O Conceito de Justiça segundo o pensamento de Immanuel Kant na criação judicial do Direito

AutorAntonio Carlos Bottan - Moacyr Motta da Silva
Páginas119 - 133

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Palavras-Chave

Idéia de Justiça1; Política Jurídica2; Criação Judicial do Direito3; Dogmatismo4; Conceito de Justiça em Kant; Ideologia5

Abstract

This article studies aspects of the Philosophy of Law in Kant, as a theoretical proposal for discussing the new profile of the Judge in the Brazilian System of Judiciary Power. Within this line of thought, it deals with some conceptual aspects relating to legal training in teaching-learning process. It raises issues related to what is known as the Crisis of Judiciary Power. Space is set aside for discussion of the aspects of Legal Policy and the Judicial Creation of Law, as instruments for the fulfillment of Justice. The Final Considerations return to some proposals for resolving the problem under debate.

Key Words

Idea of Justice; Legal Policy; Judicial Creation of Law; Dogmatism, Concept of Justice in Kant; ideology

1 Introdução

O ensino jurídico brasileiro constitui, atualmente, motivo de sérias preocupações de todos que, vinculados à área jurídica, pensam uma democracia efetiva para o Brasil. A ideologia e o dogmatismo constituem as características básicas da formação do acadêmico em Direito no Brasil. Nesse aspecto, Rodrigues (2000) sustenta que a criação dos Cursos Jurídicos foi efetivamente norteada a um ensino jurídico voltado à formação de uma ideologia de sustentação política e à preparação de meros técnicos endereçados às funções burocráticas estatais. Inúmeros Cursos de Direito são meros reprodutores do conhecimento teórico, com o gravame da manutenção do tradicionalismo conservador dos problemas brasileiros. O positivismo exerce expressiva influência no pensamento e na cultura jurídica do Brasil. Esse modelo de formação jurídica não é sensível às necessidades coletivas, pois se restringe à análise da legalidade e da validade das normas jurídicas, olvidando, por inteiro, os problemas de eficácia e de legitimidade da lei. Via de regra, o acadêmico em Direito não é estimulado pelo professor do Curso a ter uma visão multidisciplinardo fenômeno jurídico. Temse observado que não basta a reforma da matriz curricular, sua flexibilidade, a inclusão de novos conteúdos e dos novos direitos, inclusive a Monografia (Trabalho de Conclusão do Curso), para mudar o quadro acadêmico vigente. Observase a necessidade de substituir o tradicional método – formal, com a implantação de um sistema dinâmico de ensino – aprendizagem, que conduza a métodos de visão crítico-reflexiva do Direito.

Entendese oportuna a manifestação de Rodrigues (2000, p.29): “o caminho da recuperação do direito e de seu ensino jurídico, como meio de libertação intelectual, filosófica, jurídica e psicológica, é pondoo a serviço de toda a Sociedade, da democracia e da justiça social, recriando a esperança, os desejos, o sonho e recepcionando as diferenças”. Nessa ambiência, comporta evidenciar a relevância da consciência jurídica, como estímulo aos discentes dos Cursos Jurídicos. Na mesma linha de raciocínio, Pasold (1986) posicionase no sentido de terem a noção exata dos direitos e dos deveres que o indivíduo possui, como ser social, para consigo mesmo, para com seus cocidadãos e para com a coletividade. O Bacharel em Direito, além de outras funções, tem, por dever de seu juramento, uma indispensável função social, cujo compromisso será extensivo ao portador de diploma na área da ciência jurídica, no exercício da judicatura brasileira, tornandoo imensamente responsável pelo produto de seu labor jurisdicional.

Sobre o que se espera da formação do futuro operador jurídico, convém indicar não se tratar de aprendizado livresco. Ao revés, como destaca o Conselho Federal da OAB (2000), a Faculdade de Direito não foi instituída apenas para a pesquisa bibliográfica, mas deve ela preocuparse com o que está na vida, sob pena de desperdiçar as energias docentes e discentes. Precisa envolverse com sua comunidade acadêmica na construção de uma Sociedade melhor, fundada nos princípios da justiça.

Os operadores jurídicos não podem permanecer inertes, alheios à realidade e muito menos marginalizados. As mudanças no ensino e no perfil do futuro profissional do Direito passa pela necessidade imperiosa de se extinguir, de acordo com o pensamento oficial do Conselho Federal da OAB (2000), o pedantismo retórico exacerbado, acrítico e ahistórico. Com igual critério, procurase afastar a imposição de um conhecimento envelopado, no qual a eloqüência, não raras vezes, ocupa, indevidamente, o lugar da argumentação, do raciocínio jurídico.

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Neste artigo, pesquisase o Conceito Kantiano de Justiça, como uma forma de contribuição à proposta do novo perfil do profissional do direito, em especial do magistrado brasileiro, delineada pela Política Jurídica. O juspolítico a dispõe como um instrumental adequado, na ação participativa sócio-jurídica, com vistas às mudanças sócio-econômicas, fruto do consenso da coletividade na aplicação do direito justo. Nesse sentido, é a posição de Ross (1974), para quem o direito tem um objetivo primordial: aperfeiçoar a idéia de justiça, a ele inerente. À Política Jurídica caberia o difícil, mas indispensável encargo de ensinar como atingir o fim colimado. A Política do Direito, além de orientar o legislador na elaboração da lei, será um guia aos operadores jurídicos em geral e, em especial, aos juízes.

2 A Crise do poder judiciário brasileiro

Neste estudo, a crise do Poder Judiciário Brasileiro será considerada sob dois aspectos: a) o caráter dogmático da interpretação das leis; b) o ensino jurídico limitado à visão dos códigos de leis, com ênfase ao formalismo jurídico. A combinação destes dois fatores gera o que se chama de Crise do Poder Judiciário, no sentido de que o conhecimento do Direito, adquirido nos cursos de formação, conduz o operador jurídico aos estreitos limites do dogmatismo.

A respeito das formas tradicionais positivistas, Silva (2003, p.20) explicita: “São notórias e antigas, aliás, as críticas que se fazem às formas tradicionais de positivismos legalistas, próprias de civilização burguesa liberal”. Na interpretação do jurista, são produtoras de sistemas jurídicos que pugnam tão somente pela proteção das liberdades e igualdades abstratas e formais. Segundo o autor, a tutela processual é apenas formal e retórica, à medida em que, de maneira acelerada, se distancia da vida social real.

Nessa senda, Azevedo (1989, p.20) comenta que “a redução da aplicação do direito ao esquematismo lógico-formal que transforma em aplicação-subsunção, impossibilitando a aplicação-recriação, termina por desacreditar o juiz perante a opinião pública, semeando a insegurança e a descrença entre os jurisdicionados”.

Nalini (1999), a seu turno, considera o jurista um cientista “que aproveita do positivismo sua melhor contribuição, que é a dicção pura, mas transcende limites do formalismo jurídico para ganhar ahercúlea dimensão do cientista multidisciplinar”. Ademais, o autor sustenta que o jurista deve, a par de sua formação acadêmica, “estudar os outros ramos das ciências sociais para complementar sua cultura, ganhando a universalidade que seu perfil está a exigir”. Já quanto ao Juiz do futuro, o doutrinador pondera que “precisa ser o profissional da harmonização”, e também sem desconhecer a luta pelo direito, dele se espera que seja sensível e “empenhado em propiciar a autocomposição, sem pruridos para encaminhar uma saudável conciliação e menos preocupado em dizer a lei”.

Para superar a crise que se abate sobre o Poder Judiciário, precisase estimular as vias alternativas de pacificação social, invocando a arbitragem, a conciliação, a mediação, como meios de solução dos conflitos: “o próprio processo, como técnica, passa por uma ‘deformalização’, procurandose uma via menos formal e mais rápida e econômica para atender às pessoas que ficam impedidas de recorrer ao Poder Judiciário”(MARINONI,1996, p.37). Como instrumentos de resolução de litígios, temse à disposição os Juizados Especiais Cíveis, o Juízo Arbitral e as Comissões de Arbitragem, os quais, se adequadamente empregados, contribuirão para o resgate da credibilidade do Poder Judiciário Brasileiro.

O emprego de vias alternativas na composição dos conflitos reduz ou dispensa a cobrança das custas processuais, diminui e evita recursos abusivos e meramente protelatórios e permite o efetivo acesso à ordem jurídica justa. A própria Sociedade reclama...

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