Composição do spread bancário e a desarrazoada pretensão de tabelamento dos juros

AutorGlauber Moreno Talavera
Ocupação do AutorExecutivo corporativo em São Paulo; Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-SP
Páginas157-169

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Percorrendo os derredores fáticos que permeiam a contratação de mútuo bancário, importa aos propósitos deste trabalho analisar o conteúdo do chamado spread bancário, ainda que sem a pretensão de pormenorizar o assunto e com objetivo primaz de, meramente, melhor referenciar a questão relativa aos fatores que determinam a fixação da taxa de juros média praticada pelo mercado.

Corriqueiramente, deparamo-nos com análises que atribuem as relativamente baixas taxas de crescimento econômico registradas no Brasil ao baixo volume de crédito concedido, que se imputa ao alto spread bancário nacional. Ab initio, cumpre-nos trazer à colação o conceito de spread bancário. Trata-se, resumidamente, da diferença apurada entre a taxa de captação que as instituições financeiras suportam em suas operações passivas e o custo ao tomador, assim entendida a taxa cobrada nas operações bancárias ativas.

Afora o lucro, elemento ínsito à atividade de intermediação desenvolvida pelas instituições financeiras, diversos outros elementos integram o spread bancário. Um primeiro componente que, à evidência, exerce influência relevante na formação do spread é o nível de concentração do Sistema Financeiro Nacional. Um sistema altamente concentrado é sinônimo de um mercado de crédito que tende a ser deficiente e incipiente, à medida que a reduzida competitividade do segmento financeiro implica redução do poder de

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barganha dos tomadores e potencializa o poder de imposição dos que concedem crédito.1Outro elemento que impacta reflexamente o spread é a taxa básica de juros da economia – SELIC – fixada mensalmente pelo COPOM – Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil – que por remunerar as operações interbancárias com títulos da dívida pública federal liquidadas no âmbito do Sistema Especial de Liquidação e Custódia mantido pelo Banco Central do Brasil, depositário dos títulos objeto de negociação, serve de termômetro para a estipulação das taxas de juros praticadas nos contratos de mútuo bancário firmados pelas instituições mutuantes com tomadores em potencial. Obviamente, quanto maior a taxa referencial fixada, maior o spread.

No âmbito da regulação do sistema financeiro, outro componente do spread digno de ser trazido a lume é o nível dos depósitos compulsórios,2cuja finalidade precípua é o controle estratégico do

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fluxo monetário do país, ou seja, a alíquota incidente por determinação do Banco Central sobre o volume de depósitos à vista e a prazo mantidos pelas instituições financeiras. Em poucas palavras, quanto mais alta a alíquota do compulsório, maior o encaixe bancário, mais restrito o efeito multiplicador da moeda que a atuação do intermediário financeiro produz, mais alto o spread.

A carga tributária também influi indiretamente na consolidação do spread. Tanto os tributos diretos como os indiretos que repercutem na atividade financeira são fator de oneração que superdimensionam o spread. Por duas razões básicas: 1. constituem custo que, invariavelmente, é embutido na taxa de empréstimo contratada; e 2. representam, sob um prisma macro, parcela da poupança privada que é remetida compulsoriamente aos cofres públicos quando poderia, ao revés, dinamizar a economia e potencializar o efeito multiplicador da moeda, através de depósito em instituição financeira seguido de repasse a novos tomadores por meio de novas operações de concessão de crédito, incrementando, assim, o nível de alavancagem de empréstimos.

Determinantes do spread são também os “custos administrativos”, denominação que engloba toda uma gama de despesas incorridas pelas instituições financeiras na constituição de uma estrutura adequada para intermediação de ativos e para a demanda dos tomadores de recursos em potencial. Representam um custo fixo que impacta de forma vultosa as atividades financeiras, sobretudo as operações de concessão de crédito a pessoas físicas, que envolvem recursos de menor monta, e é diretamente proporcional ao grau de burocratização associado à formalização dessas operações.

Por fim, merece análise pouco mais pormenorizada o elemento que mais onera o spread: a inadimplência. Materializada na conduta

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afrontosa ao imperativo imanente ao pacta sunt servanda, a inexecução contratual consubstancia-se no descumprimento de obrigação livremente assumida em decorrência do contrato firmado. Altos índices de inadimplência refletem diretamente no ambiente de negócios, influenciando, inexoravelmente, no rigor metodológico de aferição do risco envolvido na operação de concessão de crédito.

Importante salientar, nesse ponto, que o elemento “risco de crédito” é tomado numa dimensão ampla, que congrega uma série de fatores, os quais, em última análise, servem de supedâneo para que seja traçado um panorama o mais preciso possível do contexto real em que se encontram inseridos os agentes econômicos envolvidos no processo de concessão e tomada de crédito.

Nesse sentido, vale elencar perfunctoriamente esses vários fatores que compõem o elemento risco de crédito.3Primeiramente, do ponto de vista estrutural, vale evidenciar a relevância da existência de uma central informatizada de risco e proteção ao crédito, que consolide, num banco de dados único e de ampla acessibilidade, as informações atinentes ao perfil sócio-econômico e histórico dos potenciais tomadores de crédito que “batem às portas” das instituições financeiras.4

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Afora esse aspecto eminentemente estrutural, outros critérios macro impactam o processo de formação do spread. Esses critérios compõem o que, no mercado, convencionou-se chamar “ambiente propício para a realização de negócios”.

Essa atmosfera adequada tem como indicativos – que permitem sua percepção pelos agentes de mercado – a consolidação do regime democrático, a solidez dos fundamentos econômicos, a higidez das instituições e a segurança jurídica. Este último, emanado, por natureza, da seara legal, materializa-se no respeito às leis, no cumprimento dos contratos, na efetividade dos instrumentos de recuperação de crédito oferecidos pela legislação vigente, no grau de burocratização dos procedimentos relacionados ao manejo de tais instrumentos, no aprimoramento constante do arcabouço legal e na celeridade da prestação de justiça aos jurisdicionados pelo poder judicante.

Em suma, é de concluir-se que a taxa praticada na contratação de mútuo bancário é, com efeito, revérbero condicionado de uma conjunção complexa de fatores sistêmicos diversos, alguns de cunho econômico, outros de caráter jurídico, outros ainda de natureza estrutural, que atuam como elementos componentes da margem de spread que as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, para viabilidade de sua...

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