O Compartilhamento de Petróleo e Gás Natural entre Estados Soberanos à Luz do Ordenamento Jurídico Internacional

AutorDiogo Pignatario de Oliveira
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas112-179
DIREITO INTERNACIONAL DO PETRÓLEO: O COMPARTILHAMENTO
DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL ENTRE ESTADOS
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A situação fática da comunicabilidade de uma reserva de
petróleo e gás integrante do território de dois ou mais
Estados soberanos, perfazendo o compartilhamento dos
direitos de exploração e produção que possuem com relação
ao recurso natural luido e que se locomove facilmente
no subterrâneo, gera imperiosamente a necessidade da
existência de normas jurídicas especíicas que tratem da
questão, dando uma resposta jurídica concisa ao modo pelo
qual as operações devem ter seguimento, bem como a forma
pela qual os Estados devem agir.
O petróleo e o gás, devido às suas características ísicas,
não obedecem as demarcações de concessionários, nem
tampouco as fronteiras políticas entre os Estados.1 Assim,
ao mesmo tempo em que há um compartilhamento de sobe-
ranias, há práticas que convergem para um aproveitamento
conjunto, observando os recursos em questão como uma
unidade, e não divididos por direitos soberanos distintos.
A natureza dos recursos naturais compartilhados
envolvidos como de alta luidez, e não de solidez, estabe-
lece um regime jurídico próprio, calcado no Direito Inter-
nacional Público, dotado de regras e princípios exclu-
sivos que limitam a soberania territorial. Esse complexo
sistema jurídico, considerado relativamente novo no Direito
Internacional,2 começou a ser desenhado a partir dos anos
1930, no curso da Academia de Haia sobre a natureza jurí-
dica do território,3 bem como em trabalhos da primeira
conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
4
e em
1 UTTON, A. E. e MCHUGH P. D. On an Institutional Arrangement for Develo-
ping Oil and Gas in the Gulf of Mexico, 26 Natural Resources Journal, 717,
722 (1986).
2
GAULT, I. The Frigg Gas Field. Marine Policy. v. 3, n. 4, 1979, p. 302. (Guilford).
3
SCHONBORN, Walter. RCADI, t 30, V, 1929, p. 147, in BOUVET, Jean–Pierre.
L’Unité de Gisement. Paris: L’Harmattan, 2004, p. 272.
4 Anuário Comissão de Direito Internacional (CDI), 1950, v. II, p. 112,
parágrafo 337, doc. A/CN.4/32 in BOUVET, Jean–Pierre. Op cit, p. 272.
Capítulo 6 • O Compartilhamento de Petróleo e Gás Natural entre Estados ...
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artigos jurídicos doutrinários,5 destacando–se sua imensa
diiculdade de resolução, tendo em vista justamente a sua
mencionada natureza luida.
Depósitos de minerais líquidos (gases ou luidos)
diferem dos depósitos minerais sólidos, os quais localizados
em fronteiras ou linhas divisórias se perfazem reconheci-
damente independentes. Depósitos de minerais líquidos
que se estendem para além das fronteiras dos países, tais
como o petróleo e o gás, de modo que em cada lado possa
ser explotado distintamente, no todo ou em parte, caracte-
rizam os ditos recursos.6
Alguns recursos naturais que se encontram nessa
posição, compartilhados entre dois ou mais Estados sobe-
ranos, não podem ser divididos ou partilhados ao meio por
uma linha fronteiriça, na medida em que geograicamente
se têm estabelecidos os pontos e as demarcações oiciais.
Não é por outro motivo que pode se airmar que:
Uma mina de chumbo ou de ouro que se situe através
de uma fronteira internacional pode ser dividida pela
demarcação natural existente das limitações. No
entanto, não é possível de partilhar da mesma maneira
uma jazida de gás situada através de uma fronteira, pois
um Estado, por meio de uma perfuração em seu próprio
território, pode extrair gás do território vizinho.7
5
MORENO, Ruiz I. Las explotaciones petrolíferas em las fronteras inter-
nacionales. Anuario hispano–luso–americano de derecho internacional.
1959, v. 1, p. 92, Madri in BOUVET, Jean–Pierre. Op cit, p. 273 e GAULT,
I. Voisinage et bon voisinage en droit international. Paris, 1980, p. 124 in
BOUVET, Jean–Pierre. Op cit, p. 273.
6
LAGONI, R. Oil and gas deposits across national frontiers. American Journal
of International Law. v. 73, n. 2, p. 215–243, 1979. Washington, p. 215.
7 BARBERIS, J. A. Le régime juridique international des eaux souterraines.
AFDI, 1987, v. 33, p. 138, Paris. Tradução livre do original: « Une mine de
plomb ou d’or située em travers d’une frontière internationale peut être
divisée par la démarcation sur le terrain de cette frontière. Mais il n’est
pas possible de partager de la même manière un gisement de gaz situé en
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DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL ENTRE ESTADOS
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O aproveitamento conjunto de depósitos transfron-
teiriços de maneira conjunta parece, então, ser a estra-
tégia ideal a ser tomada para o seu desenvolvimento de
um ponto de vista técnico, conservacionista e ambiental.
No entanto, sob o prisma jurídico, o desenvolvimento de
depósitos comuns soberanamente faz com que nasçam
questões complexas e intricadas para negociar. Aplicando
o princípio fundamental que considera a não extensão do
território soberano, e consequentemente, dos direitos exclu-
sivos soberanos dos países para além de suas fronteiras,
cada país somente pode exercer sua autoridade exclusiva
em seu próprio território. A tomada de qualquer atividade
para além de uma fronteira internacional constituiria uma
violação clarividente.8
Assim, o modelo de explotação a ser contemplado nos
casos de compartilhamento de recursos naturais é o modelo
único, no qual os Estados soberanos renunciam ao exer-
cício de seu direito de explotação, cedendo–os em exclusivi-
dade a outro, e vice–versa, a im de atuarem conjuntamente
sobre aquele território conjunto onde se situam petróleo
e gás compartilhados. É por tal razão que a deinição de
um plano único de explotação para o campo de petróleo
e gás compartilhado deve ser executado por um operador
único, que demanda a feitura de um conjunto jurídico de
normas que regerão todo o processo. A unidade de jazidas
faz desaparecer a fronteira dos Estados do ponto de vista
técnico, mas ela não o faz, necessariamente, do ponto de
vista jurídico.”9
travers d’une frontière, car un Etat, par un forage exécuté dans son propre
territoire, peut extraire le gaz du territoire voisin ».
8
WEAVER, Jacqueline Lang et al. International Unitization of Oil and Gas
Fields:The Legal Framework of International Law, National Laws, and
Private Contracts. Houston: Association of International Petroleum Nego-
tiators, 2005, p. 75.
9
BOUVET, Jean–Pierre. L’Unité de Gisement. Paris: L’Harmattan, 2004, p. 145.

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