A comprovação e a interpretação da incapacidade total e permanente na concessão da aposentadoria por invalidez

AutorCarina Kuhn Cardoso
Páginas35-44

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1. Introdução

O Direito Previdenciário vem ganhando cada vez mais espaço e se tornando objeto de discussão dos operadores de direito. As opiniões divergem nos mais inesperados pontos e há quem defenda a sua restrição sob os argumentos de anti-assistencialismo, fonte de custeio etc., como há quem defenda que o benefício previdenciário é direito fundamental do cidadão, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana e que a interpretação da norma deve convergir com o objetivo de proteção social da Previdência Social.

Dentre os mais diversos assuntos que têm se destacado no âmbito previdenciário, optou-se pelo estudo da aposentadoria por invalidez, benefício cuja concessão se dá principalmente na via judicial e depende da conclusão da perícia médica. Ainda, pretende-se chamar a atenção para tal prova, que tem sido banalizada e reduzida a curtas e lacônicas respostas em laudos não devidamente fundamentados.

Talvez por ser um benefício, em tese, menos complexo ou até por seu caráter precário, a análise do direito posto em juízo geralmente não condiz com a sua importância na vida do segurado e, embora pareça exigir simplória análise, preserva em si a inexatidão de seu requisito principal: a incapacidade.

Destarte, o problema da pesquisa consiste na indefinição do conceito de incapacidade total e permanente exigido pelo art. 42 da Lei n. 8.213/1991, que pode estar adstrito exclusivamente à conclusão médica pericial ou pode levar em conta fatores multidimensionais, os quais podem alterar, em muito, o destino do segurado. Por sua vez, também como problema da pesquisa inclui-se o questionamento acerca do papel da perícia médica nas ações de concessão de aposentadoria por invalidez, o que pode e deve ser exigido do perito, o que deve ser avaliado no exame pericial etc.

O trabalho foi dividido em duas partes, com o fim de, primeiramente, examinar o conceito de totalidade e permanência da incapacidade, quais os alargamentos possíveis e como aplicá-lo nas situações concretas. Após, no segundo ponto, a discussão se refere à perícia judicial, ao seu papel, seus requisitos e sua importância nas ações previdenciárias.

O objetivo geral é discutir qual é a incapacidade necessária à concessão do benefício e os aspectos

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envolvidos na análise pericial e nas ações previdenciárias, como o fim de demonstrar que a incapacidade laboral vai além da análise clínica da patologia, bem como a apontar os aspectos que devem ser sopesados pelos peritos e juízes na análise do pedido de aposenta-doria por invalidez. Por fim, pretende-se identificar as consequências de uma análise médica e judicial dissociada da realidade e verificar de que modo o judiciário vem se manifestando sobre o assunto.

A pesquisa sob o ponto de vista de sua natureza é aplicada, pois objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos à solução dos problemas acima especificados, no que se refere ao reconhecimento do direito à aposentadoria por invalidez. Do ponto de vista de sua forma de abordagem é qualitativa considerando que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, onde a interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. O ambiente natural seja de doutrina ou da própria norma é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave.

A elaboração dessa pesquisa justifica-se pela necessária discussão aqui posta, a qual pode contribuir para o aprimoramento da prática jurídica e do direito previdenciário, tão importante na vida de toda a população.

2. A interpretação da incapacidade total e permanente para o trabalho

Primeiramente, cumpre tecer breves considerações sobre o benefício sobre o qual se destina o presente estudo. A aposentadoria por invalidez é um benefício previdenciário do Regime Geral da Previdência Social e está prevista nos arts. 42 a 47 da Lei n. 8.213/19911, regulamentada pelo Decreto n. 3.048/19992, em seus arts. 43 a 50, sendo de responsabilidade da Autarquia Previdenciária, o Instituto Nacional do Seguro Social, a sua concessão e pagamento.

Nos termos do texto legal, a benesse é devida ao segurado que for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta subsistência e será paga enquanto permanecer tal condição. Além da incapacidade, o benefício exige outros dois requisitos, quais sejam, a qualidade de segurado e a carência, de 12 contribuições.

É o médico do Instituto Nacional do Seguro Social, em geral, que será o responsável por indicar se a incapacidade para o trabalho se mostra definitiva e se não há possibilidade de reabilitação para atividade di-versa, o que raramente acontece e que suscita inúmeras ações judiciais.3

A renda mensal corresponde a 100% do salário de benefício sendo que, necessitando o segurado de assistência permanente de outra pessoa, a renda mensal será acrescida de 25%, conforme redação dos arts. 44 e 45 da Lei n. 8.213/19914. Neste ponto, já é possível destacar que a concessão equivocada de auxílio-doença nos casos em que seria devida a aposentadoria por invalidez, acarreta prejuízo ao segurado, não só pelo maior coeficiente da RMI, o qual, no auxílio-doença, é de 91% do salário de benefício, mas também pela possibilidade do acréscimo de 25%, incabível no caso do auxílio-doença.

Apesar de ser um benefício deferido em razão da incapacidade permanente, a aposentadoria por invalidez é reversível, devida somente enquanto perdurar a incapacidade, de caráter precário, portanto, o que se depreende da redação do art. 42 da Lei de Benefícios5, que condiciona o pagamento à manutenção da incapacidade.

Exige-se o afastamento de todas as atividades do segurado, eis que a incapacidade precisa ser total, ou seja, para toda e qualquer atividade. O aposentado, quando solicitado, deve submeter-se a exame médico, a cargo da Previdência Social, sob pena de ser sustado o pagamento do benefício, inclusive processo de reabilitação profissional e tratamento dispensado

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gratuitamente. Se o aposentado voltar voluntariamente à atividade, não mais terá direito ao benefício, a partir da data do retorno.6

Em suma, a lei exige à concessão da aposentadoria por invalidez a constatação de incapacidade total e definitiva para atividade que garanta subsistência, sendo que deve existir a impossibilidade de reabilitação profissional. Todavia, é necessário aclarar o conceito de incapacidade total e permanente e analisar o que, de fato, define a possibilidade de reabilitação, ou seja, urge verificar que a apreciação da inaptidão laboral vai além de uma análise clínica e, por isso, a perícia não deve ser soberana, nem pode vincular a decisão do juiz quando da análise do pedido.

A incapacidade total e permanente é expressão que traduz conceito jurídico indeterminado, cuja aplicação no caso concreto é tarefa tormentosa aos operadores do direito, incumbindo ao magistrado acolmatá-la através da integração interpretativa, valendo-se de parâmetros como a idade, escolaridade, reinserção social, aptidões etc.7 O conceito em tela não é mais incumbência apenas da área técnica da medicina, sendo que "a evolução social e científica é que nos traz a necessidade de se rever esse conceito, tratando da invalidez como fenômeno biológico, psicológico e também social."8

Não se pode entender que a incapacidade deve ser absoluta, total, completa do segurado, no sentido de estar completamente impossibilitado de exercer qualquer tipo de trabalho. O que interessa para a configuração da invalidez é a perda da capacidade de ganho do segurado. Assim sendo, a aferição da incapacidade não se resume à comprovação médica, compreendendo um juízo complexo.9

O que se verifica é que, em alguns casos, não se cuida de incapacidade apenas fisiológica, propriamente dita, mas sim de uma inaptidão cultural para buscar atividade remunerada e manter-se produtivo, sobretudo para os que possuem baixa renda.10 Ou seja, a inaptidão para o trabalho não pode ser identificada apenas a partir de uma perspectiva médica, mas deve levar em conta também a limitação imposta pela história de vida do segurado e pelo seu universo social.11 Em outras palavras, o requisito da incapacidade laborativa passou a ser considerado mais amplo, pela análise de múltiplos aspectos ligados à individuali-dade e ao contexto social em que inserido o trabalhador segurado. Essa interpretação multifatorial é que se denomina de incapacidade biopsicossocial.12

Em razão da indeterminação do conceito, não são raros os segurados que não logram proteção satisfatória pelo manto da Previdência Social, notadamente quando recebem prestação por lapso reduzido, a despeito de uma improvável recuperação, além de indeferimentos em virtude de uma valoração equivocada e míope acerca da existência de incapacidade à luz dos requisitos legais do benefício.13 Nesta seara, a autarquia previdenciária, ao invés de conceder o benefício mais vantajoso ao segurado, insiste em conceder-lhe outro, mitigando as vantagens do segurado, como nos casos em que defere reiteradamente auxílio-doença ainda que o segurado faça jus à aposentadoria por invalidez.14

Um dos fatores que ocasionam o grande número de demandas judiciais em face do Instituto Nacional do Seguro Social é o fato de a análise da incapacidade ser feita de forma intransigente e vinculada pelo corpo de peritos da autarquia, a qual necessariamente guarda irrestrita obediência ao princípio da legalidade (art.

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5º, II, da Constituição Federal15). Não fosse isso, ingressando com ação judicial, o segurado depara-se com uma perícia judicial que, embora imparcial, opta por jungir-se à análise estritamente clínica, conclusão que conduz à concessão de auxílio-doença quando, na...

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