Condições da Cláusula de Não Concorrência

AutorCélio Pereira Oliveira Neto
Ocupação do AutorAdvogado, Doutorando, Mestre e Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas107-135

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O presente capítulo tratará das formalidades legais, e das condições fáticas para validação da cláusula de não concorrência à luz dos limites aceitáveis para restrição do direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

4.1. Limitação do direito de livre exercício ao trabalho

Os direitos fundamentais não são absolutos, de sorte que o princípio da proporcionalidade é utilizado como critério para controlar a extensão e o alcance da restrição estabelecida à limitação do direito de livre exercício ao trabalho em uma situação concreta derivada da aplicação da cláusula de não concorrência - visando à manutenção da unidade constitucional e conferindo a máxima efetividade aos seus preceitos.

A cláusula de não concorrência, sem dúvida, limita a liberdade de trabalho. Trata-se de dois direitos constitucionais em colisão. Porém, de um lado as normas de direitos fundamentais não possuem caráter absoluto, e de outro, as normas que lhes impõem limitações também não são absolutas, de sorte que se reitera a necessidade da análise do caso concreto para validação do pacto de não concorrência.

Cabe uma análise objetiva e justificada para a limitação da liberdade ao trabalho, comparando com outros bens ou direitos assegurados pela Constituição, afinal, se o sacrifício do livre exercício ao trabalho não for adequado à salvaguarda da cláusula de não concorrência, nem sequer conflito existirá.

Nessa investigação, há de se delimitar a área de proteção do direito ao exercício do trabalho, bem como o âmbito de sua aplicação. Faz-se necessário, pois, conhecer os limites de proteção do livre exercício do trabalho, e, utilizando os métodos para solução das colisões, decidir de forma fundamentada (art. 93, Ix, da CF), observando o princípio da unidade da constituição enquanto sistema, mediante o uso do princípio da proporcionalidade.

Passa-se à análise propriamente dita. O trabalho é direito fundamental. Como visto, o art. 6º da CF trata o trabalho como direito social, ao passo que o art. 5º,

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inciso XIII garante o direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Esclareça-se que da redação do art. 5º, inciso XIII não se extrai qualquer contradição. Com efeito, a primeira parte do dispositivo em comento garante o livre exercício de qualquer trabalho, ao passo que a segunda parte não elide a primeira, apenas resguarda certas qualificações que se exigem para o desenvolvimento de profissões regulamentadas. Não fosse assim, qualquer um poderia atuar como cirurgião médico, mesmo sem passar por anos de estudo na faculdade de medicina, e residência em centro médico, hospital, clínica ou similar.

Trata-se de reserva legal qualificada, a fim de resguardar os interesses da coletividade, não se permitindo que esta seja colocada em situação de risco ou que sejam causados prejuízos a terceiros, resguardado o núcleo essencial do direito preterido.

Ademais, a norma em questão possui eficácia contida, sendo lícita a imposição de restrições. Desse modo, nos dizeres do Ministro Luiz Fux:1

[...] é da própria configuração constitucional da liberdade de ofício a possibili-dade de sua restrição, cabendo apontar como parâmetros para essa limitação, a exemplo do que se dá no constitucionalismo alemão, a (i) reserva de lei, (ii) a observância da proporcionalidade e (iii) a proibição de afronta ao núcleo essen-cial do direito fundamental.

Acresça-se que o exercício do trabalho também está sujeito às restrições do poder público, consoante se extrai do art. 122, inciso VIII, de modo que a restrição imposta pela cláusula de não concorrência não esbarra no preceito constitucional que garante a liberdade ao trabalho, na medida em que a própria Carta Maior condiciona o uso de tal liberdade às restrições do poder público - nas quais se pode enquadrar o post pactum finitum, como garantia às empresas.2

O art. 22, inciso XVI, da Carta Magna atribui competência privativa à União para legislar quanto à "organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões".

Observa-se ainda que o art. 37, inciso XVI, e o art. 37, inciso XXII, § 7º, da CF também restringem a liberdade de trabalho ao vedar a acumulação de cargos públicos, e impor requisitos ao exercício destes.

Da gama de dispositivos supramencionados se extrai que a própria Carta Maior possibilita a restrição ao direito de livre exercício do trabalho, tal como ocorre desde os primórdios, por meio da imposição de normas que visavam ao

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resguardo dos interesses econômicos, consoante exposto no segundo capítulo do presente estudo. Porém, na solução da colisão, deve-se buscar a preservação da essência de cada direito, impedindo que a cláusula de não concorrência se aplique à custa do núcleo do direito fundamental do trabalhador.

Assim, para resguardar seus bens imateriais, o empregador não poderá vedar o direito ao trabalho. Daí se depreende que a restrição no exercício de funções laborais não pode ser confundida com impedimento do acesso ao trabalho. Ou seja, ao empregador é vedado impedir o empregado de laborar, sem que viole o princípio da liberdade ao trabalho.

Igualmente lhe é vedado impor a cláusula de não concorrência de modo injustificado, de sorte a restringir as possibilidades de trabalho do empregado. Cabe a restrição, pois, ao exercício de trabalho em área e espaço determinados, no limite do necessário para que a informação deixe de possuir relevância empresarial ou que o projeto seja implementado, preservando assim a unidade constitucional, harmonizando o conflito constitucional, via sopesamento dos bens.

Alice Monteiro de Barros explica que a cláusula de não concorrência só pode prevalecer em situações excepcionais, quando necessária para a proteção dos legítimos interesses do empregador, limitada a determinado período, e mediante uma compensação a ser paga ao empregado.3

Oris de Oliveira4 defende que a cláusula de não concorrência não viola dispositivos constitucionais - mencionando expressamente a liberdade de trabalho e o livre exercício da profissão - na medida em que impõe condições limitativas de tempo, espaço e não cerceamento ao trabalho fora de suas qualificações profissionais.

Ari Possidonio Beltran5 sustenta que não há violação ao art. 5º, inciso XIII, da CF, na medida em que tal dispositivo deve ser entendido em harmonia com o restante do ordenamento constitucional, e não isoladamente. Nesse diapasão, e se cumpridos os requisitos que justificam a restrição da liberdade de trabalho, deve-se validar a cláusula de não concorrência.

Adriana Calvo6 leciona que o dispositivo do art. 5º, inciso XIII, não é absoluto, assim como nenhum o é, devendo ser entendido em harmonia com os demais preceitos constitucionais - de tal arte que a cláusula de não concorrência não viola a liberdade de trabalho.

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A cláusula de não concorrência deve limitar-se, pois, a impedir o uso pelo empregado dos conhecimentos estratégicos e confidenciais que adquiriu sob o manto da relação de confiança, no curso do contrato de emprego, em desfavor do ex-empregador. Nessas condições, não há violação ao direito fundamental à liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, previstos no art. 5º, XIII, da CF.

Visto que as limitações ao livre exercício do trabalho são aceitáveis em um cenário de conflito de direitos constitucionais, cabe apresentar quais os limites dessas restrições. Afinal, se, de um lado, os direitos fundamentais sofrem limitação, de outro, por evidente, as restrições são limitadas de sorte a não ferir o núcleo essen-cial do direito preterido, em sede de aplicação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

4.1.1. Escolha da profissão ou atividade

Tal como aduzido, é inaceitável a restrição absoluta ao trabalho, que representa violação ao núcleo essencial do direito fundamental do trabalhador inerente à própria dignidade da pessoa humana. Isso é fato indene de dúvidas. O que se deve sopesar é se a limitação pode implicar a proibição do empregado de exercer a profissão para a qual está qualificado.

Como visto anteriormente, a precedência prima facie se dará em favor do exercício da atividade profissional para a qual o empregado está qualificado, cabendo ao empregador provar que a restrição imposta é justificada e não extrapola os limites do necessário.

Para Oris de Oliveira7, a limitação não pode impossibilitar o exercício normal da profissão do empregado, ou impor complexa alteração na sua especialidade.

No mesmo sentido, Alice Monteiro de Barros entende que:

[...] a inserção da cláusula deverá permitir ao empregado a possibilidade de exercer a atividade que lhe é própria, considerando sua experiência e formação, desde que junto a estabelecimentos empresariais insuscetíveis de ocasionar concorrência danosa ao ex-empregador.8

A posição dos autores há de ser considerada, e prevalecer prima facie, não se admitindo a imposição de cláusula de não concorrência que impeça o trabalhador de exercer a atividade profissional para a qual está qualificado.

Trata-se de regra quase que absoluta. Porém, como inexiste direito absoluto, cabe ir um pouco além nesta questão. Com efeito, há casos em que o grau de especialização é tamanho que pode gerar a fundada dúvida sobre a justificação da

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restrição, na medida em que esta pode se revelar adequada e necessária - entretanto, de aferição mais complexa quanto à proporcionalidade estrito senso.

Nessa hipótese, a...

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