Funções das leis complementares no sistema tributário nacional - Hierarquia de normas - Papel do CTN no ordenamento

AutorProfª Heleno Taveira Tôrres
CargoDoutor em Direito (PUC/SP). Mestre em Direito Tributário (UFPE)
Páginas1-25

Doutor em Direito (PUC/SP). Mestre em Direito Tributário (UFPE). Especializado em Direito Tributário Internacional (I Universidade de Roma "La Sapienza"). Professor de Direito Tributário Internacional no Mestrado e Doutorado da PUC/SP e de Direito Tributário na UNIFIEO. Advogado e Conferencista. Docente Consultor da CAPES, para avaliação dos Cursos de Pós-Graduação (desde 1999).

Page 1

1. Considerações iniciais

Pela exigência de aperfeiçoamento da legislação tributária, no atual quadro de reforma do Estado, na era da fiscalidade de massa, globalização econômica e da extrema mobilidade de pessoas, bens e riquezas, a codificação do direito tributário ganha relevância, em vista dos anseios de uma sempre crescente garantia da segurança jurídica do sistema.

Os fundamentos que justificam uma discussão a respeito do aperfeiçoamento da codificação (normas gerais) são vários, o que vamos verificando nos motivos alegados para reformas tributárias, dentre os quais poderíamos enumerar os seguintes: i) busca de aperfeiçoamento do ordenamento jurídico e da prática, para colocar o Fisco em sintonia com os novos conceitos, evoluídos modelos de interpretação do direito, técnicas de tributação; ii) condição para uma harmonização fiscal entre os países da América Latina, presentes ou não em processos de integração; iii) maior respeito aos direitos dos contribuintes, de modo a permitir uma relação entre Fisco e contribuinte baseada em valores democráticos, entabulada numa transparência fiscal, e informada pelos ditames da vinculação, clareza e simplicidade; iv) atualização do catálogo dos limites à ação fiscal, mediante a inserção ou ampliação do código de defesa do contribuinte; v) aperfeiçoamento da legislação para reduzir as possibilidades de fraudes, evasões fiscais, mecanismos elisivos e até mesmo a corrupção; vi) exigência de elementos de resistência às penetrações indesejáveis de conceitos forâneos, principalmente de common law. Esses são motivos mais que legítimos para justificar tal preocupação. Page 2

Como corolário dessa questão, justapõe-se o tema da hierarquia sistêmica de normas, a respeito do que temos orientação diversa do que tradicionalmente tem sido veiculado na nossa doutrina, de menor crítica, é claro. Entendo que toda hierarquia normativa baseia-se na exclusivamente na competência dos órgãos responsáveis pela produção de normas no ordenamento, porquanto um mesmo órgão pode desempenhar diversas funções, a partir de competências distintas. Vê-se, portanto, o quanto já está superada a pueril concepção piramidal de Kelsen. Se a validade das normas exige órgão competente atuando segundo os ditames do ordenamento (processo ou procedimento), será exclusivamente a identificação da competência o elemento preciso de demarcação da posição hierárquica da norma produzida no ordenamento jurídico.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe um grupo de normas muito abrangente para instituir o respectivo sistema tributário nacional, com disposições atributivas de poder de tributar, sob a forma de competências, à União, Estados, Distrito Federal e Municípios; além das limitações constitucionais a essa repartição de poderes. Por isso, aparentemente, o papel do Código Tributário Nacional (Lei 5172/66), entre nós, não tem a importância que possui para os demais países, cujas constituições não asseguram os pressupostos e os limites para o exercício da tributação.

Mas se o Código Tributário Nacional não desempenha esse papel de centralidade primordial no sistema tributário brasileiro nem por isso deixa de ter sua repercussão. A própria Constituição Federal (art. 146, III) exige que o sistema de legislações (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) submeta-se às chamadas "normas gerais de direito tributário", como forma de: regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, aplicando-se estritamente àquelas que exigem lei específica para surtir efeitos (art. 146, II; 150, VI, "c"; 195, § 7º, 156, § 3º CF); ii) evitar eventuais conflitos de competência entre as pessoas tributantes, quando deverá dispor sobre fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos já identificados na Constituição (art. 146, I e III, "a"; 155, § 2º, XII, CF); iii) definir os tributos e suas espécies (art. 146, III, "a", CF); iv) harmonizar os procedimentos de cobrança e fiscalização dos tributos, tratando de obrigação, lançamento e crédito - art. 146, III, "b", CF; e v) uniformizar os prazos de decadência e prescrição - art. 146, III, "b", CF; vi) fomentar, de modo harmonizado, adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Trata-se de algo fundamental, essa oportunidade de reascender diálogos acadêmicos sobre o modelo de código tributário vigente, pelos importantes efeitos que o movimento de codificação permite aos ordenamentos, desde que inspirado no respeito aos direitos fundamentais1, Page 3 numa forma racional de atuação e harmonização dos mecanismos de incidência, além de outros aspectos pertinentes ao aperfeiçoamento da legislação tributária2.

2. O Código Tributário Nacional - Função interna
2. 1 Breve escorço histórico

O Código Tributário Nacional surge a partir da Lei nº 5.172, em 25 de outubro de 1966, como resultado da reforma operada pela Emenda Constitucional nº 18/65. Todavia, desde 1953, por ordem do então Ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, encontravam-se instalados os trabalhos para realizar tal codificação do direito tributário brasileiro. Para esta tarefa, foi nomeado Rubens Gomes de Sousa, que ficou encarregado da preparação de um anteprojeto, o qual foi apresentado em 1954. Este projeto não logrou conversão em lei. Somente mais tarde, sob a égide daquela Emenda nº 18/65, a partir de um outro anteprojeto redigido pela Comissão composta dos Professores Gilberto de Ulhôa Canto, Rubens Gomes de Sousa e Gerson Augusto da Silva (médico), que contavam com a ajuda de Aliomar Baleeiro, , tal desiderato chegou a bom termo3.

Como se vê, a Lei nº 5.172/66 foi redigida sob a égide da Constituição Federal de 1946, respeitando o seu art. 5º, XV, b, tendo sido recepcionado pelo § 1º do art. 18, da Constituição de 1967, o qual dispunha: "Lei Complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre conflitos de competência nessa matéria entre União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e regulará as limitações constitucionais ao poder de tributar". Em seguida, o Ato Complementar nº 36, de 13/03/1967, em decorrência dos efeitos de recepção e reconhecendo naquela lei as funções exigidas para lei complementar, lha atribuiu a denominação com a qual atualmente a reconhecemos, de Código Tributário Nacional.

Em face do princípio da recepção constitucional (art. 34, § 5º, dos ADCT/CF), o Código Tributário Nacional foi mantido também pela Constituição de 1988, em tudo o que não seja com ela incompatível, em atendimento ao primado da economia legislativa e por estar em consonância com as exigências do art. 146, CF, a saber:

Art. 146. Cabe à lei complementar4: Page 4

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. (g.n.).

Mesmo se en passant, mas precisávamos situar o Código Tributário, temporalmente, em nosso sistema tributário, ora superando mais de seis lustros cumprindo as exigências constitucionais típicas. Feitas essas digressões, passemos agora a uma análise das funções que a lei complementar cumpre no sistema tributário nacional, para em seguida discorrermos sobre o conteúdo e alcance das normas gerais e o papel da codificação.

2. 2 Conceito e funções da lei complementar no sistema tributário nacional

Sabemos que todos os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem suas constituições e leis orgânicas, cada qual regendo os respectivos sistemas de normas próprios, sob a égide dos princípios do federalismo e autonomia dos municípios. Contudo, para a União, a mesma Constituição que rege a República Federativa do Brasil (art. 1º, CF), regula também suas atividades, exercidas na qualidade de pessoa jurídica de direito público interno (art. 18, CF). Percebendo essa sobreposição, já Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, em 1937, na sua obra: "natureza jurídica do Estado Federal", fizera a necessária separação entre aquelas normas que, por se aplicarem à República Federativa do Brasil, concentram em si eficácia vinculante para todas as pessoas políticas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT