Entre Compsons e Buendías. Forma modernista e realismo mágico nas obras de William Faulkner e Gabriel García Márquez

AutorGabriel dos Santos Lima
CargoProfessor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP)
Páginas44-59
Gabriel dos Santos Lima Cadernos Prolam/USP, v. 17, n. 33, p.44-59, jul./dez. 2018
DOI: 10.11606/issn.1676-6288.prolam.2018.144956
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ENTRE COMPSONS E BUENDÍAS: FORMA MODERNISTA E REALISMO
MÁGICO NAS OBRAS DE WILLIAM FAULKNER E GABRIEL GARCÍA
MÁRQUEZ
BETWEEN COMPSONS AND BUENDÍAS: MODERNIST FORM AND MAGICAL REALISM
IN THE WORKS OF WILLIAM FAULKNER AND GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ
Gabriel dos Santos Lima1
Universidade de São Paulo, Brasil
Resumo: embora muito mencionada pelos estudos de literatura comparada, a relação entre a
obra do americano William Faulkner e os romances de Gabriel García Márquez é, ainda, um
tema que suscita questões: como o escritor colombiano amolda a forma faulkneriana a suas
próprias demandas socioculturais? Como a narrativa importada se transforma graças aos novos
usos em um contexto histórico-artístico distinto? O presente artigo buscará responder essas
perguntas tomando por ponto de partida um aspecto comum à produção dos escritores; a saber:
o projeto de apreender a experiência histórica de suas regiões de origem (Mississipi e Caribe)
edificando mundos fictícios através de narrativas que contam histórias de famílias. Assim,
comparando romances fundamentais nesse âmbito como The Sound and the Fury (1929) e
Cien Años de Soledad (1967) - tenciona-se oferecer chaves de leitura atuais para os problemas
críticos suscitados, aprofundando a hipótese teórica de que cada narrativa responda, com
recursos próprios, a questões literárias muito específicas. Nesse sentido, buscar-se-á esclarecer
a diferença entre o diálogo de Faulkner com o histórico modernismo europeu na perspectiva de
um sul estadunidense do início do século XX e a interlocução de Márquez com as tradições que
permeavam o ambiente cultural periférico de seu tempo.
Palavras-chave: Romance Norte-Americano; Romance Latino-Americano; William Faulkner;
Gabriel García Márquez, Literatura Comparada
Abstract: Although much mentioned by comparative literature studies, the relationship
between William Faulkner's work and Gabriel García Márquez's novels is still a subject that
raises questions: how does the Colombian writer shape the Faulknerian form to his own
sociocultural demands? How is imported narrative transformed due to new uses in a different
historical-artistic context? The current article will try to answer these questions taking as
starting point a common aspect to the production of the writers; namely: the literary project of
seizing the historical experience of its regions of origin (Mississippi and Caribbean) by
constructing fictional worlds through narratives that tell stories of families. Thus, comparing
fundamental novels in this field - such as The Sound and the Fury (1929) and Cien Años de
Soledad (1967) the paper intends to offer current reading keys to the critical problems raised,
deepening the theoretical hypothesis that each narrative responds, with its own resources, to
very specific literary issues. In this sense, we will try to clarify the difference between
Faulkner's dialogue with the high modernism since a Southern American of the early twentieth
century’s perspective and Márquez's interlocution with the traditions that permeated the
peripheral cultural environment of his time.
1 Professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Doutorando em Teoria
Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP).
Gabriel dos Santos Lima Cadernos Prolam/USP, v. 17, n. 33, p.44-59, jul./dez. 2018
DOI: 10.11606/issn.1676-6288.prolam.2018.144956
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Keywords: North-American Novel; Latin American Novel; William Faulkner; Gabriel García
Márquez; Comparative Literature
1 INTRODUÇÃO
A ressonância de William Faulkner sobre Gabriel García Márquez é tida como uma
certeza pelos contemporâneos estudos de literatura comparada. Respaldada por diferentes
declarações públicas do próprio autor colombiano que, em seu discurso quando do
recebimento do Prêmio Nobel de 1982, se referiu a Faulkner como “meu mestre”2 (1983) a
ideia de tal diálogo constitui um consenso que vai de leituras materialistas a pós-colonialistas,
passando pelos principais críticos que se debruçaram sobre os romances de Márquez.
Surpreende, contudo, que boa parte das intervenções nesse âmbito se restrinja a
formulações de ordem generalizante e/ou biográfica, o que faz com que determinadas questões
ainda hoje permaneçam irresolutas: em que termos se pode entender a relação entre os dois
escritores como um dado propriamente formal? Quais são os elementos internos a suas
narrativas que, para além de constatações extraliterárias, sugerem algum diálogo? E se esse
diálogo efetivamente existe, como o romancista caribenho trabalha, desde seu próprio espaço
sociocultural, com os materiais faulknerianos? Nesse trabalho, o que se conserva, o que se perde
e o que se transforma?
Costuma-se aceitar, por exemplo, que os romances modernistas de Faulkner figurem
uma sociedade atrasada e essencialmente rural - no caso, o sul estadunidense ao início do século
XX. Nesse sentido, obras como The Sound and the Fury (1929) teriam cumprido um papel de
“acelerador temporal”3 (CASANOVA, 2005, p. 77) para o autor de Cien Años de Soledad
(1967) que haveria, nestas, descoberto a chave para representar a periférica realidade caribenha
sem prescindir de recursos literários avançados. Com isso, se resolveria a contenda latino-
americana entre regionalismo obsoleto e assimilação de técnicas importadas em termos daquilo
que Antonio Candido chamaria de “super-regionalismo” (2011, p. 195) e Rama designaria por
“transculturação” (2001, p. 209). Tal é, ainda, a posição de Deborah Cohn (2007, p. 500),
Fredric Jameson (2013, p. 186), Pascale Casanova (2005, p. 344), Philip Weinstein (2004, p.
2 Tradução própria de “mi maestro” (1983).
3 Tradução própria de: “temporal accelerator” (CASANOVA, 2005, p. 77).

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