A Compreensão do 'Dano Moral' no Sistema Jurídico de Teixeira de Freitas

AutorDIOGO LIMA TRUGILHO
Páginas58-85
CAPÍTULO 3
A Compreensão do “Dano Moral” no Sistema
Jurídico de Teixeira de Freitas
Analisou-se, no capítulo anterior, o contexto histórico-jurídico e
as principais fontes de direito dos quais partiram os primeiros
civilistas brasileiros para desenvolver suas ideias acerca do “dano
moral” e sua reparabilidade.
Isto posto, é adequado que agora se investigue o tema
especificamente no Direito Civil brasileiro, a partir da obra de
Teixeira de Freitas, o seu grande pioneiro.
O jurisconsulto do império, é importante repetir, foi incumbido do
enorme desafio de elaborar a Consolidação das Leis Civis, em
meados do século XIX. Competia-lhe, pois, sistematizar o
aglomerado de leis vigentes no país, constantes principalmente das
Ordenações Filipinas, vastamente influenciadas pelo Direito romano
e germânico, por meio de uma cientificidade e metodologia
científica.
Freitas incorporou os mencionados ideais jusracionais. Em sua
Consolidação, sistematizou o Direito Civil brasileiro vigente de forma
vanguardista e inovadora.1
Diante do grande êxito da Consolidação das Leis Civis, Freitas
foi contratado pelo governo imperial para, dando continuidade ao
preceito constitucional de codificação, elaborar um projeto de
Código Civil, ou O Esboço do Código Civil, como preferiu intitular o
jurisconsulto.
Reitere-se, nas palavras de Pontes de Miranda, que “Teixeira de
Freitas foi o gênio do Direito Civil na América, no século XIX”. O seu
Esboço de Código Civil inspirou “os Códigos civis americanos que
apareceram depois de 1860 e se bem que superior ao Código
Civil de 1916 — foi esse projeto malogrado para o Brasil e bem
sucedido fora dele, na Argentina, no Uruguai, no Paraguai”.2 Pontes
de Miranda afirma, ainda, que
Muitas disposições que se acham no Bürgesliches Gesetzbuch e no
Zivilgesetzbuch acham-se nele, talvez sem que o soubessem os novos
legisladores. Depois dele, Lafayette Rodrigues Pereira, Trigo de Loureiro, Lacerda
de Almeida, Clóvis Beviláqua, Eduardo Espínola, Martinho Garcez. Outros, em
monografias e pareceres, tiveram menos significação.3
Por ser uma grande entusiasta do jusracionalismo, Freitas
propõe a reestruturação do Direito Civil fundada em elevadíssimo
rigor metodológico. O próprio autor afirma que seu trabalho é
alimentado pelo “sagrado fogo da Sciencia”4.
Analisar o sistema jurídico freitiano é, portanto, fundamental
para que se compreenda adequadamente o que o autor concebe
sobre o “dano moral”.
A Consolidação e o Esboço não constituem, entretanto, o ponto
de partida mais apropriado para tal empreitada. Essa se iniciará pela
análise da obra intitulada Nova Apostilla5, publicada em 1859,
também de autoria de Freitas. Em um segundo momento,
passaremos à análise da Consolidação e do Esboço.
Em a Nova Apostilla, o jurisconsulto critica severamente o
método adotado no projeto do Código Civil português, que seria
promulgado em 1867, e cuja comissão elaboradora era liderada por
Antonio Luís de Seabra.
Freitas menciona que apesar de Seabra ter cogitado por longo
período “a ordem que devêra seguir na codificação das Leis Civis,
não deixou sem maduro exame os melhodos até agora adoptados, e
as theorias imaginadas pelos mais doutos jurisconsultos”, sendo o
resultado de tantas meditações “um desalento completo”.6 O autor
aduz que
O rapido exame, que logo fizemos do Projecto do Codigo Civil Portuguez, foi para
nós uma decepção tremenda. Recahira elle antes de tudo sobre o Elencho das
matérias do Projecto, cuja distribuição e ordem dar-nos-ia de prompto uma idéa do
systema seguido pelo nobre autor; e a impressão não podia ser mais alheia de
tudo o que deviamos esperar. Dissemos entre nós, que o nobre autor seguia talvez
a opinião dos que nenhuma importancia davão á questões de methodo.7
Freitas declara que, muito embora o legislador português
houvesse dito na Apostilla que o Direito Civil deveria ser exposto “na
sua ordem mais simples e natural, ordem que não póde ser fundada
senão na mesma natureza do direito”, acabou por “adoptar um
methodo tão artificial, repugnante”, e de “funesta influencia para o

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