A complexidade ambiental dos direitos humanos: aportes para o desenvolvimento humano

AutorLeilane Serratine Grubba
Páginas103-1116
A COMPLEXIDADE AMBIENTAL DOS DIREITOS HUMANOS: APORTES PARA
O DESENVOLVIMENTO HUMANO
THE ENVIRONMENTAL COMPLEXITY OF HUMAN RIGHTS: CONTRIBUTIONS TO
HUMAN DEVELOPMENT
Leilane Serratine Grubba
1
Resumo: Este artigo tem por objeto a complexidade ambiental do desenvolvimento humano.
Nesse sentido, objetivou demonstrar a intrínseca relação e interdependência do
desenvolvimento humano (a vida digna) ao desenvolvimento ambiental sustentável. O artigo
problematizou a relação entre o ser humano e o meio ambiente, para afirmar a necessidade de
uma relação complexa entre humano e natureza em prol do desenvolvimento humano,
entendido como o desenvolvimento da vida digna, material e imaterialmente. Diante disso, em
primeiro lugar, foi apresentado o pensamento complexo de Morin. No segundo momento, foi
analisada a complexidade ambiental e quais as influências dessa complexidade na realidade
humana. Por fim, foi apresentado o modo como a complexidade ambiental influi e pode
contribuir para o desenvolvimento humano (a vida digna). O desenvolvimento humano não
está apenas vinculado à dimensão econômica, mas compreende todas as dimensões
(complexidades) que perfazem uma vida digna de ser vivida.
Palavras-chave: Pensamento complexo, meio ambiente, complexidade ambiental,
desenvolvimento humano, dignidade humana.
Abstract: This article focuses on the environmental complexity of human development. In
this sense, we aimed to demonstrate the close relationship and dependence between human
development (dignified life) and environmental sustainable development. This article
problematized the relationship between humans and the environment, to affirm the need for a
complex relationship between man and nature in favor of human development, understood as
the development of decent life, materially and immaterially. Therefore, first, was presented
the complex thought of Morin. In the second step, we analyzed the environmental complexity
and the influences of this complexity in human life. Finally, it was shown how the complexity
and environmental influences may contribute to human development (the good life). Human
development is not only linked to the economic dimension, but includes all dimensions
(complexities) that make up a life worth living.
Keywords: Complex thought, environment, enviromental complexity, human development,
human dignity.
Considerações iniciais
Precisamos de uma nova visão de mundo, de uma percepção do ser humano
inserido em sua complexidade,2 em suas múltiplas relações com os fenômenos do mundo. Isso
1 Mestre e Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de
Santa Catari na UFSC. Gra duada em Direito pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina. Bolsista
CNPq. Professora temporária (substituta) de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail:
lsgrubba@hotmail.com.
2 A ca tegoria complexidade advém do termo complexus, que é “[...] o que está junto; é o tecido formado por
diferentes fios que se tra nsformam numa só coisa. Isto é, tudo isso se entrecruza, tudo se entrelaça para formar a
unidade da complexidade; porém, a unidade do complexus não destrói a variedade e a diversidade das
complexidades que o teceram”. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand,
2010, p. 108 e 188.
significa perceber o humano como parte integrante do meio ambiente no qual está inserido,
como um ser contextual, temporal e geográfico.
Ora, se cada ser humano detém uma identidade própria e, por consequência dela,
apresenta diferenças para com os demais, nesse sentido, todos são contextuais na medida em
que a identidade se constrói individualmente em razão da genética, dos valores, da cultura, do
modo de produção e consumo de sua localidade geográfica, do tempo no qual nasceu e se
desenvolveu, do grau de escolaridade, etc.
É justamente a partir dessa identidade que cada ser humano se relaciona com os
fenômenos do mundo, consigo, com os outros humanos, com a natureza, assim como com as
dimensões da vida em sociedade (economia, política, etc.). Mais do que isso, a partir dessa
complexidade ambiental do humano que falaremos de desenvolvimento para a vida digna.
Quando falamos em complexidade ambiental, nos referimos a uma complexidade que
ultrapassa a mera complexidade da natureza e dos recursos naturais. Falamos de uma
complexidade que é ambiental na medida em que representa todas as dimensões da vida
humana: a suas relações consigo, com os demais humanos e com a natureza.
Ao falarmos de desenvolvimento humano para a vida digna, falamos de uma das
facetas dos direitos humanos, um tema de alta complexidade. Isso quer dizer que os direitos
humanos não existem somente no mundo jurídico, mas são permeados pelas complexidades
cultural, empírica, jurídica, filosófica, política, econômica, ambiental, etc. Os direitos
humanos, enquanto direitos positivados, pertencem à dimensão jurídica, mas eles também são
influenciados, assim como influenciam, a dimensão política, a dimensão econômica, etc.
Também podem ser considerados, numa dimensão social, a aspiração dos seres humanos por
uma vida digna. Principalmente, os direitos humanos possuem uma complexidade ambiental,
em razão de trabalharmos um tema psicossociocultural, no qual os seres humanos estão em
constante troca de energia com o meio o contexto.
Nesse sentido, este artigo tem por objeto a complexidade ambiental do
desenvolvimento humano e objetiva demonstrar a intrínseca relação e dependência do
desenvolvimento humano (a vida digna) ao desenvolvimento ambiental sustentável. O artigo
problematizou a relação entre o ser humano e o meio ambiente, para afirmar a necessidade de
uma relação complexa entre humano e natureza em prol do desenvolvimento humano.
Diante disso, em primeiro lugar, apresentamos, epistemologicamente, o que é o
pensamento complexo de Morin. No segundo momento, dedicamo-nos a analisar a
complexidade ambiental, ou seja, o que se pode entender por complexidade ambiental e quais
as influências dessa complexidade na realidade humana. Por fim, apresentamos o modo como
a complexidade ambiental influi no desenvolvimento humano (a vida digna). Nesse sentido,
entendemos que o desenvolvimento humano não está apenas vinculado à dimensão
econômica, visto que se relaciona complexamente com a questão ambiental, que envolve a
natureza, a política, a sociedade, a cultura, etc.
1 Compreender a complexidade dos fenômenos
A complexidade dos fenômenos nos leva a perceber que precisamos de uma nova
visão de mundo, de uma percepção do ser humano inserido em sua contextualidade, em sua
complexidade. Isso significa perceber o ser humano como parte integrante do meio ambiente
no qual está inserido. Considerando o humano um ser psicossociocultural, ele é influenciado,
em que pese não determinado, pelo contexto no qual emerge, assim como exerce
modificações sobre esse mesmo contexto. Trata-se, por conseguinte, de uma relação dialógica
entre os humanos, individualmente considerados, e o seu meio ambiente.
Nesse sentido, por ser parte constitutiva do meio, embora com ele não se confunda
(existe a manutenção da identidade individual dentro da unicidade ambiental), o humano é
permeado pela sua complexidade antropológica, filosófica (narrativas), ecológica, social,
política, econômica, cultural, etc. Em suma, é um ser contextual, temporal e geograficamente,
ou seja, um ser ambiental. Além disso, enquanto espécie, os humanos transcendem seu tempo
e seu lugar, são também históricos.
Para entendermos o que é precisamente essa nova visão de mundo, devemos
começar por perceber a necessidade de um pensamento complexo. Para Morin, esse
pensamento se resume ao “[...] conjunto de princípios de inteligibilidade que, ligados uns aos
outros, poderiam determinar as condições de uma visão complexa do universo (físico,
biológico, antropossocial)”.
3
De fato, não existe um paradigma da complexidade. O que existe é uma
complexidade de fenômenos que ocasionam efeitos concretos na vida humana e que precisam
também ser considerados pela ciência, em seu processo de produção de conhecimento. Diante
disso, podemos falar de um pensamento da complexidade ou pensamento complexo, que seja
constituído na e pela conjunção de princípios de inteligibilidade.4
O pensamento da complexidade é, acima de tudo, um incentivo para o
pesquisador alcançar uma nova visão do mundo, que seja dialógica e que perceba tudo,
inclusive os fenômenos humanos (nas ciências humanas) de maneira inter-relacionada. Em
suma, para que ele considere a complexidade da questão a ser estudada. A complexidade nos
leva a distinguir, mas paradoxalmente a nos fazer comunicar todos os elementos possíveis.
Não se trata mais de adotarmos uma postura reducionista do isolamento e da separação do
objeto a ser estudado do seu meio. Em última instância, implica em reconhecermos todos os
possíveis traços singulares, históricos e originais dos fenômenos que queremos estudar, sem
ligá-los a determinações ou leis gerais.
Embora aparentemente paradoxal, esse é um pensamento que nos leva a um
princípio dialógico, que percebe a unidade e a multiplicidade conjuntamente: a existência de
uma unidade (o meio ambiente) e as multiplicidades individuais que estão nela englobados.
Por isso, existe a percepção dos caracteres multidimensionais de toda a realidade. Antes de
prosseguirmos, devemos mencionar que, apesar de o pensamento complexo perceber os
fenômenos do mundo em sua contextualidade ou, em outras palavras, em suas múltiplas
relações, não devemos confundi-lo com o pensamento holístico, no qual importa a
compreensão do todo. O pensamento complexo não é holista. Além de não intentar a
compreensão do todo, mas das conexões, percebe a impossibilidade de conhecermos o todo
ou a verdade, visto que todas as teorias e conhecimentos são falíveis.
Para Morin,5 apesar de o conhecimento holístico se opor à concepção reducionista
que remete à ciência clássica procura a explicação nos elementos de base (isoladamente) ,
recai igualmente em reducionismo ao buscar a explicação dos fenômenos no nível da
totalidade, que não passa de uma ideia simplificada do todo, por fazer da totalidade uma ideia
à qual se reduzem as demais.
Por isso, complexamente, se atribui importância ao todo ao mesmo tempo em que
se concede importância às par tes, pois que, em última instância, a grande importância reside
no movimento (conexões) de dupla via entre o todo e as partes. Assim, considerando que
somos todos seres humanos psicossocioculturais, nossa complexidade diz respeito, dentre
outros elementos, ao nosso corpo elementos físicos, biológicos, químicos , ao nosso
contexto social, político, econômico, cultural, ambiental , à nossa subjetividade psíquica,
religiosa, ideológica , à nossa formação objetiva escola, universidade. Portanto, o problema
da complexidade é justamente a incompletude e a incerteza do conhecimento. Nesse ponto,
intenta-se conceber a articulação, mas também a identidade e a diferença entre as
complexidades humanas.
3 MORIN. Op. Cit., p. 279.
4 Idem, p. 289.
5 Idem, p. 259.

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