Sistemas computacionais para o poder judiciário: prestação jurisdicional, acesso e inclusão social

AutorAlexia A. Rodrigues Brotto; Cinthia O. de A. Freitas
Páginas33-59

Alexia A. Rodrigues Brotto. Especialista em Processo Civil Contemporâneo pela PUC-PR, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-PR. E-mail: alexiabrotto@hotmail.com

Cinthia O. de A. Freitas. Doutora em Informática. Professora Titular da PUCPR em Ciência da Computação, Engenharia da Computação e Direito. Professora dos Programas de Pós-Graduação em Direito e do Programa de Pós-Graduação em Informática Aplicada da PUC-PR. Pesquisadora CNPq – Nível II, cinthia.freitas@pucpr.br

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1 Introdução

O presente trabalho analisa de forma sucinta a revolução tecnológica operada no mundo, trazendo reflexos importantes para a área do Direito, sobretudo no que diz respeito aos procedimentos realizados pelo Poder Judiciário.

Nesse ambiente de revolução paradigmática, da sociedade complexa, informatizada, cabe relatar os avanços da tecnologia com sistemas computacionais para o Poder Judiciário, viabilizando o peticionamento eletrônico, citações, intimações via e-mail e todo o acompanhamento e anexação de documentos para propositura de demandas pela Internet.

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Essa foi inicialmente a proposta dos sistemas e-proc e e-cint, surtindo valiosos reflexos na aplicabilidade da Lei n°. 11.419/2006 que, dentre outras providências, aclarou a sistematização desses programas computacionais, inaugurando, legalmente, a utilização dos processos eletrônicos na seara cível, trabalhista e criminal, dantes utilizados somente no Juizados Especiais.

De fato, as legislações implantadoras de sistemas computacionais no Poder Judiciário, juntamente com a garantia da celeridade da tramitação processual à luz do direito fundamental à razoável duração do processo, refletem um enorme avanço na seara da prestação jurisdicional. No entanto, num país como o Brasil, nem todas as pessoas possuem acesso ao computador, Internet, e não raras vezes acesso à própria informação. De forma que não basta apenas o investimento em tecnologias para um Judiciário mais célere e eficaz, se não há investimento na sociedade com políticas públicas para a informação, informatização, a fim de que a inclusão digital não se resuma em exclusão social.

2 Da prestação jurisdicional
2. 1 Tecnologia e poder judiciário

Não é de hoje que a celeuma da ineficiência do Poder Judiciário (e da justiça) assola os operadores e usuários do Direito. Já nos anos 60, com o Projeto Florença, CAPPELLETTI (1988, p. 36) liderou um movimento de estudo das causas da ineficiência do Poder Judiciário e, desde então, muitos autores se dedicaram a matéria, inclusive com ideais de gestão da justiça e novo gerenciamento dos procedimentos judiciais. Para ALMEIDA FILHO (2007, Prefácio):

Embora o conhecimento de um problema seja o primeiro passo para a sua efetiva solução, em nosso país, o conhecimento da absoluta ineficiência do nosso sistema de prestação jurisdicional não tem gerado grandes resultados. Morosidade, dificuldade de acesso especialmente para os setores mais pobres da população, falta de transparência decisória em questões administrativas internas, existência de focos de corrupção de difícil eliminação, decisões contraditórias gerando um elevado grau de incerteza e insegurança jurídica, estrutura orgânica e atuação funcional marcadas pela ausência de racionalidade e modernidade, são realidades reconhecidas e admitidas, há muito tempo, como inerentes ao funcionamento da nossa máquina judiciária.

Analisando essa questão, ATAIDE JR. (Em artigo publicado no Jornal O Estado do Paraná, em 15/08/2004):

Uma revolução operacional nos serviços judiciários foi iniciada com a introdução da máquina de escrever e da tipografia. O processo continuou escrito, mas agora mais ágil, posto que datilografado e com padrões impressos. Esses novos autos imperaram nos cartórios judiciais até o fim do século XX e, apesar de nãoPage 36 totalmente extintos, já foram, na sua maioria, substituídos pelos autos confeccionados a partir de peças digitadas, ou seja, produzidas através de programas de computador. Uma nova realidade se descortinou com a utilização dos computadores nos trabalhos judiciários.

(...)

Mas mesmo com as constantes inovações tecnológicas, não se venceu o paradigma dos autos escritos, de papel e plástico, entulhando prateleiras e escaninhos, obrigando seu transporte por meios dispendiosos, sem falar dos galpões e depósitos necessariamente alugados ou comprados pelos Tribunais para arquivar os autos findos.

(...)

O século XXI parece reservar, no entanto, uma terceira revolução na prestação dos serviços judiciários: a eliminação do papel, o fim dos autos escritos. Mas como então documentar os atos processuais? Através dos autos virtuais. Petições, documentos, citações, despachos, sentenças e outros atos processuais realizados todos por computadores interligados em rede ou pela internet.

(...)

Tudo sem uma folha de papel, sem um pingo de tinta, sem demora, sem gastos desnecessários. Eficiência.

Essa é a idéia proposta com a implantação dos processos eletrônicos. Justamente pela idéia de adequação e reconceituação do mundo em todas as suas esferas pelos avanços tecnológicos e científicos, o Direito e também o Poder Judiciário são chamados a integrar o rol dessas inovações, acolhendo os novos direitos que emergem das negociações eletrônicas, comprovação material por e-mail, dentre outros, acolhendo também dentro de sua própria estrutura – o Poder Judiciário – essas tecnologias que tanto auxiliam na diminuição do tempo e custos do processo, além da maior praticidade, agilidade e conforto que o mundo digital proporciona. Neste sentido BEHRENS (2005, p. 12):

O Direito tem sido constantemente desafiado a acompanhar o envolvimento social com estas novas tecnologias. A ciência jurídica, está sendo provocada a criar normas, que não apenas devem repassar danos ou impedir comportamentos abusivos mas que evitem práticas que atentem contra os interesses individuais e coletivos, produzindo regras suficientemente flexíveis para que sejam capazes de acompanhar o desenvolvimento tecnológico.

Com esse intuito, o legislador pátrio desenvolveu, a partir de 1999, alguns indícios e primeiras premissas para o desenvolvimento e implantação dos processos eletrônicos como temos hoje.

O pontapé inicial foi em 1991, com a Lei 8.245 – Lei de Locações. Em seu artigo 58, inciso IV, prescreveu a hipótese de citação, intimação ou notificação mediante telex ou fac-símile, desde que autorizado no contrato de locação.

Em 1994, com a Reforma do Código de Processo Civil, alterou-se o artigo 170, para viabilizar o uso da taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo nos atos dos serventuários da Justiça, implementando-se certo grau de modernização dos procedimentos judiciais, plausível à época.

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Em 1999, a Lei 9.800 permitiu a utilização de sistema de transmissão de dados (fac-símile e similares) para a prática de atos processuais. Assim, as petições poderiam ser encaminhadas via fax, por exemplo, devendo os originais ser protocolados no máximo em 5 (cinco) dias, não prejudicando os prazos processuais, tampouco a integridade dos documentos transmitidos, recaindo ao usuário do sistema a responsabilidade pela qualidade e fidelidade do material transmitido.

Em 2001, a Lei 10.259, que estabeleceu a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, viabilizou a organização de serviço de intimação das partes e petições por meio eletrônico (art. 8°, §2°), o que marcou substancialmente o ingresso dos processos virtuais no âmbito dos Juizados Federais. Desta feira, o TRF da 4ª Região editou a Resolução 13/2004 que implantou o sistema denominado “e-proc” – aprovado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PA 02.00.00073-0), para digitalização, emissão e recebimento de documentos relativos aos processos eletrônicos dos Juizados Especiais Federais da região exclusivamente por meio digital. Por esse sistema, restou determinado o ajuizamento de demandas apenas pelo sistema eletrônico, permanecendo as já em trâmite em autos físicos (art. 2°, §3° do Provimento).

Na época também começou a idealização do Projeto “Justiça sem Papel”, contando com o apoio do Ministério da Justiça, a Fundação Getúlio Vargas e a empresa Souza Cruz. Todavia, tal projeto, que visava o auxílio no desenvolvimento de propostas para a modernização do Poder Judiciário, como a aceleração dos trâmites processuais, eliminando-se o transporte, carga e manuseio dos autos em papel em virtude da digitalização dos documentos e acompanhamento via internet, foi suspenso pelo desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Antônio Souza Prudente.

Nada obstante é a Lei 11.419/2006 que estabelece, oficialmente1, o ingresso do Poder Judiciário na era digital, com a instituição efetiva de um processo eletrônico em âmbito nacional. Por meio desta Lei fica permitido o uso do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças e documentos, na seara civil, penal e trabalhista, bem como nos juizados especiais – que já vinham atendendo a essa proposta – conforme as exigências legais referentes à comunicação eletrônica, ao processo eletrônico em si – onde o Judiciário deverá desenvolver sistemas de processamento de demandas judiciais, visando o acesso ininterrupto; a padronização e a agilidade na tramitação.

Assim, tamanha é a consciência de celeridade, inovação e adequação tecnológica trazidas com a Lei 11.419/2006, que os dados do Juizado...

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