônomos, representativos da sociedade civil, responsável por zelar pela garantia dos direitos da criança e do adolescente. Ainda, merecem destaque as alterações profundas no sistema de justiça e de proteção aos direitos infantojuvenis.

2. Conceito de trabalho precoce

O conceito de trabalho precoce envolve todas as atividades laborais proibidas à criança e ao adolescente. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1998, em seu art. 7º, inciso XXXIII, dispõe: "a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos."

A lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seus artigos 60 a 69, do direito a profissionalização e a proteção no trabalho. Destaca-se, o art. 67, que determina:

Art. 67 - Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado o trabalho: I – noturno, realizado entre as 22 (vinte e duas) horas de um dia e às 5 (cinco) horas do dia seguinte; II – perigoso, insalubre ou penoso; III – realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; IV – realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.

Como pode ser observado, o conceito de trabalho precoce envolve a proibição de trabalhos perigosos, insalubres, penosos, noturnos, prejudiciais à moralidade, realizados em horários e locais que prejudique a freqüência à escola, bem como todos os demais trabalhos prejudiciais ao desenvolvimento físico e psicológico da criança e do adolescente, ou seja, a todos aqueles que tenham idades inferiores ao limite de 18 anos. Nesse sentido pode-se afirmar que

A adoção dos princípios protetivos presentes no Estatuto da Criança e Adolescente, trouxe uma nova visão, garantindo direitos ao livre e pleno desenvolvimento físico e psíquico, exercitando em toda a sua plenitude a convivência familiar e comunitária livre da mais absoluta exploração. (CUSTÓDIO, 2002)

Trata-se da ampliação do conceito de trabalho precoce que não se reduz apenas aos limites de idade mínima para o trabalho, mas envolve a proteção integral contra todas as formas de violação ao desenvolvimento físico, psicológico, moral e social das crianças e dos adolescentes.

3. Causas e conseqüências do trabalho precoce

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) existem atualmente 250 milhões de crianças e adolescentes trabalhando em todo o mundo. A Pesquisa Nacional por Amostra e Domicílio (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2002, verificou que no Brasil, existem cerca de 5,4 milhões de crianças e adolescentes trabalhadores, sendo que 49,5% não recebem qualquer tipo de remuneração pelos trabalhos realizados.

O fenômeno trabalho precoce ocorre pela forte tradição cultural, quanto ao uso do trabalho...

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