Conferência: pacto federativo e tributação

AutorProf. José Souto Maior Borges
Páginas11-18

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[Texto sem Revisão do Autor] Exmo. Sr. Professor Paulo de Barros Carvalho, que preside esta sessão - e cujo título, dentre os tantos títulos, os mais relevantes, que ele ostenta, que mais me emociona é uma amizade inabalada, de muitos anos. Na pessoa de Paulo, eu saúdo, com a informalidade que costumo imprimir aos meus pronunciamentos, às demais pessoas que me honram com sua presença nesta oportunidade, aos demais membros da Mesa e aos membros do Congresso, Sras. e Srs. aqui presentes.

Quando recebi, numa espécie de conspiração de amizade - eu estava falando com o Paulo exatamente a respeito disso - o convite alvo e abrupto para vir aqui, falar na solenidade de abertura deste Congresso, fiquei entre um misto de surpreso e, ao mesmo tempo, envaidecido pela honra que me foi conferida.

Dizia um dos grandes poetas que já habitaram esta Terra, Hölderlin, que jamais perde seu lugar, dele jamais se distancia, quem habita as proximidades da origem - e na minha origem profissional estão a Pontifícia Universidade Católica e seus professores, com quem tive a honra de iniciar os primeiros passos, numa convivência que o tempo só foi sedimentando, cada vez mais. Portanto, é uma espécie de retorno ao tempo perdido.

Relembro que certa ocasião fiz uma exposição aqui, neste Congresso, sobre tema análogo ao que agora vou enfrentar.

Não exatamente igual, mas igualmente revestido de dignidade institucional: o papel da isonomia e o elenco dos direitos e garantias individuais. Costumo dizer que não há desafio maior que enfrentar um velho tema sob perspectiva nova. E para essa abordagem heterodoxa - como devem ser todas as abordagens teóricas - nós estamos todos convocados, pelo simples fato de militarmos, como cidadãos brasileiros, na área do direito tributário. E fora dela, e fora do Brasil, as pessoas que nos honram também com sua presença, como é o caso do Prof. Gregorio Robles, com cuja obra eu pude ter uma convivência bastante detida e que muito me ajudou na elaboração do meu Curso de Direito Comunitário.

Tema velho, já explorado, o esforço é enfrentá-lo sob uma perspectiva nova. E pretendo fazê-lo reconhecendo minhas deficiências. Porém, como dizia Gastón Bachelard, um dos maiores epistemólogos da atualidade, na vida do espírito a ousadia é um método. A gente tem que ousar coisas grandiosas. É muito mais importante a pessoa aprender com o erro, conviver com ele, para só daí ter uma maior aproximação de verdade, e muito mais relevante um erro em profundidade que um acerto em super-fície. A Ciência não se nutre de verdades superficiais, a Ciência não se nutre sequer de saberes acumulativos. Porque uma hipótese teórica inovadora não se agrega, por assim dizer, numa mera soma às teorias que ela

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teve que modificar ou alterar. Pelo contrário, a hipótese, se ela traz alguma coisa de novo, ela consegue explicar tudo o que a hipótese substituída conseguia explicar, sem que seja maior seu conteúdo de erro. Portanto, seu conteúdo de explicação é maior, e nisso consiste a chamada "seleção darwiniana de teorias" - com a licença dessa linguagem metafórica.

Muito bem. Falava eu que o difícil não é enfrentar um tema novo sob uma perspectiva de profundidade. É difícil, mas o mais difícil, o que é mais grandioso, é enfrentar um tema velho sob uma perspectiva nova. E pensem os Srs. e Sras. no seguinte: o que pode haver de mais grandioso e de mais antigo, o que está nas nossas origens de civilização ocidental, do que, por exemplo, a obra de Aristóteles? Aristóteles dedica vários temas, vários tópicos, de sua obra sobre a Metafísica ao problema dos princípios, esse mesmo problema que nós enfrentamos aqui, quando queremos fazer a distinção entre princípio e norma. E mostrar o papel proeminente dos princípios na estrutura escalonada do ordenamento jurídico. Aristóteles já falava nisso, dedicava páginas e páginas do seu estudo à causa que ele chama causa finalis, a causa material, e aos princípios. Isso já estava na Velha Grécia.

Então, vejam vocês, uma advertência me cabe fazer. É mais difícil a gente abandonar nossos conceitos que nossos preconceitos. Nós somos educados para brilhar no palco do mundo, e um agravo a uma teoria de nossa responsabilidade, nossa autoria, muitas vezes é recebido como um agravo pessoal - quando o correto seria conviver com o erro, porque o erro é uma contingência biológica inevitável do conhecimento humano. Não existe saber perfeito e acabado. Em Ciência - disse-o, numa certa ocasião -, só o provisório é definitivo. E isso poderia ser usado como aforismo para orientar minha exposição. Ao lado de outro que, já que vou versar sobre princípios, teria toda a pertinência na hipótese em apreço, e que é o seguinte: deve-se a Heidegger uma lição de ordem, eu diria, epistemológica, fundamental. Ele nos ensinou que, quando se está diante do que um pensador pensou, nosso dever não é simplesmente reproduzir aquilo que foi pensado, mesmo que com a maior fidelidade, porque, na realidade, isso envolveria um fenômeno que chamei de "satelitização da inteligência", a repetição de saberes incorporados por via alheia. Nietzsche, que foi talvez o maior Mestre de aforismos que o mundo conheceu, tem um que, certamente, nos ajudaria na nossa caminhada presente. Ele dizia: "Se queres seguir-me, não me sigas". Isso é um elogio, uma apologia da heterodoxia do pensamento, a rebeldia intelectual, sem a qual não é possível o progresso da Ciência.

Vamos, então, tentar aplicar a lição heideggeriana para uma hipótese que terá, seguramente, repercussões no campo do direito tributário. Tudo é um, como dizia o pré-socrático, não é? A lição é a seguinte: é preciso também - a gente está como que desbastando o terreno - abandonar o preconceito cronólatra. Isso é uma lição que eu aprendi não foi com jurista, não. Foi com Giacomo [truncado na gravação]. O antigo, necessariamente, não é inferior ao presente. Pelo contrário, em muitos casos o que há de grandioso está na origem, mesmo. O que começa grandioso na origem se desdobra grandiosamente.

Então, meus caros Amigos, nós temos por dever exercitar uma saudável rebeldia intelectual. Isso não tem que ver absolutamente com agravo à figura de nenhum estudioso, porque é no mundo do espírito, no mundo impessoal, aquele mundo que Platão descobriu, que é o mundo das ideias. E a doutrina de direito tributário é infiuenciada por ideias e pela coerência entre ideias preestabelecidas.

Vejam vocês, abandonar o preconceito cronólatra. Na primeira metade do século passado, um grande jurista - todos os brasileiros conhecem, foi Francisco Campos - escreveu um trabalho, entre muitos trabalhos notáveis de sua autoria,

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versando sobre o princípio da isonomia, em que ele dizia, naquele tempo, diante da Constituição de 1946...

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