A mediação de conflitos: um novo paradigma ou mais do mesmo? desafios e perspectivas

AutorGiselle Fernandes Corrêa da Cruz
Ocupação do AutorMestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Formação em Mediação de Conflitos pelo Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil - IMAB/SP
Páginas321-330

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1. Introdução

Os métodos alternativos de solução de conflitos têm sido incorporados gradativamente nos últimos anos no Brasil como práticas para a administração e solução de controvérsias. São diversas as experiências que envolvem a utilização de tais métodos, seja no âmbito do judiciário, em órgãos do poder público, instituições privadas, ambientes corporativos, instituições de ensino ou mesmo em contextos comunitários.

A mediação de conflitos é um desses métodos e sua aplicação e estudo tem demandado especial atenção e interesse nos últimos anos. Ao refletirmos sobre o tema nos deparamos com um grande desafio: o de absorver em nossa cultura a opção da utilização de um método alternativo ao que está preconizado no sistema de justiça vigente. O desafio se manifesta diante da necessária introdução de novos princípios e paradigmas utilizados na tarefa da solução de conflitos, tanto em relação à atuação do poder judiciário quanto em relação a outros espaços em que os conflitos naturalmente emergem e podem ser solucionados.

A proposta do presente artigo é de reunirmos na visão de vários autores especialistas no tema, aspectos da Mediação de Conflitos quanto ao seu conceito, o contexto de sua aplicação na cultura adversarial, seus princípios, elementos e principais diferenças em relação à conciliação. Trazemos também algumas considerações sobre sua aplicação na Justiça do Trabalho. Por fim, alguns aspectos previstos no Projeto de Lei que propõe a regulamentação da mediação judicial e extrajudicial no Brasil.

2. Mediação: origens e conceito

Segundo registros históricos, a mediação já existe há muito tempo, desde quando se pratica a intervenção de uma terceira parte nos conflitos de outrem. Dan1 relata a utilização da mediação na China, na dinastia Zhou de Oeste, há cerca de 3.000 anos, quando foram instituídos postos oficiais designados como Tiao Rien (mediador), especializados no acalmamento de conflitos de pequenas causas. Na história da colonização e ocupação dos Estados Unidos, há registros da preferência dos indígenas nativos e posteriormente de outros povos não-ingleses que povoaram partes do país, pela utilização de media-dores por eles mesmos constituídos, para a resolução dos conflitos internos aos grupos, em oposição à utilização do sistema de justiça institucionalizado na então colônia inglesa.

Mas é claro que se a intervenção de terceiros para o tratamento de conflitos se pratica há muito, não se trata da Mediação tal como tendemos a

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defini-la desde fins do século XX. De fato podemos identificar no decurso da história procedimentos semelhantes ao dos mediadores, referindo-se a uma concepção de branda justiça, seja à tomada de decisão arbitral à maneira do rei São Luís ou do rei Salomão, à conciliação, ou à negociação.

Apesar de sua utilização há séculos na história da humanidade, conceituar mediação não é tarefa simples. Na realidade, o termo mediação é utilizado para referir-se a atividades de diversas naturezas e em diferentes áreas do conhecimento. O autor Jean-François Six2 faz reflexões sobre o uso indiscriminado do termo mediação que atualmente pode ser utilizado com vários significados, tornando-se assim um quarto de despejo no qual cabem várias atividades denominadas mediação.

Faz-se então necessário distinguir a expressão mediação, utilizada para designar atividades diversas em vários campos de atuação e conhecimento da expressão mediação de conflitos enquanto método voltado para solução de conflitos de interesses.

John Haynes3, ao discorrer sobre o conceito, afirma que mediação é um processo em virtude do qual um terceiro, o mediador, ajuda os participantes na resolução de uma situação conflitiva. Esta resolução se expressa em um acordo consistente em uma solução mutuamente aceitável e estruturada de maneira que permita, se necessário, a continuidade das relações entre as pessoas que estão envolvidas no conflito.

Susana Figueiredo Bandeira4 propõe um conceito que congrega vários elementos que caracterizam a mediação de conflitos. Ao conceituar a mediação como uma modalidade extrajudicial de resolução de litígios, de natureza privada, informal, confidencial, não adversarial, voluntária e de natureza não contenciosa, a autora situa alguns dos princípios da mediação. Ela afirma ainda que as partes participam ativa e diretamente, mas auxiliadas por um mediador, que apenas assume o encargo de aproximá-las, de ajudá-las a encontrar, por si próprias, uma solução negociada e amigável para o conflito que entre elas emergiu. A autora sustenta a realidade multidisciplinar da mediação ao afirmar que o método reúne em seus princípios conhecimentos de vários níveis, de Direito, Psicologia, Sociologia, tendo como pano de fundo todas as ciências sociais e humanas. Por isso mesmo seria a mediação tão rica e eficaz na solução de litígios e, por causa disso, já acolhida por inúmeros ordenamentos jurídicos.

Como visto, a mediação distancia-se do modelo paternalista de resolução de conflitos que fomenta a ideia de que um terceiro com maior conhecimento ou poder solucione desavenças entre os que nelas estão envolvidos. Quanto à sua utilização, a mediação está menos voltada para a aparente urgência das questões materiais e mais atenta para a análise global dos desentendimentos, construindo um espectro mais abrangente de atuação.

Quanto à função de pacificação social proposta pela mediação, pode-se dizer que ela reside no restauro da relação social e na desconstrução do conflito entre os litigantes. Tal atuação lhe confere caráter preventivo e de amplo alcance social. A mediação vem sendo considerada o método de eleição mais apropriado para desacordos entre pessoas cuja relação vai perdurar no tempo, como os vínculos de parentesco, trabalho, vizinhança ou parcerias.

3. Mediação de conflitos e cultura adversarial

A cultura adversarial também pode ser chamada de cultura do litígio, competição ou do enfrentamento, e se refere aos princípios e formas de abordagens que utilizamos para o tratamento dos conflitos inerentes às nossas relações sociais. Tais valores dizem respeito à forma como lidamos com os conflitos tanto no nível intersubjetivo, perpassando também pela forma de estruturação dos métodos disponibilizados e princípios que norteiam a atuação do sistema judiciário e dos órgãos que atuam na resolução de conflitos.

O quadro a seguir sintetiza uma comparação entre a proposta da mediação de conflitos e as características do sistema judiciário brasileiro no tratamento dos mesmos. Tais informações se baseiam na palestra proferida pela então Ministra do STJ, Fátima Nancy Andrighi, na abertura do I Congresso Brasileiro de Mediação Judicial, realizado em março de 2008 em Brasília.

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Judicialização do conflito
É um procedimento, uma técnica, porém flexível, moldável de acordo com a participação das pessoas. Exige processo válido, concatenado, técnico e formal.
Evidencia as pessoas que estão em conflito. Foco em causas
É órgão jurisdicional, diz a justiça.
Perspectiva no futuro. Reconstrução da relação com base no que vivenciam no presente com vistas de sua conti- nuação. Trabalha com fatos passados.
Valoriza e proporciona a comunicação e o diálogo entre os envolvidos. Os procuradores dizem pelas partes.
Fortalece e restaura relações. O processo separa, polariza as pessoas.
Pacificadora. Litigiosa.
Solução construída pelos envolvidos. A sentença sempre corta a carne viva.

Como visto acima, a proposta da mediação enquanto alternativa para a solução de conflitos, baseia-se em novos paradigmas que contrapõem os da cultura litigiosa consagrada pelo Judiciário.

Alguns autores fazem distinções entre três formas principais de resolver impasses: a competição, a concessão e a colaboração. Pela competição, nos mantemos tão assertivos em busca de satisfação pessoal que desconsideramos necessidades, pontos de vista e interesses do outro. Fazemos o oposto na concessão: atendemos aos interesses e necessidades do outro mais que aos nossos, cedendo e concedendo. Pela colaboração, mantemos a assertividade em relação aos nossos interesses e necessidades e fazemos o mesmo em direção aos interesses e necessidades do outro, na intenção de atendê-los. A colaboração é a postura de atuação solicitada na mediação.

As ideias cartesianas de correto e incorreto, autor e réu, fomentadoras de uma postura adversarial e punitiva contrastam com as ações colaborativas regidas pela coresponsabilidade no trato cuidadoso de fatos futuros e fomentadoras da pacificação social.

4. Princípios da mediação de conflitos

A mediação de conflitos apresenta alguns princípios que funcionam como uma espécie de moldura para a aplicação da técnica. A flexibilidade do procedimento da mediação permite que sua aplicação contemple as especificidades dos contextos e demandas onde é proposta sua utilização. Admite assim cores diferenciadas nas telas de acordo com cada contexto. Porém, as medidas da moldura, ou seja, os princípios, devem ser sempre observados e tomados como bases...

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