Condições jurídicas internacionais de intervenção na Amazônia

AutorAndré de Paiva Toledo - Kiwonghi Bizawu
CargoDoutor em Direito pela Université Panthéon ? Assas Paris 2. Mestre e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da ESDHC. E-mail: depaivatoledo@gmail.com. - Pós-Doutor pela Universidade de Coimbra (UC). Doutor e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica...
Páginas91-122
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Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.16 n.36 p.91-122 Setembro/Dezembro de 2019
CONDIÇÕES JURÍDICAS INTERNACIONAIS DE
INTERVENÇÃO NA AMAZÔNIA
André de Paiva Toledo1
Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC)
Kiwonghi Bizawu2
Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC)
RESUMO
Trata-se de um artigo que analisa as condições jurídicas para uma
intervenção internacional na Amazônia, enquanto resposta aos danos
causados pelo exercício da soberania territorial do Estado, considerando
que esse argumento pode ser visto como causa de graves violações ao
Direito Internacional. Diante da atual crise amazônica, manifestações
de representantes de Estados e textos de especialistas passam a sugerir a
necessidade de intervenção na Amazônia. Esta só poderia acontecer como:
(i) legítima defesa; ou (ii) operação de manutenção da paz. Na primeira
hipótese, é necessário um ataque a ser repelido, o que não existe na atual
conjuntura amazônica. Na segunda hipótese, deve haver uma ameaça real
à paz internacional, que pode ser identicada com graves violações de
direitos humanos, como o são os crimes contra a humanidade, o genocídio
e o ecocídio. Na atual crise amazônica, seria possível cogitar a prática de
genocídio e ecocídio, uma vez demonstrada a intenção de inviabilizar a
sobrevivência de grupos humanos, como os povos indígenas. Satisfeita
essa condição, seria imperativa uma decisão expressa do Conselho de
Segurança das Nações Unidas nesse sentido, de modo a garantir a licitude
da ação.
Palavras-chave: Amazônia; Conselho de Segurança; ecocídio; genocídio;
intervenção; legítima defesa.
1 Doutor em Direito pela Université Panthéon – Assas Paris 2. Mestre e bacharel em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito
da ESDHC. E-mail: depaivatoledo@gmail.com.
2 Pós-Doutor pela Universidade de Coimbra (UC). Doutor e mestre em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC – MINAS). Especialista em Direito do Trabalho
e Previdenciário pela Universidade Estácio de Sá (UES). Graduado em Direito pela Faculdade de
Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior (FCJSVJ). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2814-
3639 / e-mail: sebak_07@hotmail.com.
http://dx.doi.org/10.18623/rvd.v16i36.1669
CONDIÇÕES JURÍDICAS INTERNACIONAIS DE INTERVENÇÃO NA AMAZÔNIA
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INTERNATIONAL LEGAL CONDITIONS FOR
INTERVENTION IN AMAZON
ABSTRACT
This article analyzes the legal conditions for an international intervention
in Amazon, as a response to damages caused by the exercise of territorial
sovereignty of the State, which can be seen as a result for serious violations
of international law. In the face of the current Amazonian crisis, statements
by State representatives and expert texts have suggested the necessity for
intervention in Amazon. It could only happen as (i) a legitimate defense
or (ii) peacekeeping operation. In the rst hypothesis, it is necessary
an attack to be repelled, which does not exist in the current Amazonian
conjuncture. In the second case, there must be a real threat to international
peace, which can be identied with serious violations of human rights,
such as crimes against humanity, genocide and ecocide. In the current
Amazonian crisis, it would be possible to consider the practice of genocide
and ecocide, once demonstrated the intention to make impossible the
survival of human groups such as indigenous peoples. If this condition is
considered, an express decision by the United Nations Security Council
would be imperative to ensure the lawfulness of the action.
Keywords: Amazon; ecocide; genocide; intervention; Security Council;
self-defense.
André de Paiva Toledo & Kiwonghi Bizawu
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Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.16 n.36 p.91-122 Setembro/Dezembro de 2019
INTRODUÇÃO
A Amazônia não é patrimônio comum da humanidade, pois não há
em vigor qualquer sistema jurídico que institua um mecanismo de gestão
internacionalizada do espaço onde se encontra o bioma amazônico, como
acontece, por exemplo, na Área3. A Amazônia não é patrimônio mundial,
salvo o Complexo de Conservação da Amazônia Central (Amazonas,
Brasil), que desde 2000, está inscrito na Lista do Patrimônio Mundial
Natural da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO).
A Amazônia é, por sua vez, patrimônio internacional, pois se en-
contra naturalmente espalhada pelo território nacional de nove diferentes
Estados. Logo, os destinos da Amazônia não interessam a apenas um país,
por mais extenso que seja seu território4. Pelo mesmo motivo, pode-se
armar que a Amazônia é patrimônio nacional de cada um desses Esta-
dos, que ali exercem sua soberania territorial, consequentemente, tendo o
direito de explorar e aproveitar seus recursos naturais para o desenvolvi-
mento socioeconômico desses.
A Amazônia é também preocupação comum da humanidade, pois sua
proteção implica na preservação de sua rica biodiversidade, na manuten-
ção de um importante xador de carbono para o enfrentamento global
dos desaos inerentes às mudanças climáticas, no equilíbrio do balanço
hidrológico, que inuencia o regime global de chuvas, e na garantia do
respeito aos direitos humanos das populações locais. Em um contexto in-
ternacional pós-nazismo, a paz, a segurança, a dignidade humana e o de-
senvolvimento sustentável tornam-se a base de sustentação das Relações
Internacionais. A Amazônia insere-se, portanto, como tópico especial em
todas essas dimensões, o que faz urgente o exame das consequências ju-
rídicas internacionais do modelo de gestão do território, adotado pelos
Estados amazônicos, especialmente o Brasil.
O Direito Internacional é construído sobre o princípio da soberania,
segundo o qual os diversos Estados são livres para determinar as
estratégias de utilização de seu território. Contudo, a soberania territorial
é autolimitada em uma perspectiva democrática das relações políticas
3 A Área são os fundos marinhos existentes para além da plataforma continental dos Estados costeiros,
que é patrimônio comum da humanidade gerido, nos termos da Parte XI da Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar (1982), pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos.
4 Dos nove países da região Pan-amazônica, o Brasil destaca-se por ter, em seu território, cerca de 60%
do bioma amazônico.

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