Condutas Antissindicais: Construção de Jurisprudência Crítica no Brasil

AutorJosé Eymard Loguércio
Ocupação do AutorAdvogado. Mestre em Direito pela UnB. Professor do curso de Pós-Graduação em Direito Material e Processual do Trabalho do IDP. Professor do Curso de Pós-graduação em Direito do Trabalho do IESB.
Páginas67-78

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Introdução

Todas as homenagens prestadas ao Ministro Arnaldo Süssekind serão ainda muito pequenas perto de sua relevante contribuição para a formação de várias gerações de Juristas, Advogados, Juízes, Procuradores do Trabalho. O Ministro Süssekind sempre foi portador de mentalidade voltada para o futuro. Uma das mais relevantes contribuições foi a insistência para que os juristas brasileiros dessem a devida importância para as normas da Organização Internacional do Trabalho. Isso muito antes dos recentes movimentos de internacionalização do Direito. O presente texto é singela homenagem a este jurista que inspirou tantas gerações e, certamente, continuará a inspirar as gerações vindouras.

A escolha, portanto, do tema, não é aleatória. Trata-se de reafirmação dos princípios da liberdade sindical na prática das relações coletivas e no reflexo que dela se faz na Jurisprudência, realimentando, assim, novas práticas e novas condutas alinhadas com as perspectivas do Direito Internacional do Trabalho. Pretendo desenvolver o tema a partir da constatação de que o nosso sistema jurídico, apesar de não adotar conceito legal ou regramento específico para o combate das práticas, condutas e atos antissindicais, está aparelhado para proteger a liberdade sindical como valor constitucional fundamental a partir de onde se irradiam garantias e proteções.

Não estou aqui preocupado com os casos simples em que a nossa legislação adota, expressamente, uma solução (como, por exemplo, a previsão de liminar para reintegração de dirigente sindical demitido ou suspenso). Penso nos chamados casos difíceis1.

Aqueles que desafiam um exame em profundidade da conduta, suas consequências e adequada solução.

Divido a apresentação em três partes. Na primeira procuro, a partir do auxílio da doutrina e do direito comparado, extrair um conceito operacional das condutas antissindicais e sua localização no sistema jurídico. O conceito nos ajuda a fugir da tentadora ideia de elaboração de um catálogo legal de condutas como premissa necessária à condenação. Na segunda parte, os convido a refletir sobre as possibilidades de afirmação da liberdade sindi-

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cal como fonte de irradiação e construção de uma jurisprudência crítica. A jurisprudência crítica, como veremos, é aquela que procura fugir da solução que oscila entre o dogmatismo e o ceticismo. Na terceira e última parte indico alguns casos paradigmáticos de modo a confirmar minha proposição inicial de que, se ainda não alcançamos a plenitude de um sistema de liberdades, a jurisprudência tem papel significativo de reafirmação das possibilidades de realização da democracia em todos os espaços públicos e privados.

1. Extraindo um conceito de condutas, práticas e atos antissindicais

No Direito comparado recordo rapidamente que Espanha, França, Alemanha e, próximo de nós, Argentina e Chile, têm regulamentação doutrina e jurisprudência quanto às condutas antissindicais.

Duas experiências, tanto legislativa quanto jurisprudencial, são as mais citadas quando se fala em práticas antissindicais. A do Direito Norte America-no, a partir da Lei Wagner (National Labor Relations Act de 1935) e a Lei n. 300, de 20 de maio de 1970, o Estatuto dos Trabalhadores da Itália.

Em síntese, na Lei Wagner, indica-se como práticas antissindicais do empregador: "1) Interferir, controlar ou coagir os empregados no exercício dos direitos garantidos na Seção 7ª (esta seção diz respeito ao direito dos empregados de se associar, de formar organizações, de negociar coletivamente através de seus representantes, e se engajar em outras atividades combinadas com o intuito de negociar coletivamente ou no sentido de auxiliar ou se proteger mutuamente e também o direito de desistir de qualquer uma de tais atividades" (LOPES DA CUNHA, Tadeu Henrique. Proteção contra atos antissindicais. In: Temas controvertidos do direito coletivo do trabalho no cenário nacional e internacional. São Paulo: LTr, 2006. p. 117). Criou-se no sistema americano um sistema procedimental administrativo de controle das condutas.

Por seu turno, o art. 28 do Estatuto dos Trabalhadores da Itália (Lei n. 300, de 20 de maio de 1970) define a conduta antissindical de modo abrangente como sendo os "comportamentos dirigidos a impedir ou limitar o exercício da liberdade e da atividade sindical, além do direito de greve".

A doutrina estrangeira nos auxilia na conceituação dos atos ou condutas antissindicais. Extrai-se da obra de Oscar Ermida Uriarte o seguinte conceito dos atos antissindicais, que passo a adotar para os fins desta comunicação: "aqueles que prejudiquem indevidamente um titular de direitos sindicais no exercício da atividade sindical ou por causa desta ou aqueles atos mediante os quais lhe são negadas, injustificadamente, as facilidades ou prerrogativas necessárias ao normal desempenho da ação coletiva" (A proteção contra os atos antissindicais. São Paulo: LTr, 1989. p. 10).

Uma leitura apressada poderia levar à conclusão de que a proteção se dirige exclusivamente àqueles titulares individuais do direito subjetivo. No entanto, o conceito abarca a proteção da liberdade sindical na sua dimensão tanto individual quanto na coletiva e em sentido positivo ou negativo, como veremos.

Em termos de construção institucional, as condutas antissindicais derivam das potencialidades da liberdade sindical no choque de antagonismos que referida liberdade estabelece em cada sistema concretamente considerado.

Se o campo de irradiação é a liberdade sindical, é importante registrar o assento do tema na Constituição de 1988, como princípio fundamental; especialmente as garantias dos arts. 8º e 9º; as normas internacionais da OIT, em especial as Convenções ns. 87, 98, 135 e 151; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) - Aprovado pelo Brasil - Decreto Legislativo n. 226, de 12.12.1991 e promulgado pelo Decreto n. 592, de 6.7.1992, especialmente no seu art. 22; O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) - Aprovado pelo Brasil - Decreto Legislativo - Aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 226, de 12.12.1991 e promulgado pelo Decreto n. 591, de 6.7.1992, especialmente em seu art. 8º; A Convenção Americana dos Direitos Humanos - adotada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22.11.1969 - Aprovada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo n. 27, de 25.9.1992 e promulgada pelo Decreto n. 678, de 6.11.1992, especialmente no art. 16; o Protocolo adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e culturais - adotado pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 17.11.1988 - Aprovado pelo Brasil - Decreto Legislativo n. 56, de 19.4.1995 e promulgado pelo Decreto n. 3.321, de 30.12.1999, especialmente em seus arts. 2º, 5º e 8º e, finalmente, a Declaração sócio-laboral do Mercosul. Cito ainda como fonte indispensável em matéria de Liberdade Sindical as decisões do

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Comitê de Liberdade Sindical da OIT, que conforma verdadeira jurisprudência aplicável sobre a matéria2.

Refiro-me a este conjunto normativo e em especial à posição adotada mais recentemente pelo STF quanto à integração das normas internacionais relacionadas aos direitos humanos3, dispensando-me, com isso, de fundamentar a existência de tais Direitos.

Lembrando Bobbio: a positivação dos Direitos Humanos dispensa-nos, a todo o momento, de buscar os seus fundamentos. Nas palavras do autor: "O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los"4.

Assim também coloco-me frente ao problema que se nos apresenta. Trata-se menos de justificá-los do que encontrar adequada proteção.

Do ponto de vista sistemático e didático, a proteção contra tais condutas desdobra-se no:

Foro sindical (expressão utilizada por influência da legislação e da doutrina dos países hispânicos. Relaciona todo o tipo de proteção dirigida ao exercício da atividade sindical: dirigentes, representantes, militantes e direitos que se irradiam a partir dessa prática e do direito à sindicalização)

- Trata-se aqui dos sistemas clássicos de proteção. Daqueles que derivam da visão tutelar do Direito do Trabalho.

Atos de discriminação antissindical: quando a conduta, comissiva ou omissiva, envolve o princípio da igualdade.

Atos de ingerência: impede atos de ingerência das organizações de trabalhadores e de empregados de umas contra as outras.

Práticas desleais: inicialmente relacionadas a assegurar a boa fé na negociação coletiva e a impedir o uso de violência, hoje abrange todas as condutas ilícitas ou ilegítimas. No caso das chamadas "práticas desleais" é bom recordar o excelente trabalho de Marcus Kaufmann quando afirma:

"A principal característica do sistema das práticas desleais é que houve uma bilateralização, típica, aliás, dos sistemas de common law de natureza não tutelar e mais próximos a um civilismo nas relações coletivas de trabalho, na consideração dos agentes ativos e passivos da antissindicalidade, que podem ser tanto as organizações de trabalhadores, como as organizações de empregadores. Essa bilateralização norte-americana diferencia as práticas desleais, como sistema de combate às práticas antissindicais que afetem a liberdade sindical coletiva, do foro sindical latino-americano como sistema típico e clássico de combate às práticas antissindicais adotado, por exemplo, pelo Brasil, e, em princípio, apenas destinado a tutelar, restritivamente, dirigentes sindicais, de forma tutelar e unilateral. [...]

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Seja como for e de um modo bastante abrangente, as práticas desleais (unfair labor practices) podem ser consideradas...

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