Comunicação e humanização

AutorValdir Cimino
Páginas205-224
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Chegamos até aqui e já se tornou perceptível a necessidade da
comunicação como instrumento fundamental para a solidez da implan-
tação da Política Nacional de Humanização da Saúde. Não apenas ela,
é claro, pois diretrizes e dispositivos se mostram, cada qual a seu modo,
responsáveis pela consecução desse objetivo. No entanto, também eles
carregam consigo uma carga de comunicação que torna possível o seu
objetivo nesse universo, hoje bastante confuso, em especial pela ausên-
cia do ato de bem comunicar.
Por meio da comunicação os profissionais poderão melhor discu-
tir projetos terapêuticos entre as especialidades, também a cogestão se
abre a ouvir aos setores profissionais e aos usuários para que haja uma
administração eficiente, o acolhimento ocorrerá mediante a atenção
verbal que demonstre solidariedade com a situação que o paciente este-
ja vivenciando, a adesão ao tratamento se torna eficaz, enfim, por ela a
rede do sistema de saúde passa a ter uma transparência nas informações
que acaba por incentivar o profissional e produzir saúde a todos os per-
sonagens envolvidos.
Em um de nossos programas patrocinados pela Conexão Médica
e Associação Viva e Deixe Viver tivemos a grata satisfação em receber
a profissional publicitária Maria Luiza de Jesus Crociquia, também
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VALDIR CIMINO
professora de Relações Públicas e Publicidade e Propaganda na Facul-
dade de Comunicação e Marketing da Fundação Armando Álvares
Penteado. O tema de seu debate foi sobre a “Comunicação na resolução
dos problemas de saúde”.84
Para que o termo comunicação fosse contextualizado à área da
saúde, a professora Maria Luíza procurou tratá-la pelo ponto de vista da
comunicação humana e não tecnológica. Ela fala, portanto, sobre o ato
de comunicar, e como tal busca conceituar o ato de comunicar como
um ato de troca, propriamente dito. É uma troca de sentimentos, de
ideias, de informação, como ficou expresso em todas as fases que expu-
semos até o presente momento, afinal, por exemplo, os sentimentos
valem para o paciente, mas também para o funcionário que trabalhe na
equipe.
Como canal de comunicação de ideias e de informação, a comu-
nicação se mostra um instrumento por excelência para que os projetos
tenham o andamento esperado e para que haja perfeita fluidez das
observações de todos os atores em todos os setores. Dito isso, é tam-
bém um confronto de ideias, como a professora bem observa, inclusive
ressaltando que é um confronto no sentido de crescimento para todos
os envolvidos, essencialmente para o bem desenvolver dos objetivos da
organização.
Comunicar, explica-nos a professora Maria Luiza Crociquia, é
assimilar a consciência de que deve haver uma empatia durante todo o
processo de produção de saúde, afinal, é preciso assimilar a consciência
do paciente, do trabalhador, das necessidades, enfim. É proporcionar a
criação e o desenvolvimento de atitudes como desejo e afeto sobre uma
plataforma comum a todos.
A comunicação é intrínseca ao ser humano, e, sendo este sociá-
vel por natureza, se vale da comunicação para melhor conviver nesse
espaço que o cerca. A interação é fundamental para o ser humano,
84 VIVA HUMANIZAÇÃO. A Comunicação na resolução dos problemas da saúde.
Palestrante: Maria Luiza de Jesus Crociquia. Vídeo (1:00:48s). Disponível em:
www.youtube.com/watch?v=MyLCqYeLdEk>. Acesso em 12 jan. 2015.
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sendo altamente prejudicial se dela venha a abrir mão, isolando-se. Im-
porta dizer que o isolamento pode se manifestar também quando o
profissional se recuse a interagir em seu ambiente de trabalho, seja por
timidez, seja por acreditar-se superior aos demais.
O conhecimento, a formação profissional, diga-se de passagem, é
feita mediante a comunicação. Eles não existem para que sejam guardados
como propriedade exclusiva de umas poucas pessoas. E, cumpre dizer,
o conhecimento não é um campo limitado de saber a ponto de excluir
a possibilidade de que alguém menos preparado não possa acrescentar-lhe
uma observação valiosa.
A tecnologia abriu a comunicação de forma surpreendente. E
não estamos tratando especialmente da existente em nosso tempo.
Gutemberg, ao inventar a prensa, possibilitou a expansão do conhe-
cimento mediante o fabrico de livros e isso representou uma tecnolo-
gia bastante avançada e eficiente. Atualmente, com o advento da inter-
net e dos satélites, a comunicação se tornou algo rápido, com grande
quantidade de acesso a todo o tipo de informação e conhecimento,
contudo, também proporcionou que pessoas deixassem de ter um
contato pessoal mais próximo, do tipo de parar para ouvir e conversar
umas com as outras, a exemplo do que faziam os antigos médicos de
família, hoje resgatados inclusive pelo reconhecimento da eficácia de
sua comunicação.
Ao falarmos aqui sobre o médico de família aproveitamos para
resgatar um aspecto que tem sido ressaltado ao longo destas linhas. Tra-
ta-se de termos consciência de que atos eficazes do passado devem ser
reconhecidos e precisam ser resgatados, quando não apenas mantidos,
ou até mesmo aprimorados. Aquilo que se mostra eficiente e eficaz tem
seu mérito e merece todo o acolhimento no rol das informações que
pretendem renovar paradigmas dentro do sistema de saúde, através da
implantação da Política Nacional de Humanização.
Por que falamos disso? Também porque a professora Maria Luíza
Crociquia resgata um ponto importante, em total consonância com o
discurso de todos os debatedores em nossos programas e nos congressos
de humanização, que é aquele que passa pelo papel do educador no
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processo de formação do futuro profissional de saúde. Ela, de forma
muito feliz, ressalta que “a educação começa na casa das pessoas”.
A humanização também começa na casa das pessoas, assim como
arrogância e preconceito. Isso é um fato e precisa ser encarado de forma
responsável para que haja a construção de um mundo melhor. O pro-
fissional de saúde precisa se conscientizar disso, tornando-se um instru-
mento de transformação dentro de sua própria família, na sociedade e
na organização em que exerça seu ofício, humano por natureza.
Desde os primeiros bancos escolares, aos professores e educadores
em geral cabe a responsabilidade em mostrar que a troca é essencial para
o desenvolvimento das pessoas e que, efetivamente, todas as pessoas são
importantes dentro desse desenvolvimento, alcançando de forma mais
ampla possível a todos os que tenham contato com a informação que
agrega, que faz pensar, que transforma, que, enfim, educa. É parte da
função do educador mostrar a importância da interdisciplinaridade, do
convívio e da troca, lembra-nos a professora Maria Luíza Crociquia.
Voltando nossa atenção às particularidades do dia a dia do profis-
sional no sistema de saúde, sabe-se bem, e aqui isso ficou bastante claro,
quase não há tempo para que o atendimento alcance o objetivo de
produzir saúde, de forma qualitativa. Em seu lugar, pratica-se a política
dos exames laboratoriais e dos medicamentos, em detrimento de se
ouvir o paciente, o que poderia apontar caminhos mais eficientes e
humanos. Contudo, a professora Maria Luiza Crociquia lembra-nos que
isso nem sempre é uma questão de tempo, mas de treinamento do pro-
fissional para que aprenda uma linguagem que leve as pessoas a o com-
preender melhor.
Sua lição conclui-se em um fato inquestionável. Pode-se levar
mais tempo em um primeiro momento, tanto para que gerações de
profissionais se transformem como para a prática desse tipo de atendi-
mento, porém, um tempo depois, há que se mostrar em forma de be-
nefícios inestimáveis. A boa compreensão por parte do paciente permi-
te, inclusive, uma melhora mais rápida, mais eficaz. Se, por exemplo,
bem orientado quanto às questões preventivas, pode diminuir os custos
substanciais para o sistema de saúde.
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Ser um bom profissional, sobretudo da área médica, é permitir-se
transitar pela plataforma da comunicação. É falar quando se tenha dú-
vida ou algo a dizer, é ouvir para que haja acolhimento e atenção, e isso
tudo começa no interior de cada indivíduo. É preciso abrir-se a essa
possibilidade. Esse desenvolvimento interior faz com que exista um
melhor desenvolvimento social, porque começamos a sentir uma maior
empatia, conclui a professora Maria Luíza Crociquia e, ato contínuo,
sentencia: comunicação é interação.
Por essas aberturas surgem características como o respeito que
se estende não apenas aos pacientes, mas às equipes e a si próprio
como profissional, como ser humano. Isso é proporcionado pelo
conhecimento que se abre à empatia. O que é empatia senão o que
bem conceitua o dicionarista Antônio Houaiss, ao afirmar que é a
“capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela
sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela
apreende”.85
A comunicação dentro do hospital influencia em muito na re-
cuperação do paciente, como bem coloca a Profa. Maria Luiza Cro-
ciquia. Deve haver uma interação entre todos os membros da equipe,
extensiva a todos os funcionários da organização que trabalhem em
áreas administrativas. Isso deve ser levado em consideração, afinal,
dependendo do paciente, este poderá encontrar facilidade em comu-
nicar-se mais com um funcionário que trate da limpeza do ambiente
do que propriamente com um enfermeiro, que é a pessoa com quem
o paciente passa mais tempo.
Não que um médico terá que se reportar ao funcionário da lim-
peza para ter certeza do que seja melhor, mas, por exemplo, as ocasiões
de reunião dos conselhos internos se mostram como oportunidades
singulares para que todos ouçam a todos, e aí pode se levantar esse fun-
cionário e dar o testemunho do que ouvira de determinado paciente,
surpreendendo a toda a equipe que desconhecia tal informação.
85 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. “Empatia”. Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009, p. 740.
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A comunicação entre os profissionais da equipe faz toda a dife-
rença enquanto uns passem mais tempo com o paciente do que outros,
propriamente. Alguns destes podem estar mais preparados e terem maior
facilidade em comunicar-se do que outros. É fundamental, sobretudo,
que haja a capacidade de se despir de qualquer sentimento de hierarquia
para que a comunicação possa fluir naturalmente, inclusive porque, se
isso acontecer, a relação profissional dentro do ambiente de trabalho se
torna prazerosa, proporcionando a qualquer funcionário a satisfação em
exercer suas funções.
Também a maneira como a comunicação se estrutura é um fator
a ser considerado. Dissemos em diversas ocasiões que conhecer o pa-
ciente, seu contexto social, sua cultura e seus familiares, é um recurso
que ajudará em muito no reconhecimento do que dizer e em que mo-
mento. Há pacientes que preferem saber de seu estado de forma clara e
direta, outros não. Portanto, trata-se de reconhecer o estado emocional
da pessoa e de seu familiar para que haja uma comunicação que demons-
tre respeito, consideração e humanização, sobretudo.
Por isso é importante respeitar os momentos e as necessidades das
pessoas, porque de repente a necessidade dela naquele momento não é
ter uma informação precisa, lembra-nos a Profa. Maria Luiza Crociquia.
É preciso ter a percepção treinada para reconhecer esses momentos,
detectando a necessidade que está a sua frente. A sensibilidade do emis-
sor é que irá detectar essa necessidade; entra aí também o fator empatia,
o conseguir captar o outro ser humano, o colocar-se em seu lugar.
Fazer medicina também é isso.
A forma como essa comunicação é feita também fala muito sobre
a maneira como o profissional conduz seu trabalho. Não se trata de
dizer o que tenha que ser dito e ponto final. Isto certamente deve ser
feito, no entanto há maneiras e maneiras de se dizer o que precisa ser
comunicado. São humanos tratando de humanos. Inclusive, é bom
lembrar que a maneira como algo é dito pode ser interpretado de diver-
sas formas, traduzindo reações positivas ou negativas. E, como todos
sabem, ao se estar diante de um indivíduo já fragilizado, é preciso sen-
sibilidade para se comunicar com ele.
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Importa “nos colocarmos no lugar do outro”, é o que afirma
Rogério Miola, professor de Marketing e Comunicação Dirigida na
Fundação Armando Álvares Penteado, com mestrado na área de mar-
keting na saúde, um dos convidados de nosso programa para falar sobre
Endomarketing como ferramenta de transformação. E no mesmo tom
conclui ao dizer ser “importante verificarmos e entendermos as dificul-
dades que o outro possui”.86
Das inúmeras vezes que afirmamos sobre como a comunicação
pode fazer uma grande diferença no instante do atendimento ao pacien-
te, Rogério Miola corrobora a tudo o que dissemos quando conclui que
é à medida em que escutamos ao outro e o conhecemos que podemos,
de fato, contribuir para que a mudança venha a acontecer.
Independentemente da maneira identificada a se empregar deter-
minadas informações, elas deverão sempre estar impressas de confiança,
franqueza, veracidade, clareza, transparência e respeito. É pensar antes
de falar, olhar no olho do outro, como bem ressalta a lição da Profa.
Maria Luiza Crociquia. Não se trata simplesmente de dizer o que tem
de ser dito.
Outro aspecto que ela nos lembra é que quando falamos de co-
municação, especificamente na área da saúde, é preciso reconhecer que
há universos distintos funcionando e transitando dentro desse conjun-
to, quais sejam os profissionais de saúde, os da saúde, além dos pacien-
tes e familiares.
Quanto a esta diferenciação entre profissionais de saúde e da saúde,
os primeiros estão inseridos no grupo de profissionais com formação na
área de saúde. São eles os fisioterapeutas, os médicos, os enfermeiros, os
psicólogos entre outros. Os profissionais da saúde são aqueles especiali-
zados em outras áreas e que trabalham em setores como administração,
limpeza, recepção, segurança, entre outros. Portanto, são profissionais
86 VIVA HUMANIZAÇÃO. O endomarketing como ferramenta de transformação. Palestrante:
Rogério Miola. Vídeo (01:01:26s). Disponível em:
watch?v=0j_iXwET6GM>. Acesso em: 12 jan. 2015.
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distintos se relacionando com os pacientes e familiares, todos necessi-
tando ter a uma só voz a consciência humanística impressa para o bem
estar dos usuários.
Conforme salientamos em diversas ocasiões, a comunicação que
conscientiza a humanização entre os profissionais é de suma importância
para a implantação da Política Nacional de Humanização da Saúde. A
comunicação interdisciplinar é muito importante, lembra-nos a Profa.
Maria Luiza, em total consonância com as diretrizes e dispositivos da
PNH. Não apenas entre especialidades e equipes, mas funcionários da
portaria, da limpeza, terceirizados e voluntários devem ter essa consciên-
cia, até porque lidar com o dia a dia da saúde não é simples e é preciso
estar apto a lidar com problemas que dizem respeito à dignidade da
pessoa humana.
O relacionamento profissional dentro do hospital deve ser o me-
lhor e mais humano possível, não havendo diferença de tratamento
entre profissionais com alta formação e empregados da limpeza, por
exemplo, afinal, são estes que irão garantir que os espaços estejam im-
pecáveis para que procedimentos sejam realizados por médicos e enfer-
meiros. Da mesma forma a segurança deve ser ouvida, treinada, para que
haja total harmonia na postura de todos os funcionários. Todos são
importantes, todos devem ser ouvidos e merecem respeito.
O resultado de toda essa comunicação em favor da humanização
será, por certo, a construção não apenas de um ambiente prazeroso onde
se exerça cada qual as suas funções com alegria, mas os efeitos benéficos
se extenderão a pacientes e familiares, gerando confiança, além do sen-
timento de cidadania e de direitos devidamente respeitados.
A boa comunicação colabora, portanto, para a eficiência e efi-
cácia no atendimento, porque todos se permitirão a tão necessária
troca de informações. Isso refletirá diretamente na saúde do paciente,
diminuindo sua ansiedade, proporcionando-lhe conforto e segurança,
podendo, consequentemente, até diminuir o uso de medicamentos,
sendo estes efeitos o produto da humanização, conclui a Profa. Maria
Luiza de Jesus Crociquia.
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Pode-se perceber por todo o discorrido até o momento que a
humanização se dá pela harmonia de esforços, havendo uma comuni-
cação entre as diretrizes e os dispositivos. Um sem o outro há de em-
perrar o mecanismo da rede, do sistema. Através de um ambiente
agradável se proporciona ao trabalhador e ao usuário a comunicação da
atenção e do acolhimento que se deseja expressar. Transmitir confiança
vai além desse aspecto, e passa fortemente pelo viés da atenção que se
dê ao usuário.
Um lugar agradável, que bem comunica seus objetivos, é aquele
em que podemos confiar nas pessoas que por ele transitam ou sejam
responsáveis pelo seu funcionamento. Para os funcionários, essa comu-
nicação que agrega, que valoriza, torna-se motivo de orgulho em fazer
o que se gosta e em dar sua participação para que o mecanismo perma-
neça harmônico e possa, também, se aprimorar conforme as necessidades
venham a surgir.
Anteriormente relacionamos o tema da humanização com o de
se obter lucros dentro da empresa, fato este totalmente legítimo à orga-
nização que se preste a fornecer serviços. O Prof. Dr. José Tolovi Júnior,
um de nossos convidados para o programa da Conexão Médica em
parceria com a Associação Viva e Deixe Viver fala sobre isso.
O Prof. Dr. José Tolovi Júnior, presidente do Great Place to Work,
diretor da Cambridge Leadership Associate Latin América, doutor em siste-
mas de informação, professor da Fundação Getúlio Vargas e da Business
School, em São Paulo, especializado em estratégia, organização e consul-
toria empresarial, tratou desse assunto tão relevante, enquanto nos deu
a honra ao discorrer sobre o tema da comunicação e a relação médico-
paciente.87
Começou afirmando que há uma correlação muito forte entre a
satisfação do cliente e a satisfação do funcionário dentro das empresas
com fins lucrativos. Entendemos que essa sentença vale também para as
87 VIVA HUMANIZAÇÃO. Problemas de comunicação que afetam a relação médico/paciente.
Palestrante: Sr. José Tolovi Júnior. Vídeo (01:00:41s). Disponível em:
youtube.com/watch?v=hI5RBeD0rkw>. Acesso em: 12 jan. 2015.
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organizações sem fins lucrativos, para os hospitais públicos, afinal, a
motivação que os faz existir é servir à sociedade, proporcionando servi-
ços e informações de qualidade, sempre com transparência, veracidade,
ética, entre outros atributos concernentes à justeza de uma sociedade
democrática.
Empresas com bom ambiente, com boa relação entre a liderança
e os subordinados proporciona satisfação aos trabalhadores, resultando
na prestação de bons serviços. Tomando de empréstimo a lição do Dr.
José Tolovi Júnior para pensarmos na melhor relação médico-paciente,
é preciso fazer acontecer uma relação harmoniosa ainda no âmbito da
instituição, da clínica e do hospital. É preciso gerar confiança. Sem isso
não se tem nada que prospere e se aprimore. É preciso que haja incen-
tivo ao trabalhador, sobretudo respeito, sem o qual torna-se impossível
desenvolver um ambiente humanizado, aberto para a relação do profis-
sional de saúde com o paciente.
O Dr. José Tolovi Júnior relaciona uma série de questionamentos
que podemos fazer sempre que nos deparamos com situações de confian-
ça dentro da empresa. Ele nos ensina que ao analisarmos a “cooperação
no ambiente de trabalho podemos perguntar o que significa a credibili-
dade na confiança”, e lança as seguintes perguntas que podemos fazer.
Como é o meu líder? Como eu me relaciono com ele? Ele inspira con-
fiança? Quais são as comunicações abertas e fechadas, isto é, como eu
confio na pessoa, ela me inspira confiança? É clara e objetiva? Não finge,
não omite, não mente?
Essas são condições fundamentais para a verdadeira comunicação,
ele afirma. Contudo, outro ponto também se mostra indispensável nes-
se contexto de questionamentos: a competência. O meu chefe é com-
petente? Resolve problemas conflitantes? Como age para que os seus
subordinados trabalhem melhor?
Por que se questiona esses parâmetros? Muito simples, não é raro
encontrarmos profissionais com alta qualificação, todavia sejam pessoas
com dificuldade para se relacionar com seus pares, que dirá com subordi-
nados. Especialmente este último, onde há um conflito que se apresenta
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pela maneira como a cultura se desenvolveu nas sociedades ocidentais,
e que precisa ser revertido. Não é porque o trabalhador não tem a mes-
ma qualificação profissional que seu chefe, que precise ser tratado como
menor. Respeito é fundamental para o real desenvolvimento das relações
humanas.
Também convém lembrar que aqueles mesmos profissionais que
são altamente qualificados muitas vezes apresentam uma enorme lacuna
quando o quesito em tela é a liderança que deve ser exercida em para-
lelo às suas funções como executor de um ofício específico. Quando
isso acontece, lembra-nos o Dr. José Tolovi Júnior, dificuldades tendem
a surgir dentro da organização. Preocupações começam a tomar conta
dos pensamentos dos funcionários e a produtividade pode ficar em jogo
nesse momento. “Uma empresa com bom relacionamento, com cum-
plicidade nos bons objetivos, é melhor e, obviamente, rende mais”,
ensina-nos a boa lição do especialista em comento.
Outros aspectos que ele ressalta são aqueles que já comentamos
em linhas anteriores: o respeito e o reconhecimento. Reconhecer o
trabalho dos funcionários “é uma das formas mais antigas de demonstrar
respeito, é agradecer as pessoas por um bom trabalho”. Trata-se de um
esforço em prol do estímulo ao profissional. Com ele, os incentivos de
reciclagem do conhecimento é outro campo onde o investimento no
quadro de profissionais leva ao crescimento da empresa e da organização,
seja ela com ou sem fins lucrativos.
O ambiente de trabalho que se mostra estimulante, “no qual a
pessoa é respeitada”, sentindo-se valorizada, “é a base da verdadeira
comunicação”, afirma o Dr. José Tolovi Júnior. Isso faz toda a diferen-
ça, pois se o profissional começa a perceber que se trata de apenas mais
um emprego, como diz o especialista em tela, sua produtividade estará
completamente em jogo, e com ela a da organização como um todo,
afetando, sobretudo, aos pacientes que são o foco principal depois da
valorização que deve acontecer dentro do hospital.
Com todos esses atributos sendo mencionados ainda à época dos
bancos da faculdade, mencionados pelos educadores médicos por meio
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VALDIR CIMINO
de suas experiências compartilhadas com seus alunos, tende a experi-
mentar-se a criação de um corpo de profissionais mais conscientes do
universo de suas atribuições como profissional que trata de seres huma-
nos em estado de alta fragilidade física e emocional. Portanto, disciplinas
que tenham cunho humanístico são excelentes opções para o organo-
grama dos currículos profissionais.
Todos esses aspectos, resultados de ações integradas abrem um
capítulo importante na história do sistema de saúde brasileiro no que
concerne à humanização da saúde mediante ações sociais, hospitalidade
e gestão. Para discorrer sobre o tema tivemos a honrosa presença do Dr.
Antônio Sérgio Petrilli, médico especializado em oncologia pediátrica.88
Segundo o Dr. Sérgio Petrilli, “em 1991 iniciou-se no Hospital
São Paulo, juntamente com a Escola Paulista de Medicina, um serviço
de atendimento bastante incipiente, junto às crianças com câncer”. “Eram
algumas crianças sentadas em cadeirinhas e que tomavam quimioterapia”,
afirma ele. Acompanhar esse trabalho, relata o profissional, era de gran-
de sofrimento, pois tinha conhecimento da qualidade assaz superior que
o mesmo serviço era oferecido no exterior.
Foi movido por essa indignação que resolveu com outros profis-
sionais, em conjunto com os pais das crianças-pacientes, criar o GRAAC
– Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer, em parce-
ria com a Universidade Federal de São Paulo. “A ideia era dar apoio ao
setor de oncologia do Departamento de Pediatria que contava com
muitas e sérias dificuldades”, testemunha o Dr. Petrilli. Com a dificul-
dade conhecida nestas terras tupiniquins, conseguiram o primeiro esta-
belecimento e assim iniciou-se o atendimento fora do hospital.
A intenção era e é dar qualidade de vida às crianças e aos adoles-
centes com câncer, unindo esforços com familiares, profissionais e, so-
bretudo, com os voluntários, sempre presentes com uma contribuição
88 VIVA HUMANIZAÇÃO. Ações integradas de humanização. Palestrantes: Dr. Antonio
Sergio Petrilli; Marcelo Boeger. Vídeo (01:56:08s). Disponível em:
youtube.com/watch?v=zbt9kURgFuE>. Acesso em: 12 jan. 2015.
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COMUNICAÇÃO E HUMANIZAÇÃO
que não se consegue mensurar a contento. Só mesmo os pacientes, em
cada caso particular, poderiam falar sobre o real efeito desse trabalho
sobre suas vidas.
Passa o tempo e mediante hercúleos e incansáveis esforços a ins-
tituição seguiu crescendo para ser o que hoje se apresenta, fundamen-
tal nesse processo de cura e qualidade de vida dos pacientes. Parcerias
foram fundamentais. Nós da Associação Viva e Deixe Viver nos unimos
a esse projeto de humanização pensado pelo GRAAC, juntamente a
outras parcerias como as ONGs Projeto Arco-Íris, Fundação Orsa e
Instituto Ayrton Senna, entre outros. Por elas, afirma o Dr. Petrilli, a
obra cresceu até que se conseguiu construir o Instituto de Oncologia
Pediátrica, com a participação do empresariado, da universidade, das
famílias e dos profissionais envolvidos, dividindo responsabilidades,
abertos às queixas e aos elogios, alcançando, de fato, a humanização no
atendimento oncológico.
O foco de todas as instituições com tratamento oncológico é
proporcionar a cura, e isso é óbvio. Contudo, a humanização do trata-
mento garante, acima de tudo, qualidade de vida. Curar não é o sufi-
ciente, diz o Dr. Petrilli, é preciso “curar pensando que esses pacientes
contam com um difícil período de hospitalização e que precisarão ser
reintegrados na sociedade, frequentarem uma escola, participarem da
vida em comunidade”. Por isso é fundamental que se sintam adequada-
mente tratados.
O Dr. Petrilli é extremamente feliz ao afirmar que esse pensamento
só alcança seu sucesso quando se coloca o paciente e sua família unidos
à equipe interdisciplinar, formada por profissionais de todos os setores
da organização, a saber, administração, reabilitação, serviço social, nu-
trição, psicologia, equipe médica, enfermagem, voluntariado e farma-
cêuticos, dando, inclusive, a possibilidade de que todos possam interferir
nas condutas uns dos outros, agindo e pensando de forma integrada.
A comunicação em favor da humanização, ou vice-versa, foi um
instrumento fundamental quando se pensou no que poderia ser feito para
controlar a dor das crianças. Desenvolveu-se uma escala do controle da
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VALDIR CIMINO
dor por meio de desenhos da Mônica e do Cebolinha que apresentavam
feições diversas para serem relacionadas à dor que as crianças estivessem
sentindo. “À medida que eram medicadas as carinhas iam melhorando
e as crianças se sentiam menos agredidas, com a sensação de que podiam
melhorar dentro de um hospital”, relata o Dr. Petrilli por meio desse
testemunho maravilhoso de humanização do tratamento.
A comunicação e a forma como é realizada ao paciente e familia-
res, esclarecendo o diagnóstico, os procedimentos que serão realizados,
o plano de tratamento, o tempo de hospitalização, as possíveis conse-
quências, tudo por meio de uma equipe integrada, esclarecida e huma-
nizada, é o estabelecimento de novos parâmetros a substituir antigos
paradigmas do sistema de saúde, afirma o Dr. Petrilli.
Por isso a necessidade em preparar os profissionais para que o
conceito de humanização seja compreendido e venha a ser expandido.
“Unir humanização, competência dos profissionais, recursos tecnológi-
cos e remédios adequados. Somente assim se consegue um verdadeiro
tratamento de saúde”, afirma o oncologista. As preocupações em bem
atender vão desde o setor de nutrição que orienta os familiares quanto
a dieta a ser seguida, à psicologia e pedagogia, todos reunidos em uma
só voz humanística.
O serviço odontológico, por exemplo, é exercido mediante par-
cerias com o projeto Adote um Sorriso, com a ABRINQ e com o
Instituto Ayrton Senna. Os atendimentos psicológicos e pedagógicos
encontram-se presentes em quase todas as ações do GRAAC, interagin-
do com as crianças e com as famílias desde como usar uma pomada até
o preparo para determinado procedimento. A tônica atende pela cons-
ciência da humanização.
O serviço de voluntariado, testemunha o Dr. Petrilli, é funda-
mental em todo esse processo, indispensável por tudo que tem realizado
vitoriosamente, a um mínimo exemplo quando se prontificam estar ao
lado das crianças que estejam sendo submetidas à quimioterapia, assim
como o corpo do serviço social que proporciona apoio às crianças que
vêm de outras localidades e necessitam de um ensino específico, ou
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COMUNICAÇÃO E HUMANIZAÇÃO
mesmo aos adolescentes quando os auxilia na busca de emprego, huma-
nizando o tratamento em todos os aspectos.
Os fatos e testemunhos têm demonstrado quanto todo esse pro-
cesso de cura tem sido beneficiado com a conscientização da humani-
zação do tratamento, ainda que seja ela apenas para compreender que
receber e ouvir um usuário seja tudo que precise fazer, afinal, nem
sempre de remédio este está em busca, mas também de apoio emocional.
Dr. Petrilli destaca o projeto Perna Amiga, que ajuda na colocação
de próteses em crianças amputadas e o projeto de prótese ocular para
crianças. Outras atividades feitas em parceria com o Instituto Ayrton
Senna que de forma lúdica ajudam a lidar com a ansiedade antes dos
procedimentos, interagindo com a criança, também o apoio da Fundação
Orsa, do pessoal do Projeto Arco-íris, dos voluntários da Associação Viva
e Deixe Viver, da parceria com o Instituto Ronald Mac Donald, “entre
outras tantas, tornam esse difícil atendimento em um trabalho digno e
humano”, afirma.
Por ocasião desse debate, dividiu a mesa com o Dr. Antônio Sérgio
Petrilli, o administrador e consultor de projetos de hotelaria, Marcelo
Boeger, contribuindo com o tema das ações integradas para a humanização
da saúde voltadas à hotelaria hospitalar. O administrador Marcelo Boeger
é também autor de livros como Gestão em Hotelaria Hospitalar e Gestão
Financeira para Meios de Hospedagem.
A discussão sobre hotelaria hospitalar, afirma Boeger, teve início
no fim dos anos 90, com o Primeiro Congresso de Hotelaria Hospitalar
que divulgou esse novo enfoque de hospedagem, sendo que de lá para
cá a aplicação de seus conceitos voltados para a conscientização da hu-
manização desenvolveram-se significativamente. Entretanto, “esse tra-
balho não é ainda bem compreendido por várias instituições, porém
vem ganhando terreno e consolidando o conceito de hospitalidade”,
afirma o administrador.
Entre todas palavras suas que mereceram aplausos pela consciência
quanto ao conceito de humanização, merece nosso destaque enquanto
afirmou que “não basta apenas criar indicadores fabulosos, palmtops para
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VALDIR CIMINO
os enfermeiros e outras tantas tecnologias se perdermos o contato hu-
mano”. É disso que vimos tratando até aqui. É isso o que, de fato, im-
porta. O contato humano.
Neste diapasão de problemas tão graves como o câncer, difíceis
de lidar tanto em face da doença quanto pelo sofrimento que causa ao
paciente e aos familiares, está o contexto vivenciado pelas unidades
intensivas. Para discorrer sobre o tema, contamos com a honrosa pre-
sença do Dr. Guilherme Schettino, médico intensivista, à época Coor-
denador da Unidade Intensiva do Hospital Sírio-libanês.89
Em seu valioso testemunho ele nos relata que apesar de haver
critérios bem definidos em todo o mundo quanto à avaliação de quem
possa utilizar da unidade de terapia intensiva, existem também algumas
discussões mais complexas que os critérios médicos, que definem os
critérios humanos e os critérios de alocação de recursos para pacientes
que solicitam uma internação.
Sabe-se bem, as unidades de terapia intensiva são os locais com
mais tecnologia e pessoal disponíveis, assim como mais recursos alocados.
O Dr. Schettino afirma que há uma grande preocupação em definir quais
os pacientes devem ser beneficiados por essa internação, pois, segundo
sua experiência, leva-se em conta evitar ferir a dignidade de um pacien-
te que não tenha a possibilidade de tratamento como, em outros casos,
define o médico intensivista, nos quais a internação é apenas um pro-
longamento do sofrimento.
O Dr. Schettino entende que a única maneira é restaurar o rela-
cionamento entre o médico e o paciente. Esse relacionamento não se
dá de forma adequada, especialmente quando estamos a falar em hospi-
tais públicos, também quando se trate de pacientes já em fase terminal,
ou com doenças crônicas. Como já dissemos em outras ocasiões, a co-
municação é importante, pois estabelece a confiança e faz com que o
paciente possa se abrir com o profissional, que poderá assim conhecer o
paciente e melhor conduzir os rumos do tratamento. Nessas ocasiões da
89 VIVA HUMANIZAÇÃO. Papel da Tecnologia na Medicina Atual. Palestrante: Dr.
Guilherme Schettino. Vídeo (58:28s). Disponível em:
watch?v=GHMfMmxIUBE>. Acesso em: 13 jan. 2015.
221
COMUNICAÇÃO E HUMANIZAÇÃO
terapia intensiva, o médico normalmente conhece pouco da história de
vida do paciente, da sua formação cultural, familiar e religiosa. Procurar
estabelecer essa relação, mediante tais conhecimentos, é fundamental
para o bom andamento do processo de decisão, afirma o especialista.
Ao falar da experiência do Hospital Sírio Libanês, o Dr. Schetti-
no fala sobre um programa chamado Programa de Cuidados Progressi-
vos, que tem como objetivo ter o paciente certo, na unidade certa, para
tratar as suas necessidades médicas e humanas. A Unidade de Terapia
Intensiva do Hospital é o local onde existe a maior integração de uma
equipe multidisciplinar no Hospital, tamanha a importância do tema
nessa fase de um tratamento. Existe também uma unidade de menor
complexidade que é a unidade semi-intensiva, mas que também se
preocupa com o oferecimento de cuidados paliativos.
A preocupação do Hospital com as diretrizes de humanização passa
inclusive pela adequação das unidades de terapia intensiva, para que se
possa permitir que familiares permaneçam mais tempo em companhia do
paciente. Uma das primeiras ações de humanização é essa permissão, afir-
ma o Dr. Schettino. Algumas vezes tivemos nestas linhas depoimentos que
testemunham ser a vontade de mudança, algo mais necessário que propria-
mente recursos para realizá-la. Pois bem, é o que confirma o especialista,
quando diz que bastam algumas mudanças no processo de funcionamento,
organizando os cuidados médicos e de enfermagem em determinados
horários, para que isso seja viável, tranquilizando o paciente e a família.
A criança sempre mereceu maiores cuidados, testemunha o Dr.
Schettino, tanto que a primeira vez em que se permitiu a presença dos
familiares em companhia dos pacientes foi no caso de crianças internadas
na unidade de terapia intensiva. Atualmente, tanto o Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente, quanto o Estatuto do Idoso, conferem esse direito
de acompanhamento familiar.
Entre os importantes depoimentos do Dr. Schettino, destacamos
sua opinião quanto à necessidade de um treinamento específico para que
os médicos saibam como falar com o paciente e sua família. É funda-
mental que haja o emprego de uma linguagem adequada à condição
socioeconômica do doente, conhecendo a localidade de onde sejam
provenientes, afinal os termos devem se fazer entender ao paciente,
222
VALDIR CIMINO
segundo a capacidade que o faça sentir-se seguro e confiante. Isso é,
sobretudo humanizar o tratamento, respeitar os estados emocionais,
certificando-se sempre se todas as informações foram devidamente com-
preendidas. Um dos direitos a que assiste ao paciente o de receber ou
recusar assistência moral, psicológica, social ou religiosa, e o hospital
deve estar preparado para prover todas essas necessidades.
Percebe-se que todas essas vertentes seguidas pelo Hospital estão
impregnadas pelo conceito de humanização. No entanto, o Dr. Schettino
esclarece que ainda existe uma preocupação no Brasil ainda muito tímida
em preparar os médicos em relação à legislação específica de humanização,
em especial ao que se refere aos cuidados dos pacientes terminais ou com
doenças avançadas. A realidade, afirma o especialista, é que em nosso
país os médicos são mal remunerados, necessitando trabalhar em
diferentes locais, o que acarreta o tão conhecido escasso tempo para
conversar com o paciente.
Por outro lado, e isso há que se conferir o crédito, sem dúvida al-
guma, sempre existiu uma preocupação muito grande na formação mé-
dica com relação aos aspectos éticos. Afirma o Dr. Schettino que as pe-
culiaridades que envolvem o processo de humanização se aproximam em
muito dos discorridos pela ética, no entanto, há uma diferença significa-
tiva entre ambos. Não há como implantar humanização sem ética, e a
humanização, por sua vez, também exerce uma grande influência sobre a
conduta ética, afirma o Dr. Schettino. Segundo os diversos pontos que
discorremos no presente estudo, cumpre lembrar que a humanização
compreende a aproximação, a comunicação, a atenção que acolhe e que
faz toda a diferença, enquanto a ética compreende o agir em benefício do
paciente, contudo podendo ser compreendido como exercer o foco ape-
nas sobre a doença, não necessitando tanta aproximação. O Dr. Schettino
afirma que hoje é grande a preocupação nas faculdades com a formação
humanista do profissional de saúde, revertendo essa atitude.
Já nas linhas finais de nossa explanação, sempre preocupada em
lançar temas para reflexão e depoimentos que testemunhem experiências
de sucesso, voltamos a nossa atenção ao debate que nos proporcionou
honroso depoimento da Dra. Maria Tereza Gutierrez, pediatra, doutora
em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
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COMUNICAÇÃO E HUMANIZAÇÃO
São Paulo, que também ao participar de nossos debates, discorreu sobre
o tema “Humanização Hospitalar e Pediatria”.
A especialista nos ensina que é preciso acreditar que se pode mu-
dar o ambiente de trabalho e que o profissional médico tem uma lide-
rança natural na equipe de saúde. Sua contribuição, portanto, é imensa,
contudo só depende dele para que aconteça. É disso que falamos aqui.
De mudança de paradigmas, dirigidas após reflexões profundas sobre o
processo e os resultados da aplicação da humanização.
Não há nada pequeno ou desimportante quando o que se tem em
mente é estender um ato que possa humanizar. “Não importa, a huma-
nização se espalha por contágio”, diz a Dra. Maria Tereza Gutierrez. O
ato que se reveste de humanização é algo que se pode dizer, contamina
a muitos a seu redor. É preciso valorizar atitudes comuns que possam
acolher. “Valorize as coisas boas que já existem. Use o bom senso e o
seu coração”, sugere a Dra. Maria Tereza Gutierrez.
Seu testemunho frente ao Departamento de Pediatria da Irman-
dade Santa Casa de Misericórdia é importante como os tantos outros
que temos relatado ao longo deste estudo. Afirma a Dra. Maria Tereza
Gutierrez que sua sensibilização para a humanização hospitalar começou
quando se tornou diretora da organização, que continha 160 leitos. Suas
palavras em depoimento são duras. Discorre que naquele tempo nada
existia para as crianças, a não ser dores, lembranças ruins e pouca, mui-
to pouca alegria. O que fazer com tão poucos recursos em um contex-
to tão amplo, era a pergunta que se fazia.
O seu primeiro passo foi reunir as pessoas que considerou com
um perfil adequado à luta pela humanização. Leu e pesquisou muito
a respeito para não ter que reinventar ações que já tivessem dado cer-
to. De uma coisa ela estava certa: precisava agir com o coração. Sua
sensibilidade era sua bússola. Ver pacientes e acompanhantes sorrindo
seria a certeza de que estaria no caminho correto. Queria que as crian-
ças guardassem as melhores lembranças daquele lugar, e do tempo de
sua internação. Era um trabalho incansável. Não havia tempo para
começar, tampouco para terminar. A necessidade fazia a ocasião.
Desejou também alcançar aos funcionários mais simples, como aos
porteiros ou ao pessoal da limpeza. Procurou desmitificar o paradigma
224
VALDIR CIMINO
que afirmava à maioria que seriedade profissional seria o sinônimo de
não se permitir sorrir.
Os resultados vieram nos anos seguintes, à medida que o tempo
foi passando, alcançando sucessos pontuais, mas sólidos, permanentes.
Sabia que estava no caminho correto. Em 1999, confirma ela, tiveram
no setor da pediatria a grata surpresa de ter a parceria do Colégio
Guilherme Dumont Vilares, enquanto realizavam as aulas de arte para
seus adolescentes no ambiente hospitalar. Nesse tempo também as
voluntárias voltadas aos pacientes com câncer, além da atividade as-
sistencialista, brincavam com as crianças e frequentavam a brinquedo-
teca, amenizando significativamente o tratamento. A humanização
estava acontecendo. Era o caminho correto.
Em 2003, testemunha a Dra. Maria Tereza Gutierrez, começou
o “casamento” da pediatria da Santa Casa com a Associação Viva e
Deixe Viver e os contadores de histórias. Em seguida, recorda-se, vieram
os estudantes da Santa Maluquice, um grupo de clowns da Fábrica do
Riso. Ato contínuo foi criado o Projeto Colinho, que se trata de senho-
ras que pegam as crianças no colo. Isso tudo em um ano. Em 2004,
introduziram bichos no hospital, uma pequena revolução, segundo suas
considerações. A humanização era uma realidade.
As ações foram valorizadas, e o trabalho humanitário se tornou
uma realidade crescente e fundamental no tratamento das crianças. Ou-
tro de seus importantes testemunhos foi a respeito do grupo de reabili-
tação interno que formou para ajudar na locomoção das crianças até a
reabilitação, estendendo o conhecimento aos familiares para que em suas
residências pudessem agir segundo a orientação da fisioterapia.
Quando relatamos a importância na formação dos profissionais,
queremos demonstrar que, mesmo que sentimentos de amor, atenção e
acolhimento sejam compreensíveis, precisam de treinamento quando o
contexto se trata de organizações hospitalares. A Dra. Maria Tereza
Gutierrez confirmou que mesmo tendo contadores de histórias e livros
em abundância, só quando tiveram a presença dos contadores de histó-
rias voluntários do Viva e Deixe Viver, oferecendo entretenimento,
cultura e alegria, que puderam alcançar resultados satisfatórios, transmi-
tindo confiança às crianças e adolescentes.

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