A concepção do crime a partir da análise da lenda 'Diante da Lei' da obra O Processo de Franz Kafka
Autor | Valine Castaldelli Silva |
Cargo | Graduada em Direito e pós-graduanda em Ciências Penais lato sensu (UEM) |
Páginas | 143-148 |
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A indagação acerca do que origina o crime é recorrente e diver-sas são as causas apontadas. Entre elas, encontra-se a lei, pois, ao tipificar condutas, criminalizaria o indivíduo.
Baseando-se nessa questão criminológica, com fundamento na obra de Giorgio Agamben, sem olvidar o livro O Processo, de Franz Kafka, em que ele respalda o seu argumento de que os indivíduos estão inseridos na lei, obedecendo-a ou infringindo-a, é feita uma análise da lei como criadora ou não do crime.
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É bastante conhecida no mundo literário a obra denominada O Processo, do autor tcheco Franz Kafka (1883-1924). tal livro, escrito e publicado em 1925, tem como personagem principal Josef K., que teria sido acusado - calúnia? - de um crime e, após percorrer alguns episódios da saga literária, no capítulo IX, denominado "Na Catedral", é narrada uma lenda que é tradicionalmente conhecida como "Diante da Lei".
Nessa lenda, contada por um sacerdote ao personagem principal do livro, em síntese, a "lei" seria como uma porta aberta em que have-ria um guardião impedindo a entrada de um camponês que nela deseja entrar2. tendo por objeto essa pequena passagem de Kafka, o autor italiano Giorgio Agamben, em sua obra Homo Sacer II, explora a lei analogamente à figura de uma porta3em que está o poder da lei, sendo impossível alguém entrar onde já se encontra inserido4.
Em uma sucinta analogia, a lei, simbolizada pela porta aberta, é guardada por um representante do Estado (guardião), que ali se encontra e vive a negar a entrada ao camponês, e este passa a sua vida ansiando entrar na "lei".
Em consonância com a análise da aludida lenda, pressupõe-se que, ao respeitar o guardião da "lei", quando este lhe diz para não adentrar a porta, o camponês estaria plenamente inserido nela, uma vez que respeita o guardião (representante do Estado). De tal maneira que, quanto mais se respeita, mais inserido na legalidade se está e, consequentemente, mais excluído se encontra da "lei".
O inverso também ocorre: quando se desrespeita a ordem do guardião, de não adentrar a porta, mais se encontrará o sujeito inserido na "lei". Narra a lenda, conforme alerta o guardião ao camponês, que uma vez ultrapassada a primeira porta, outras portas serão encontradas e nelas haverá guardiões mais fortes.
O aviso do guarda tem eco na posição adotada pelo Estado na repressão dos crimes, isso porque quanto mais se desrespeita uma ordem emanada dele (Estado, representado pelo guardião), maior a força, a reprimenda e a violência a que o sujeito será submetido, e isso já lhe é
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avisado de pronto, antes mesmo de escolher infringi-la. No decorrer do capítulo, o sacerdote faz várias interpretações da lenda e, em uma delas, há menção, por parte do guardião, de que uma vez ultrapassada a primeira porta, maiores serão os obstáculos a partir dali encontrados; em portas ("leis") mais interiores, reflete-se, então, sobre a pretensão em se criar um temor naquele cujo...
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