Condutas vedadas aos agentes públicos pela Lei no 9.504/97

AutorDaniel Castro Gomes da Costa - Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Páginas283-309

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1. Definição de Agente Público

O direito é o instrumento de pacificação social que busca solucionar os conflitos que lhe são postos, através dos institutos por ele criados e reconhecidos, sempre tentando acompanhar o desenvolvimento do homem e suas relações, que são cada vez mais profundas e variam em diferentes aspectos (relações familiares, mercantis, bancárias, políticas, etc.).

Tal acompanhamento se dá através do processo legislativo, conjunto de atos do Poder Legislativo, previsto constitucionalmente, para instituir as normas de conduta de caráter imperativo, pois é pela edição das leis que os detentores do poder soberano se expressam, é através das leis que o povo demonstra seus anseios, é através das leis que a sociedade se organiza e traça os caminhos pelos quais perlustrará em busca do bem comum, tido como o arcabouço das condições favoráveis ao exercício da dignidade da pessoa humana, princípio que permeia todo o ordenamento jurídico e que orienta a edição das leis, com um mínimo do que ao homem será assegurado para sua coexistência digna.

Juntamente com a abundância de leis que dispõe o sistema jurídico-normativo, há a ausência de exatidão na ciência do direito, eis que se trata de uma ciência humana, o que impossibilita a formulação de teoremas ou quaisquer fórmulas que culminarão numa resposta pronta, em uma solução certa e imediata para qualquer problema que for apresentado.

Os juízos de valor inerentes ao direito implicam uma meditação profícua sobre uma série de possibilidades e entendimentos acerca de um mesmo assunto, sobre os quais se assentam premissas diversas, das quais o intérprete pinçará a que validamente lhe permita a aplicação ao caso concreto.

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Além disso, o vernáculo impende ao cultor das ciências humanas, principalmente ao que se lança no universo jurídico, um esforço escabroso, eis que tudo que delas advém tem como única forma de expressão a linguagem escrita, pela qual os signos nem sempre imprimem um sentido unívoco, o que pode levar a ambiguidade ou à plurissignificação.

Ainda em relação às palavras, saliente-se que elas não são um fim em si mesmas, mas o meio pelo qual se extrai a significação da norma jurídica. Como bem observa Paulo de Barros Carvalho, "a norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos de direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos"1.

Caberá, pois, ao estudioso perscrutar sobremaneira a mensagem que a norma em si traz, apreciando o que o legislador pretendeu, mas, além disso, deverá vê-la em sua inteireza, associando sua literalidade com o meio a que pertence, porque, ao viger, a norma independe do órgão que a editou, tem vida própria, poderá até mesmo produzir efeitos que o seu editor não previra, da mesma forma que poderá não produzir os efeitos para a qual foi feita.

Nesse sentido, a interpretação do § 1º, do art. 73, da Lei 9.504/97, quando busca definir agente público, deve considerar o sistema jurídico em sua inteireza.

Eis a redação do dispositivo:

"Art. 73 (...) § 1º Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional."

Aquele que desempenhar função pública (funções administrativa, legislativa e jurisdicional), a qualquer título, sob qualquer forma, ainda que transitoriamente, enquanto a exercer, será agente público.

Em que pese a tentativa de conceituação de "agente público" pelo texto legal, a norma extraída de sua interpretação deve rumar para a maior extensão, isto porque a expressão é de "grande amplitude e aplicável a um sem-número de hipóteses de caracterização do Estado como Administração’"2.

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Disso decorre que o § 1º, do art. 73 da Lei 9.504/97 deve ser interpretado como meramente exemplificativo, de modo que as condutas vedadas pela Lei 9.504/97 sujeitará todo e qualquer agente público.

2. Condutas Vedadas (Arts 73 a 77 da LE, atualizados com a Lei 12.034/09) - Exceções, Sanções e Análise jurisprudencial

Os artigos 73, 74, 75 e 77 da Lei 9.504/97, atualizada com a Lei 12.034/09, abalizam quais os ,casos de condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais. O objetivo da norma é proporcionar aos candidatos igualdade no período eleitoral, atenuando os benefícios que os detentores de mandato candidatos à reeleição ou seus apoiados possam obter pela utilização direta ou indireta da máquina pública.

De tal modo, apresenta-se abaixo cada uma das citadas condutas vedadas com uma análise objetiva da atual interpretação das Cortes Eleitorais:

Art. 73, I, - Ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária.

Conforme se verifica do dispositivo alhures, a proibição na cessão ou utilização, em benefício de partido ou coligação de bens e serviços pertencentes à administração pública é expressamente vedada pela legislação eleitoral. O período de proibição inicia-se no registro da candidatura e perdura até a eleição.

O dispositivo legal veda que o agente público utilize o patrimônio da Administração Pública para se favorecer. Contudo, o poder judiciário esbarra na configuração da prática do ato, haja vista que nem sempre as denúncias conseguem demonstrar que a ação praticada enseja nas sanções impostas no ditame legal.

Dessa forma, a jurisprudência majoritária compreende que não é preciso que o ato atinja uma determinada quantidade de eleitores (sujeito passivo indeterminado), o ato por si só já configura um ilícito.

"Representação. Mensagem eletrônica com conteúdo eleitoral. Veiculação. Intranet de Prefeitura. Conduta vedada. Art. 73, I, da Lei nº 9.504/97. Caracterização. [...] 2. Para a configuração das hipóteses enumeradas no

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citado art. 73 não se exige a potencialidade da conduta, mas a mera prática dos atos proibidos. 3. Não obstante, a conduta apurada pode vir a ser considerada abuso do poder de autoridade, apurável por meio de investigação judicial prevista no art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, quando então haverá de ser verificada a potencialidade de os fatos infiuenciarem o pleito. [...]". (Ac. no 21.151, de 27.3.2003, rel. Min. Fernando Neves.).

Além disso, assevera a jurisprudência que deverão ser responsabilizados todos os envolvidos na prática do ato delituoso, não importando o agente causador e nem o beneficiário do ato.

"ELEIÇÕES 2012 - RECURSOS - REPRESENTAÇÃO - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO (LEI N. 9.504/1997, ART. 73, I) - SENTENÇA CONDENATÓRIA A PENA DE MULTA - REUNIÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS NO PRÉDIO DA PREFEITURA COM A PARTICIPAÇÃO E MANIFESTAÇÃO DE CANDIDATOS - EFETIVO USO DA ESTRUTURA PÚBLICA PARA BENEFÍCIO ELEITORAL - CONDENAÇÃO MANTIDA - DESPROVIMENTO. - A realização de reunião com servidores no prédio do Poder Executivo Municipal, em horário de expediente, na qual candidato a cargo eletivo faz uso da palavra com evidente propósito eleitoreiro configura o uso indevido de bem imóvel pertencente à Administração reprimido pelo inciso I do art. 73 da Lei n. 9.504/1997, impondo a condenação dos agentes públicos responsáveis e do beneficiário". (TRE-SC - RDJE: 30787 SC. Relator: LUIZ CÉZAR MEDEIROS. Data de Julgamento: 17/07/2013. Data de Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 134, Data 23/07/2013, Página 3).

Anota-se, ainda, que o próprio texto legal apresenta a exceção, qual seja: a possibilidade de cessão de bens móveis e imóveis para a realização das convenções partidárias, como por exemplo, as Assembleias Legislativas cederem seus espaços para que os partidos possam realizar as convenções:

Art. 8º, § 2º da Lei 9.504/97: "Para a realização das convenções de escolha de candidatos, os partidos políticos poderão usar gratuitamente prédios públicos, responsabilizando-se por danos causados com a realização do evento".

Gustavo Bugalho, nesse espírito, ratifica o texto legal aduzindo que: "o Administrador Público que conceder determinada instalação pública para a realização da convenção, ainda que de seu partido, estará amparado pela legislação eleitoral,

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não se podendo falar em ofensa à legalidade ou a qualquer principio administrativo ou eleitoral, tampouco ao principio da moralidade"3.

Art. 73, II - Usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram.

Para fins do art. 73, II, a proibição de valer-se de materiais ou serviços, custeados pela Administração Pública, que extrapolem as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram, abrange todo e qualquer material ou serviço, não importando quantidade e/ou qualidade.

Ocorre que tais bens devem ser empregados no gozo das atribuições administrativas. Destarte, não há de se falar em período de proibição, a vedação tem incidência permanente.

Ainda, para se verificar a ocorrência da conduta vendada expressa no inciso II, do art. 73, há a necessidade de interpretação dos regimentos e normas dos órgãos que integram o agente público, caracterizando-se, assim, o excesso de material ou serviço.

O objetivo da norma, nas palavras do Prof. Thales Tácito é que: "o que não pode ser verificada é a utilização de serviços ou materiais públicos para satisfação pessoal, seja para fins particulares, pessoais ou...

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