Conceito, critérios da subordinação e papel da jurisprudência

AutorTatiana Guimarães Ferraz Andrade
Ocupação do AutorAdvogada. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela mesma Universidade
Páginas40-71

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4.1. Conceito e fundamento

A palavra subordinação possui muitas acepções de aplicação genérica90, remete à ideia de submissão, de dependência de uma pessoa a outrem, no sentido de um dever ou obrigação, já que a vida em sociedade implica necessariamente que uma pessoa esteja subordinada a um poder heterônomo (ex. Estado) ou autônomo (delimitado pela autonomia da vontade das partes, regulada pela ordem jurídica)91.

No tocante ao Direito do Trabalho, a visão da subordinação se refere à sujeição da atividade desempenhada pelo trabalhador ao empregador, nas diversas acepções que a dependência possa assumir, como será demonstrado.

Delimitado o conceito de subordinação que serve de objeto de estudo do Direito do Trabalho, insta demonstrar o fundamento para a utilização de referido conceito.

Com efeito, a origem histórica do Direito do Trabalho italiano mostra que este teve origem civilista, baseado na locação de serviços.

Ludovico Barassi teve grande importância na construção doutrinária do conceito de subordinação, utilizado até os dias atuais, com base na obra Il contrato di lavoro nel diritto positivo italiano, publicada pela primeira vez em 1901.

Na clássica obra, o autor introduz o conceito fundamental da subordinação, já que na locação de serviço "o trabalhador é um instrumento e um instrumento passivo, no senso que ele presta sua própria atitude física e intelectual para que outra parte a dirija como bem entender"92.

A partir disso, Barassi deu especial destaque à subordinação, tendo como base a energia do trabalhador colocada à disposição do empregador de um lado, e, de outro, o poder diretivo deste último.

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Amauri Mascaro Nascimento enfatiza que "Barassi fez da subordinação a força atrativa da aplicação de uma legislação social especial para proteger o operário de fábrica93", o que justifica a importância do estudo do autor italiano para o Direito do Trabalho.

Barassi teve inovadora contribuição para a construção do que viria ser o conceito de empregado, já que, até então, as relações laborais tinham tão somente base civilista para regê-las, citando-se como exemplo o Código Civil francês, que tratava do contrato de prestação de serviços como contratos de locação de coisas ou de obra (arts. 1.708 e 1.709), mediante os quais uma pessoa se obriga a fazer determinada coisa mediante retribuição94.

Ademais, Barassi também inova ao trazer o que seria tratado pela doutrina como gradação da subordinação, eis que o empregado não coloca sua energia em favor de outrem de forma despropositada e sem consciência95.

Justamente por isso, o autor entende ser impossível que haja uma prestação de serviços de outra forma que não fosse subordinada ou autônoma96.

A contribuição de Ludovico Barassi ao Direito do Trabalho se faz presente até os dias atuais, em razão de ter delimitado o critério da subordinação, na acepção jurídica, e não da dependência econômica.

Giuseppe Santoro-Passarelli também leciona sobre as origens da divisão entre trabalho autônomo e subordinado no direito italiano, recorrendo à análise do art. 1.570 do Código Civil de 1865, cujo art. 1.570 c.c., sob a influência do Código Civil Napoleônico, determinava como contrato de locação de trabalho aquele segundo o qual uma parte se obriga a fazer alguma coisa mediante retribuição97. O autor prossegue sustentando que o art. 1.627 do referido diploma indicava as espécies de locação de trabalho98.

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Assim, o § 1º do art. 1.627 contemplava a forma que o próprio trabalhador dispusesse de sua mão de obra em outro serviço, o que corresponderia ao trabalho subordinado, pois o trabalhador, além de dispor de sua energia laborativa, permanece à disposição do empregador, ao passo que o § 3º tratava da empreitada (locatio operis) cujo objeto também é a prestação de um serviço, porém, com o alcance do resultado, as obrigações deixam de existir, sem que o trabalhador permaneça à disposição.

No tocante à utilização da palavra subordinação, Amauri Mascaro Nascimento99 leciona que esta foi empregada pela primeira vez na França pelo jurista Paul Cuche, na obra Du rapport de dépendance, élément constitutif du contrat de travail, publicada em 1913, quando afirmou que existe locação de serviço ou contrato de trabalho sempre que o sujeito que executa a prestação é colocado em uma situação de dependência econômica ou subordinação diante de quem o remunera100.

Diante disso, o contrato de trabalho (ou locação de serviço) existiria se houvesse subordinação ou dependência econômica.

Contudo, foi somente com a substituição da expressão "prestação de serviços" por "contrato de trabalho", em 1973, em que pese à imprecisão desta fortemente criticada pela doutrina, que se abandonou uma concepção puramente materialista da contratação, dando enfoque à pessoa do trabalhador.

Desde então, resta definido que existirá trabalho subordinado quando um sujeito se coloca, voluntariamente, em posição inferior a outro, cujo dever de remunerar e dirigir a prestação de serviços do primeiro lhe incumbe.

Como já visto nesta obra, a história do Direito do Trabalho demonstra que se optou pela consagração do trabalho subordinado como objeto de estudo da disciplina.

António Menezes Fernandes Cordeiro acrescenta que a subordinação é um fenômeno jurídico que traz reflexos a outras ciências, e não somente ao direito, o que justifica, novamente, a importância de sua correta aplicação101.

Maria do Rosário Palma Ramalho explica que, para delimitar o conceito de trabalho objeto do direito, deve-se ter em mente as ideias de atividade positiva e

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produtiva, além de liberdade, onerosidade e subordinação. A tais elementos acrescenta-se a natureza de atuação do credor do trabalho (empregador)102.

Assim, a autora conceitua o trabalho subordinado como a atividade humana produtiva de um trabalhador livre e dependente, voltada à satisfação das necessidades de outrem e desenvolvida a título oneroso para este103.

Ocorre que há situações diversas, principalmente com a evolução e proliferação de novas formas de trabalho, nas quais o uso da fórmula supra não é suficiente para definir se a relação de emprego se faz presente ou não.

Com efeito, no caso brasileiro, utiliza-se como fundamento do trabalho subordinado o art. 3º da CLT104, bem como o art. 442105 do mesmo diploma, o qual se refere apenas ao contrato individual de trabalho, conceituando-o como "o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego", sem menção, novamente à subordinação.

Sérgio Pinto Martins faz ressalvas à redação do art. 442, pois sustenta que o contrato de trabalho não pode corresponder à relação de emprego. "Ou é ou não é."106.

Assim, mostra o autor que o contrato de trabalho dá origem à relação de emprego, o que denota a concepção mista do artigo, pois traduz tanto o entendimento dos contratualistas (acordo tácito ou expresso) quanto dos institucionalistas (relação de emprego).

Para Ludovico Barassi107, o contrato de trabalho realmente cria a relação de emprego e não corresponde a esta.

Délio Maranhão108 também critica o artigo em comento, afirmando que este seria confuso quanto à função que se propôs, ainda que tenha fundamento institucionalista e de contratualidade.

Arion Sayão Romita pondera que o intuito do legislador, ao afirmar que o contrato de trabalho corresponde à relação de emprego, era tão somente promover a ocupação do emprego pelo trabalhador109.

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De acordo com Antonio Lamarca, o contrato de trabalho é "a locação de serviços mais a dependência"110.

Segundo Adilson Bassalho Pereira, a subordinação não é simplesmente um critério de caracterização do contrato de trabalho, mas é tão fundamental quanto o próprio trabalho, já que o empregador contrata o empregado para realizar um trabalho de forma subordinada111 112.

Ademais, prossegue o autor, a importância da subordinação se dá, eis que há situações em que o trabalhador não presta serviços, mas permanece subordinado às ordens e diretivas do empregador, pois está à disposição deste (art. 4º da CLT), sendo que qualquer atitude lesiva, por parte do trabalhador, poderá ensejar a ruptura motivada do contrato de trabalho, ainda que o contrato esteja suspenso ou interrompido.

De todo modo, não há uma conceituação do trabalho subordinado na CLT ou em qualquer outro diploma trabalhista.

A legislação previdenciária tampouco define o que seria a subordinação, embora utilize esta como critério para que o segurado seja considerado empregado no art. 12 da Lei n. 8.212/91113.

Diante desse panorama, conclui-se que, no Brasil, não há definição legal de subordinação, sendo tal problemática igualmente vivenciada por diversos outros países.

Em razão da dificuldade do legislador de definir a subordinação, há diversas teorias doutrinárias para explicá-la, em distinção do autônomo, destacando-se114:

(i) teoria do risc o: o trabalhador subordinado, ao contrário do autônomo, não assume os riscos da atividade que desempenha, sendo esta uma característica típica do empregador, a teor do que estabelece o art. 2º da CLT115; (ii) teoria da propriedade

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dos instrumentos de trabalho: o trabalhador autônomo seria detentor dos meios de produção, ao passo que o subordinado utiliza os meios de outrem; (iii) teoria do resultado do trabalho: se o trabalhador recebe um pagamento pelo que produz, é considerado subordinado, mas, caso tenha o resultado primeiro e permaneça com o que produz, será autônomo; (iv) teoria da relação entre trabalho e remuneração: quando a remuneração é contratada em função de determinado resultado, tratar-se-á de trabalhador autônomo. Entretanto, se a remuneração se destinar a pagar o trabalho em si, será a hipótese de trabalhador...

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