Liberdade: conceitos básicos, teorias, problemas

AutorAdrian Sgarbi
CargoDoutor e Pós-Doutor em Direito pela USP; Professor da PUC-Rio.
Páginas6-27
Direito, Estado e Sociedade n.35 p. 6 a 27 jul/dez 2009
* O presente trabalho se inscreve no marco do projeto de pesquisa pós-doutoral (USP 2007.2.-20 09.2.),
n° 150465/2007-6 , f‌inanciado pelo CNPq e su pervisionado pelo Prof. Dr. Tercio Sampaio F erraz Jr.
** Doutor e Pós-Do utor em Direito pela USP; P rofessor da PUC-Rio. Email: adriansgarbi@gmail.com.
1 GALLIE, 1955-1956, pp. 167-168. Com prov eito des ta const rução: C ONNOLLY, 1983. Contra:
GRAY, 1977, pp. 331-348.
Liberdade: conceitos básicos, teorias,
problemas*
Adrian Sgarbi**
A realidade pode prescindir de ser interessante, mas não as hipóteses.
(Jorge Luis Borges, A Morte da Bússola)
1. Introdução
O objetivo deste estudo é a exposição de alguns conceitos, teorias e
problemas sobre o tema da liberdade. Cumpre, no entanto, enfatizar que o
propósito ou a razão f‌inal do que aqui se pretende levar a efeito é a expli-
citação do problema da liberdade especif‌icamente no campo jurídico. Sen-
do assim, afrontar a questão da liberdade passa a ser não uma obstinação
macro-teórica de todo o seu universo compreensivo nos diversos campos
do conhecimento, mas trabalho de análise de sua estrutura no direito.
Quanto a isso, é certo que alguns trabalhos bastante gerais têm consig-
nado a impossibilidade conceitual de resolver o problema da def‌inição de
“liberdade”. Há trabalhos, inclusive, que, fazendo uso de certo escrito de
Gallie, af‌irmam com veemência a idéia de “contestabilidade essencial” do
conceito de liberdade, tendo em vista que ele está calcado em diferentes
interpretações sustentáveis a partir de modelos distintos de descrição1. De
fato, o vocábulo “liberdade” é utilizado em contextos muito variados, seja
na linguagem comum, política, teológica, sociológica, psicológica, f‌ilosó-
f‌ica, jurídica etc., o que realça a preocupação de restringirmos a análise
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Liberdade: conceitos básicos, teorias, problemas
conforme o objetivo evidenciado. Fala-se em liberdade “para agir”, liber-
dade “de cátedra”, liberdade “de expressão”, liberdade “de pensamento”,
liberdade “de criação”, liberdade “religiosa”, “social” etc.
De todo modo, tudo indica que uma das fortes razões para haver es-
sas noções “inf‌lacionadas” de liberdade é o fato de esta ser considerada
uma condição de possibilidade para a racionalidade prática, é dizer, para
a compreensão da atuação humana que de algum modo produz efeitos
signif‌icativos nos demais agentes sociais. Por esse motivo que uma de suas
descrições mais presentes é aquela que traduz a liberdade da seguinte ma-
neira: “X é livre de Y para fazer (ou omitir, ou ser, ou ter) p», sendo que “X,
Y e p” expressam, respectivamente: 1) um sujeito ou agente ao qual segue
estabelecida a liberdade (ou aquele ao qual se predica a qualidade de ser
“livre”); 2) a ausência de constrição ou restrição à sua liberdade (liberdade
do agente ao qual se diz ser livre); e 3) a especif‌icação da ação ou da omis-
são, modo de ser ou ter que concretiza a liberdade predicada.
Entretanto, ao menos desde Benjamin Constant, os teóricos e os f‌i-
lósofos da política têm debatido o tema da liberdade contrapondo basi-
camente duas compreensões: a liberdade dos “antigos” e a liberdade dos
“modernos”2. Para Constant, a liberdade dos antigos caracteriza-se pela
“participação dos indivíduos” no poder político, uma autonomia; e a liber-
dade dos modernos, encontra seu traço na “atuação nos espaços livres” por
parte de alguns indivíduos; estes, compreendidos como campos protegi-
dos contra a invasão ou ingerência decorrente tanto da atuação de outro
indivíduo como do próprio poder político.
A esse respeito, Isaiah Berlin divide conceitualmente a idéia de liber-
dade em liberdade positiva e liberdade negativa. Tudo ocorreu no ano de
1958 quando proferiu a aula inaugural na Universidade de Oxford exami-
nando o tema da liberdade.
De fato, seu argumento não era novo, embora o tenha ajeitado de modo
todo peculiar. Por “liberdade negativa” designou Berlin a esfera de atuação
sem interferência; e por “liberdade positiva” o desejo do indivíduo de go-
vernar a si próprio. Ou seja, Berlin utiliza os termos liberdade “positiva”
e liberdade “negativa” para designar o que chama de “dois conceitos de
liberdade”. Segundo sua leitura, liberdade é conceito que deve ser com-
2 CONSTANT, 1872, p. 548; BOBBIO, 1995, pp. 4 8-95; 1999, pp. 267. Entre nós: LAFER, 19 80, pp.
11-48; REALE, 20 00, pp. 17-42.
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