A concessão da aposentadoria da pessoa portadora de deficiência segurada do regime geral da previdência social visando a garantia da dignidade da pessoa humana

AutorAline Boffa - Dafne Danielle Aparecida Sobral - Priscilla Milena Simonato de Migueli
Páginas19-26

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1. Introdução

A Lei Maior vigente no nosso ordenamento jurídico ressalva em seu art. 201, § 1º a adoção de critérios e requisitos diferenciados para a concessão da aposenta-doria aos segurados portadores de deficiência inseridos no Regime Geral da Previdência Social.

A redação do artigo supracitado se deu pela Emenda Constitucional n. 47, de 5 de julho de 2005, cuja aplicabilidade ficou por um tempo prejudicada com relação à aposentadoria dos deficientes, uma vez que os seus critérios seriam definidos em lei complementar. Assim, a inexistência da referida lei complementar citada no dispositivo constitucional gerava dificuldades na concessão do benefício, bem como impedia que o deficiente fosse completamente integrado à sociedade. Então, em 8 de maio de 2013 surgiu a Lei Complementar n. 142, que regula exatamente o dispositivo supracitado, no que tange a concessão de aposentadoria da pessoa com deficiência, segurada do Regime Geral de Previdência Social.

Em 3 de dezembro de 2013, o Decreto n. 8.145 alterou o Regulamento da Previdência Social para dispor sobre a aposentadoria por tempo de contribuição e por idade da pessoa portadora de deficiência.

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O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE estima que hoje aproximadamente quarenta e cinco milhões de brasileiros tenham algum tipo de deficiência. Esta informação revela, portanto, a necessidade e a relevância da concessão de um benefício previdenciário para estas pessoas, sendo a aposentadoria do portador de deficiência.

De acordo com o pensamento de Aristóteles (2001, p. 139): "Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigual-dade". Este pensamento nos leva justamente em busca da garantia da dignidade da pessoa humana tão prezada pela Constituição Federal de 1988.

As relevantes alterações permitem a devida inclusão social do portador de deficiência e a efetiva garantia de direitos fundamentais, em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana, servindo o presente artigo para elucidar o benefício desta aposentadoria e suas respectivas regras.

2. O conceito de deficiente

A fim de permitir a maior compreensão do benefício tratado, torna-se importante esclarecer o conceito de deficiente, que passou por diversas transformações ao longo do tempo.

Em 1955, a Organização Internacional do Trabalho, por meio da Recomendação n. 99, que estabelecia sobre "princípios e métodos de orientação e treinamento profissional, meios de aumentar oportunidades de emprego para os portadores de deficiência" bem como outras disposições sobre o tema, conceituava o deficiente físico como "um indivíduo cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado são subs-tancialmente reduzidas devido a uma diminuição das capacidades físicas ou mentais".

Este conceito dado pela Recomendação OIT n. 99 foi reiterado na Recomendação OIT n. 168, de 1983 e posteriormente aperfeiçoado na Convenção n. 159, em 1º de junho de 1983.

Em um momento posterior, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas acabou por conceituar o deficiente físico com base da Resolução n. 3.447, de 9 de dezembro de 1975, cujo art. 1º dispõe que o "termo ‘pessoas deficientes’ refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais".

O Decreto Federal n. 3.298 de 20 dezembro de 1999, que regulamenta a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989 e dispõe sobre a Política Nacional para a

Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, define o deficiente físico da seguinte forma no inciso I de seu art. 3º "toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano", e no artigo seguinte esclarece sobre as várias espécies de deficiência.

O novo texto constitucional adotou a expressão "pessoas portadoras de deficiência", que substituíram as expressões anteriores "deficiente" e "excepcional". Contudo, a ideia de "portar" ou "carregar" deficiência não é considerada mais apropriada. Nesse sentido, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência emprega expressão mais atual e mais correta: a pessoa possui uma deficiência, ou seja, não mais "carrega-se" a deficiência.

Usualmente, a deficiência é compreendida como tendo por base as noções da medicina especializada e com base em padrões aceitos ao redor do mundo, que caracterizam qualquer tipo de dificuldade para a integração da pessoa no meio social.

Deficientes são os que têm uma falha seja esta sensorial, seja com relação à capacidade de se movimentar ou até mesmo uma falha cognitiva. É relevante ressaltar, contudo, que a falta não se encontra no indivíduo, mas na dificuldade que esta pessoa encontra no seu relacionamento com o restante da coletividade.

A definição do indivíduo como sendo deficiente não se dá por sua constituição física ou mesmo pela redução de sua capacidade de enxergar ou ouvir, mas o embaraço que encontra para se incluir na sociedade. Uma vez definido o grau de dificuldade para a inclusão social, será definido se o sujeito possui ou não qualquer deficiência.

Nesse sentido, a Lei Complementar n. 142/2013 oferece expressamente o conceito de deficiente em seu art. 2º da seguinte forma:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igual-dade de condições com as demais pessoas.

Tal disposição reproduziu o teor do art. 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 (promulgada pelo Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009), que dispõe: Art. 1º Pessoas com deficiência são aquelas que

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têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

Proteção semelhante também pode ser encontrada no art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742/1993, para fins de concessão do benefício assistencial ao portador de deficiência, considerando-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Tais disposições são de extrema relevância, não se reduzindo a simplesmente em estabelecer as deficiências, mas de aferir seu grau com base no caso concreto e particular de cada pessoa.

1.1. Princípio da dignidade da pessoa humana

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pela Organização das Nações Unidas de 1948 traz em seu art. 1º que: "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos."

A Constituição Federal de 1988 traz este mesmo pensamento, pois surgiu em um contexto de busca da realização de direitos fundamentais do indivíduo nas mais diferentes áreas. Elegendo o Estado Democrático de Direito, o qual se destina a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, assim como o bem-estar, a igualdade, a justiça social, o desenvolvimento, foi incorporado expressamente ao seu texto o princípio da dignidade da pessoa humana como valor supremo, definindo-o como fundamento da República.

A dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental, constituí a base para toda a ordem jurídica, caracterizando-se indispensável para a ordem social. Se não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, afastando-se as condições mínimas para a existência de uma vida digna, ou seja, onde os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a digni-dade da pessoa humana, correndo-se o risco de ser mero objeto de arbítrio e injustiças. (SARLET, 2001, p. 59).

A aposentadoria do deficiente, nas palavras de João Marcelino Soares (2014), protege a minoria, a fim de que haja a efetiva justiça social:

Esta proteção às minorias encontra agudo interesse no Direito Previdenciário que, por detrás de toda sua edificação científica, não passa de um instrumento de proteção da sociedade e do indivíduo, com atenuação de riscos sociais, tutela da dignidade e emancipação civilizatória do sujeito, possibilitando que este desenvolva com tranquilidade sua personalidade e potencialidade.

Por estas razões aqueles que possuem uma deficiência não podem ser desamparados pelo Estado, devendo haver efetividade na garantia dos...

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