Conceito e caracterização do assédio sexual

AutorMarco Aurélio Aguiar Barreto - Camila Pitanga Barreto
Páginas19-42

Page 19

O assédio moral ainda não está tipiicado em lei especíica, embora passível de enquadra- mento, em especial, na Consolidação das Leis do Trabalho. Por outro lado, o assédio

sexual já está tipiicado, no art. 216-A, do Código Penal Brasileiro.3

Trata-se de um crime contra os costumes, especialmente, contra a liberdade sexual, considerado próprio e puro, porque deixa de ser considerado como crime, caso cometido por sujeito diverso do indicado no tipo penal. O sujeito ativo é, exclusivamente, a pessoa que seja superior hierárquico ou tenha ascendência no trabalho4 sobre o sujeito passivo, que é subordinado ou empregado — não subordinado diretamente — de escalão inferior ao sujeito ativo.

São crimes comissivos porque dependem de uma ação, cuja consumação dá-se por uma única conduta, que constrange e é suiciente para produzir o resultado, independentemente da obtenção do favor sexual, por isso, instantâneo.

O núcleo do tipo penal deinidor do assédio sexual é o constrangimento e, além disso, não se restringe à mulher como vítima, pois a expressão do legislador independe de opção sexual. Isto, ao contrário do contido, por exemplo, no art. 213, do Código Penal Brasileiro que delimita a hipótese de estupro ao ato de “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”, ou ainda, na hipótese de atentado violento ao pudor, expresso no art. 214, do mesmo diploma legal como, “constranger alguém, mediante violência ou

Page 20

grave ameaça, praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”.

Em sentido estrito, o assédio sexual no trabalho requer a presença do constrangimento praticado pelo agente contra qualquer pessoa, valendo-se da sua condição de superior hierárquico da vítima, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. É importante que se destaque bem o tipo penal, haja vista que não se confunde com outras atitudes impertinentes, insistências inoportunas praticadas no ambiente de trabalho ou em razão deste, sem a presença necessária da superioridade hierárquica ou a promessa de vantagem sexual em troca de favorecimento na empresa. São as situações que podem ser enquadradas como incontinência de conduta, o que será melhor detalhado mais adiante em item especíico no decorrer deste trabalho.

A prática do assédio, notadamente, sob a espécie sexual, constitui uma grave violação aos direitos fundamentais da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho, elevados à categoria de princípios fundamentais que regem a República, assumida como Estado Democrático de Direito, conforme sua apresentação no art. 1º da Constituição Federal de 1988. Ademais, a relação de trabalho pressupõe o caráter contratual formal ou informal — expressamente escrito, verbalizado ou tácito — portanto, o assédio contraria a boa-fé que deve estar presente nas relações de trabalho.

Em regra, a coniguração do assédio sexual requer a presença da relação de poder entre o assediador(a) e assediado(a), além do comportamento repetitivo do agente em suas abordagens, agindo como forma de provocar o desejo sexual da sua vítima e atingir o seu objetivo.

Nesse ponto, Vólia Bomim Cassar, defende que “o conceito de assédio sexual deve abraçar toda conduta sexual praticada, normalmente de forma reiterada, contra alguém que a repele”5, no que destaca sua concordância com Rodolfo Pamplona, para quem se considera assédio sexual toda “conduta de natureza sexual não desejada que, embora repelida pelo destinatário, é continuadamente reiterada, cerceando-lhe a liberdade sexual”6.

Discorda-se dessa linha de entendimento quanto à necessidade de reiteração do comportamento do assediador. Isto porque a abordagem do agente, mesmo que sendo uma exceção à regra, pode ser tão contundente, grave, direta e, seguramente comprovada, que não restem dúvidas da presença do nefasto fenômeno do assédio sexual, embora seja sabido que a prova nem sempre seja fácil de ser obtida.

E como pode acontecer? A título de exemplo, se mediante algo escrito, por e-mail, bilhetes ou, se for possível, a gravação das seguintes abordagens: 1) você tem talento, mas, acima de tudo, é atraente. E se transar comigo poderá ascender mais rápido na empresa!; 2) quer fazer carreira na empresa? O pedágio é na minha cama!

Tais abordagens são suicientes para o preenchimento do tipo legal, eis que é instantânea a agressão à integridade moral e psicológica da vítima, que se sente humilhada, insultada e intimidada, como nas hipóteses.

Page 21

Contudo, importa salientar que o pressuposto para a tipiicação da conduta reside na ausência de consentimento da vítima.

Em tese, são elementos do tipo: 1) a coerção de caráter sexual praticada por superior hierárquico, ou seja, a presença do abuso de poder; 2) irrelevância do local da ocorrência, se interno ou externo ao ambiente da empresa, mas desde que praticado por superior hierárquico, com a presença do elemento intimidação para obtenção do favorecimento sexual;

3) pouco importa a preferência sexual dos envolvidos.

Conquanto, há quem não concorde com o conceito restritivo previsto no Código Penal, que em verdade, se limita a deinir o assédio sexual no trabalho, o que não quer dizer que não existam outras situações de assédio sexual fora da relação de trabalho. Nesse sentido, para destacar o posicionamento de Vólia Bomim Cassar7, em seu excelente trabalho:

(...) Entretanto, em termos trabalhistas defendemos que o assédio sexual tem contornos mais amplos, escapando do tipo penal, porque é inaceitável que o empregador pratique, permita a alguém praticar ou mantenha ambiente de trabalho hostil e ameaçador, sob a ótica sexual. Ademais, é possível um empregado fazer chantagem sexual contra sua gerente, obrigando-a a relações carnais, para manter o sigilo de segredo pessoal ou proissional a que teve acesso. O assédio sexual pode ser praticado por qualquer pessoa (empregado ou empregador) e, por ser uma violência contra a outra pessoa, é conduta faltosa que dá ensejo à justa causa ou despedida indireta (...).

O assunto assédio sexual tem sido preocupação constante dos operadores do Direito, tanto que o Tribunal Superior do Trabalho tem se pronunciado a respeito em matérias esclarecedoras, por intermédio de seus boletins informativos, por sua Assessoria de Comunicação Social, a exemplo da seguinte, assinada por Carmem Feijó8, extraída da página do referido Tribunal na Internet, onde enfatiza como a prática desse tipo de assédio chega à Justiça do Trabalho, os seus tipos mais frequentes e como ocorrem as responsabilizações nas esferas cível, trabalhista, penal e administrativa, em ações direcionadas aos empregadores porque responsáveis pela sanidade do ambiente de trabalho, e a pessoa física do assediador responsável pelo ato ilícito. Para enriquecer a pesquisa, colaciona-se a seguinte transcrição:

Esta é a forma mais frequente pela qual a prática — tipiicada como crime pela legislação brasileira — chega à Justiça do Trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho tem recebido casos desse tipo em grau de recurso, a partir de reclamações movidas contra os empregadores por trabalhadores que foram vítimas de assédio, ou por trabalhadores que se viram envolvidos, de alguma forma, em situações dessa natureza.

A prática de assédio sexual foi integrada ao Código Penal em 2011, tornando-se crime sujeito à pena de detenção de um a dois anos. “Além de ser crime previsto no art. 216-A do Código, trata-se de uma conduta que gera responsabilidade

Page 22

civil passível de indenização por danos morais”, explica a ministra Maria Cristina Peduzzi, do TST. No âmbito penal, é a pessoa física do assediador que responde pelo ato ilícito. Como, por deinição, trata-se de ato diretamente vinculado à relação de trabalho, no âmbito civil as partes têm recorrido à Justiça do Trabalho.

As ações trabalhistas que têm como matéria principal o assédio sexual são basicamente, de três tipos. O primeiro são os pedidos de indenização por danos morais por parte das vítimas. Há também os pedidos de rescisão indireta do contrato de trabalho — situação em que o empregado pede judicialmente sua demissão, tendo direito a todas as verbas rescisórias, como se tivesse sido demitido — quando se vê vítima desse tipo de comportamento. Há, ainda, processos envolvendo demissão por justa causa, especialmente quando a denúncia é contra o próprio patrão.

(...)

Para a ministra Cristina Peduzzi, a tipiicação do assédio sexual no Código Penal e as condenações por danos morais “têm o efeito pedagógico de evitar a proliferação de práticas dessa natureza”. Tanto é que há informações de que grandes empresas estão atentas ao problema e têm adotado políticas ostensivas para evitar o assédio sexual, informando a seus empregados sobre a gravidade das consequências da conduta delituosa.

Na citada matéria informativa, que por si, inspira o debate sobre o assunto, sob esse aspecto acerca da delicadeza do tema e diiculdades de comprovação da ocorrência da prática desse tipo de assédio, Carmem Feijó9, com apoio em negativa de provimento de um agravo pelo Tribunal Superior do Trabalho, destaca que:

Tratando-se de questão delicada e de difícil comprovação, a Justiça tem tomado cuidado para evitar que a acusação de assédio sexual seja utilizada de má-fé ou de forma indevida. Recentemente, o TST negou provimento a agravo movido por um trabalhador que, demitido ao im de contrato de experiência, airmou ser vítima de discriminação por parte de seu chefe que, segundo suas alegações, “buscava fazer com que seus subordinados, entre eles o reclamante, estivesse disposto a saciar suas ânsias sexuais despadronizadas, e, com a recusa do reclamante, efetuou a ameaça de dispensa e, ante nova negativa, realizou a ameaça.” Neste caso, o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT