Comparacoes entre as tendencias dos servicos legais na America do Norte, Europa e America Latina--Primeira Parte.

AutorHurtado, Fernando Rojas

Introducao (1)

Por toda a America Latina, uma geracao de advogados tem trabalhado duramente para dissipar o esteriotipo que se tem sobre eles. Ha uma tentativa de desfazer a roupagem posta sobre eles que os ve como elitistas, defensores do Estado e do status quo, e retirar o veu que mitifica o direito.

Estes advogados, que leram Marx, Gramsci, Poulantzas, Foucault e os romances latinoamericanos dos ultimos vinte e cinco anos, tem experimentado o sofrimento da gente oprimida nas isoladas zonas rurais e em grandes concentracoes urbanas. Vamos descrever nesse artigo o tipo de trabalho que estes profissionais do direito realizam nao somente para mudar a percepcao publica que se tem deles, mas tambem para transformar a sociedade.

Muito se escreveu sobre os servicos legais na America do Norte e na Europa. Podem ser feitas vastas generalizacoes e sugestivas comparacoes entre eles. Caso se leve em conta o numero e a qualidade de tais estudos, os novos servicos legais latino-americanos ainda sao um tema pobremente investigado. Mais ainda sao os esforcos pioneiros para descrever tais servicos. Tal timidez talvez se deva ao fato de se tratar de um fenomeno relativamente recente: os novos servicos legais datam de quinze anos atras no maximo; todavia se encontram na luta por definir seu lugar e significado em nossas sociedades (LIEBENSON, 1984; THOME, 1984; ZEMANS, 1983).

Os servicos legais "inovadores" ou "participativos" da America Latina sao diferentes dos que existem em outras regioes do mundo. Particularmente, sua especificidade nao se enquadra na imagem de "ajuda legal", comum nos paises capitalistas avancados como os da America do Norte e da Europa (2). E necessario, pois, analisar os fatores diferenciadores.

Seguiremos um percurso de 3 partes para ressaltar as peculiaridades dos novos servicos legais latino americanos. Primeiro, dado o estado de seu desenvolvimento incipiente e das analises realizadas sobre eles na America Latina, e necessario elaborar uma caracterizacao especifica (destes novos servicos legais). Em seguida iremos comparar esta caracterizacao com aquela propria da America do Norte e da Europa, tal como e descrita na vasta literatura existente. Com base nas secoes descritiva e comparativa, na terceira parte discutiremos os limites e potencialidades dos novos servicos legais no subcontinente. Neste artigo, so incluimos a primeira parte; a segunda e a terceira serao publicadas nos proximos numeros dessa Revista (3).

Definicoes, alcances e limitacoes

Realmente se pode falar de servicos legais latino-americanos?

Tres condicoes sao indispensaveis para que a expressao "servicos legais latino-americanos" tenha um significado relevante para os propositos deste artigo. Em primeiro lugar, as sociedades latino-americanas tem que constituir uma unidade de acordo com os criterios voltados a esse proposito; em segundo lugar, estes criterios devem contribuir para explicar as tendencias comuns corretamente observadas nos servicos latino-americanos; por ultimo, o que chamamos novos servicos legais deve constituir um feito significativo quando se apresenta em um numero de destaque de paises do continente.

A America Latina e uma regiao heterogenea: inclui paises de diferentes tamanhos, com niveis de desenvolvimento desiguais e regimes politicos variados. Ao inves de ser uma formacao social simples, e um conjunto de sociedades diferentes, frequentemente desconectadas, com barreiras levantadas pela historia, pela geografia, e mesmo pela linguagem e pela cultura. Com poucas excecoes, o denominador comum consiste em uma historia imposta por determinacoes coloniais, pos-coloniais e pelo capitalismo periferico.

Todos os paises latino-americanos encontram-se, em maior ou menor grau, na periferia da economia capitalista mundial e da cambiante divisao internacional do trabalho. O conceito de periferia se refere a uma localizacao que diz respeito ao nucleo de acumulacao e transformacao dentro do sistema mundial. Esta localizacao impoe um conjunto de relacoes economicas e politicas, e estas, por sua vez, constituem o esquema em que tem lugar as lutas dentro das sociedades perifericas. Porem, por si mesmas elas nao dao conta da enorme diferenca em quantidade e qualidade que existe nas lutas entre as diversas sociedades perifericas.

Muitos autores estrangeiros e da America Latina coincidem em afirmar que o atual denominador comum destas sociedades e a similar situacao de dependencia em relacao aos Estados Unidos, ou dos Estados Unidos e dos paises capitalistas do hemisferio norte (CARDOSO, 1969). De fato, as lutas anticapitalistas na America Latina, como em outros lugares, se centram em redefinir seus vinculos com as economias capitalistas avancadas. Esta e a razao pela qual o "antiimperialismo" ordinariamente faz parte transcendental da agenda dos movimentos revolucionarios. A luta contra a dependencia constitui um dos lacos comuns que subjetivamente focalizam os empenhos anticapitalistas da America Latina. Entretanto, o conceito de dependencia, apesar de seu atrativo fator uniformizador da consciencia latino-americana, sofre das mesmas deficiencias do conceito de periferia. Para nao dizer que tende a desviar a atencao teorica e politica, reivindicando um suposto terreno de autonomia dentro da ordem mundial. Nesse sentido, a dependencia enfatiza as relacoes internacionais, no lugar das relacoes interclassistas. Dada esta distorcao, a nocao de dependencia pouco pode fazer para explicar as origens internas dos novos servicos legais latino-americanos, ou para avaliar seu impacto social e politico.

O conceito de subdesenvolvimento nao somente e debil como criterio para explicar a America Latina como unidade, como tambem possui duvidosa validade cientifica para interpretar as diferencas entre as lutas que se sucedem na regiao (BRENNER, 1977). Por exemplo, a baixa renda per capita, a composicao setorial do PNB (4), ou a proporcao da populacao rural, dificilmente explicam o desenvolvimento desigual do sistema de servicos legais em nossos paises. Tampouco alcanca a analise da distribuicao de renda e de riqueza. A desigualdade politico-social tem de ser complementada por muitos outros fatores...

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