Condenação administrativa de dirigentes de fundos de pensão e seus distintos efeitos sobre mandatos futuros e mandatos em curso: um paralelo com a lei da 'ficha limpa' e outras questões decorrentes

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas540-558

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1. Primeiras Considerações

O tema de fundo da presente reflexão (que veicula várias questões jurídicas pontuais, que atualmente estão em plena discussão na aplicação da lei brasileira nas instâncias administrativas e judiciais) busca saber quais devem ser os efeitos gerados pela imposição de penalidades administrativas por infração à legislação do regime de previdência complementar, em caráter definitivo, especialmente no que diz respeito ao exercício de cargos ou funções em órgãos estatutários (nomeadamente os conselhos deliberativos e fiscais, bem como diretorias-executivas) de governança de Entidades Fechadas de Previdência Complementar2, diante do fato de que a lei (arts. 35, §§ 3º, inciso III, e 4º3, da LC n. 109/01, além dos arts. 184 e 20, III5, da LC n. 108/01) fixou, como um dos requisitos mínimos, que os membros dos órgãos em questão não tenham sofrido penalidade administrativa por infrações à legislação, cumprindo acrescentar, por fim, que o Decreto n. 4.942, de 30.12.2003 (que regulamenta, no âmbito do regime da previdência complementar operado pelas entidades fechadas, o processo administrativo para apuração de responsabilidade por infração à legislação, a aplicação das penalidades administrativas, dando outras ouras providências), em seu art. 606, previu que somente após o decurso do prazo de 5 (cinco) ano depois do cumprimento da pena ou da extinção da punibilidade por outra forma é que não mais deveria constar da certidão ou atestado expedido pelo Órgãos de Fiscalização e Supervisão do sistema (a Previc atualmente) qualquer notícia ou referência à pena aplicada na esfera administrativa.

A facilidade teórica decorrente de uma primeira leitura da lei definitivamente não encontra correspondência na solução dos questionamentos concretos que têm sido apresentados a cada dia. Afinal, tratando-se de um requisito mínimo (e gené-rico) de prévio acesso ao cargo, uma vez que o dirigente de um fundo de pensão tenha sido definitivamente punido em processo administrativo (não judicial) perante a Administração Pública federal por ato referente a mandato anteriormente exercido, deve ele ser realmente impedido de voltar a ter acesso no futuro a um cargo de dirigente, ainda que sua pena já tenha sido totalmente cumprida? E tal impedimento valeria independentemente do tipo de pena imposta (aplicando-se mesmo, p. ex., a casos de penalidades de suspensão meramente temporária ou de multa) ou não se poderia compreender assim, pois isto equivaleria a atribuir ao apenado sanção maior ou adicional àquela que já lhe fora atribuída e inclusive cumprida? E quanto aos apenados que eventualmente ainda estejam no exercício de mandatos no momento em que se torna definitiva a punição administrativa, tal advento importará, auto-maticamente, na perda do mandato em curso, por passar a existir, por assim dizer, um impedimento prévio-futuro de acesso que não se fazia presente quando da nomeação do

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dirigente ao cargo atual? E nesta última hipótese, faria ou não diferença o tipo (advertência, multa, suspensão ou inabilitação) e a quantidade de pena aplicada pela instância administrativa pública? Questões como esta vêm sendo cada vez mais estudadas e discutidas a partir da prática do sistema brasileiro de previdência complementar fechada, despertando já a atenção dos especialistas.

Embora sem ter a pretensão de esgotar toda a complexidade que é inerente ao tema, propomo-nos neste trabalho a fazer algumas distinçõese reflexões que nos parecem importantes e que, talvez, possamao menos auxiliar na busca de soluções interpretativas àqueles que tenham de enfrentar os diversos questionamentos que se têm apresentado.

2. Introdução à questão: os dois contextos para a busca de soluções interpretativas

As leis complementares que disciplinam o regime de previdência complementar operado por entidades fechadas (EFPC) faz menção a penalidades administrativas expressamente em dois contextos ou “momentos” distintos: um primeiro para prevê-las e estabelecê-las no âmbito do processo administrativo sancionatório aos que cometem infrações à legislação do sistema (arts. 657 e 668, além da previsão do art. 3°, inciso V, parte final da LC n. 109/01, aos quais se remete o art. 289 da LC n. 108/01) e num segundo momento, refere-se a penalidades para estabelecer requisitos mínimos a serem atendidos por indivíduos que se pretenda nomear para exercer cargos estatutários, exigindo que os membros de conselhos deliberativo e fiscal, e de diretoria-executiva não tenham (no caso, portanto, trata-se de um requisito negativo) nãotenham sofrido penalidade administrativa por infração à legislação (arts. 35, §§ 3º, inciso III, e 4º, da LC n. 109/01, além dos arts. 18 e 20, III, da LC n. 108/01).

Assim colocadas as coisas é evidente que se deve considerar que o segundo dos “momentos” ou contextos acima referidos (inexistência de penalidade administrativacomorequisito mínimo ao exercício de cargos/funções diretivos em EFPC) é uma consequência daquilo que resultará ao finaldo desenvolvimento da dinâmica processual que é inerente ao primeiro dos “momentos”, o de aplicação de penalidades administrativas (entre nós feita pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC em primeira instância e sujeita a recurso, em segunda e última instância, à Câmara de Recursos da Previdência Complementar – CRPC, do Ministério da Fazenda) por infração à legislação do sistema de previdência complementar fechado.

Cuidando-se de penalidades e de consequências de sua aplicação, uma das formas de se encarar os questionamentos que se costuma fazer neste assunto consiste, por assim dizer, em se pensar a busca de soluções interpretativas sempre no âmbito do genérico (porque mais especificamente a matéria seria a do direito administrativo sancionador) jus puniendi do Estado, do direito punitivo, o que no mais das vezes vai inevitavelmente desaguar em paralelos (sobretudo nos casos de lacuna e assim de busca de técnicas de integração jurídica, a partir sobretudo da analogia e residualmente também nos princípios gerais de direito e equidade) com o Direito Penal, matriz de qualquer direito punitivo.

Mas cremos que é perfeitamente possível (e mais adequado) também encarar o assunto de uma maneira um pouco diferente desta, exclusivamente afeta ao “jus puniendi” do Estado, levando em conta uma perspectiva dual, por assim dizer, que resultaria da atenção ao reconhecimento de duas finalidades diversas e independentes (ainda que entrelaçadas) que estariam a presidir cada um desses dois contextos ou “momentos” da regulação legal do sistema a que acima nos referimos, ou seja: a previsão de aplicação em si de penalidades administrativas por infração à legislação, de um lado, e, de outro, a previsão de um requisito mínimo, um impedimento (ou um requisito negativo) ao direito de vir a ter exercício em cargos estatutários em EFPC, por aqueles que já tenham sofrido no passado penalidade administrativa definitiva.

Assim, quanto ao primeiro dos “momentos” acima especificados da regulação legal do sistema de previdência complementar, i. e, no que tange à aplicação de penalidades, como estabelecido sobretudo nos arts. 65 e 66 da LC n. 109/01 e 28 da LC n. 108/01, não restaria dúvida de que tudo deveria girar em torno do direito administrativo sancionador, parcela ou espécie – repita-se – do direito punitivo do Estado, pois o que está em questão neste primeiro “momento” é a apuração de infrações e aplicação, se for o caso, das penalidades cabíveis, tudo isso verificado de modo formal, processualmente, com as garantias

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inerentes ao devido processo legal, constitucionalmente aplicável também aos processos administrativos (cf. art. 5º, LV, da Constituição10).

3. Ausência de penalidade administrativa como condição à escolha e nomeação (não como sanção) para futuro exercício de cargos estatutários

Já no que diz respeito ao segundo daqueles “momentos” da regulação legal a que acima nos referimos, i. é, aos arts. 35 da LC n. 109/01 e 18 e 20 da LC n. 108/01, a perspectiva seria diversa (conquanto evidentemente conectada àquela, pelo só fato de haver entre ambas uma relação de antecedente/consequente), mais aderente à finalidade legal de se estabelecer, não propriamente uma punição, uma sanção, mas, sim, um dos requisitos mínimos, um pressuposto pessoal11 para o direito de vir a ser escolhido e empossado para exercer cargos que dizem...

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