Estado e comércio internacional: convergências e divergências

AutorPatricia Ayub da Costa; Tânia Lobo Muniz
Páginas217-233

Patricia Ayub da Costa. Mestranda em Direito Negocial na área de concentração Direito e Relações Empresariais e Internacionais da Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Direito Empresarial, Fundadora e Diretora Executiva do INPRI – Instituto Paranaense de Relações Internacionais, Advogada e Professora de Direito Internacional.

Tânia Lobo Muniz. Doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, Professora Adjunta do Departamento de Direito Público e do Curso de Mestrado da Universidade Estadual de Londrina.

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1 Considerações iniciais

As mudanças no cenário internacional a partir do pós-guerra mundial, como o avanço tecnológico dos transportes e das comunicações, a convivência do multilateralismo com o regionalismo, a intensificação da globalização a partir da década de 80, estreitaram as relações empresariais internacionais ao propiciarem o rompimento de fronteiras para a circulação de mercadorias, serviços, investimentos e pessoas.

Esse movimento acabou repercutindo na soberania dos Estados, limitada pela interdependência comercial e econômica entre si e de outros atores internacionais, como as empresas transnacionais, pelos direitos humanos e por sua participação em organizações internacionais.

Hodiernamente, faz-se uma releitura do Estado e de sua soberania, com um olhar crítico influenciado por questões políticas, sociais, econômicas, culturais e jurídicas. E o direito, como ciência social aplicada, reguladora da sociedade, não pode ficar à deriva dessas mudanças, mas, pelo contrário, deve atender às necessidades do Estado contemporâneo nas relações internacionais, com a finalidade de garantir-lhe estabilidade, bem como a todas as pessoas nele inseridas, sejam naturais ou jurídicas.

Como salienta Tânia Lobo Muniz (2006, p. 156)

Temos que unir o corpo de normas surgidas das relações privadas internacionais com a autoridade dos Estados, cuja busca de interação social, econômica e política visa, principalmente, o aprimoramento da sociedade internacional de uma forma moderna e democrática, na qual predomine a liberdade e independência, e que somente poderá ser garantida pela atuação estatal.

Dessa forma, convém analisar a evolução e as transformações pelas quais tem passado o conceito de Estado na nova ordem econômica internacional, considerando-se a inter-relação com outros atores internacionais, como as empresas transnacionais e as organizações internacionais.

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2 Considerações sobre o Estado e suas transformações

O conceito de Estado tem passado por muitas transformações ao longo do tempo, principalmente no que concerne à soberania. Essas transformações foram influenciadas por diversos fatores, dentre eles, o econômico foi primordial.

No Estado Absolutista, a soberania estava centrada no próprio soberano que a possuía de forma absoluta e perpétua. Era um Estado forte com um governante com poderes ilimitados que ditava o Direito e intervinha no domínio econômico. Naquele modelo cabia ao povo apenas obedecer às ordens do soberano. Esse tipo de Estado marcou a passagem dos homens de um estado de natureza para uma convivência em sociedade nos moldes de um contrato social.

No entanto, ao final da Idade Moderna, “o poderio e esplendor dos reis absolutistas opunham-se ao empreendimento burguês, à lucratividade e à capacitação em curso, levando ao processo das revoluções burguesas que, ao derrubar os monarcas absolutistas, inaugurariam o mundo contemporâneo” (VICENTINO, 1997, p. 205).

Ou seja, com a ascensão da burguesia – classe comerciante - fazia-se necessário um Estado mais liberal, que permitisse maior autonomia à classe social que surgia. Não só o povo, mas também o soberano deveriam obedecer à lei para a segurança das relações sociais. Assim, a função do Estado era garantir, por meio de um direito legislado, a vida, a liberdade e a propriedade para que as pessoas pudessem se relacionar e o mercado se auto-regular por sua dinâmica.

O Estado Liberal ressaltava as garantias e liberdades individuais com um papel reduzido socialmente. Daí ser denominado de Estado mínimo que deveria intervir o menos possível e apenas desejável na ordem econômica, com a finalidade de garantir a autonomia privada, o cumprimento dos contratos e a livre concorrência.

No entanto, aos poucos a classe trabalhadora demandou por direitos sociais, não concordando com o tratamento dispensado; aliado a isso, depois da I Guerra Mundial, o capitalismo passou a necessitar de grandes somas de capital e de novos meios para socorrer as economias atingidas pela guerra. Esse cenário contribuiu para uma remodelação das funções Estatais, impensável para o padrão até então existente. (MARQUES NETO, 2002).

Assim, o Estado Social cresce como resposta às debilidades do Estado Liberal. Caracteriza-se como provedor do bem estar social, tem um caráter extremamente intervencionista, inclusive na economia. Com isso, suprime liberdades individuais e estende sua influência a quase todos os domínios que pertenciam à iniciativaPage 220 individual, é o próprio Estado que investe para poder criar condições adequadas para o andamento da atividade produtiva, endividando-se.

A partir da década de 80 intensifica-se o movimento comercial internacional e cresce a competitividade entre os envolvidos nesse comércio, sejam empresas privadas ou estatais. Para se destacar é preciso o investimento em novas tecnologias nas áreas de comunicação, transporte, infra-estrutura, etc. Percebe-se, então, que os custos do modelo estatal voltado para os direitos sociais são demasiadamente pesados, o que dificulta a concorrência, o desenvolvimento econômico em nível global.

Essa percepção permite que esse paradigma de Estado entre em crise, pois não possui recursos para manter a “superestrutura” criada para atender o bem social e acaba perdendo espaço no cenário econômico, abrindo caminho para uma nova era: a da globalização que vem acompanhada de políticas neoliberais.

Atualmente vive-se um novo ciclo do capitalismo ditado pela tecnologia e por novos meios de organização da produção, o que leva alguns a acreditarem que o Estado Nacional não é necessário como elo essencial na estruturação da cadeia produtiva (MARQUES NETO, 2002). Marques Neto (2002, p. 102) explica que, em suma, “peleja-se pela redução ou retirada do Estado de todos os campos em que os atores econômicos possam atuar com maior eficiência ou desejam atuar com ampla liberdade”.

Contudo, como expõe Gilmar Antonio Bedin (2005, p. 82),

[...] uma das primeiras conseqüências estruturais do fenômeno da globalização é o declínio do conceito de soberania e a redefinição do papel do Estado soberano na articulação dos acontecimentos humanos. Isto, no entanto, não quer dizer que o Estado moderno deixou de ser, integralmente, uma das mais sólidas instituições políticas do mundo moderno e uma das referências mais relevantes da sociabilidade humana da atualidade. O que é possível afirmar é que o Estado passou a desempenhar novas funções – como auxílio à formação dos blocos econômicos regionais e de fomento à organização e à criação de inteligência artificial – e que adquiriu um novo estatuto, notadamente de um Estado dotado de soberania e autonomia relativas.

Nesse sentido, é fato notório que a soberania do Estado não é absoluta como era no início do Estado moderno, porém, sua flexibilização não retira do Estado sua função de gestor da sociedade nacional e tampouco sua qualidade de sujeito de direito internacional.

Passando-se pela evolução do Estado Absolutista até o Neoliberal, percebese que de uma forma ou de outra sempre houve intervenção no domínioPage 221 econômico, porém, essa intervenção que dita a força soberana do Estado varia conforme a decisão política. Nesse sentido, Fabio Nusdeo (2001) explica que saber o quanto de Estado trata-se de uma opção política da sociedade e ela tenderá a combinar as parcelas de Estado e mercado na medida desejável em determinado momento histórico.

Dessa forma, as transformações do Estado observadas refletem uma necessidade e uma decisão política de, em determinado momento, geralmente acompanhado por fatores ligados à economia, determinar-se o imperativo da intervenção estatal. A grande discussão está em saber quanto do fluxo comercial internacional é determinante no quantum de soberania de um Estado.

3 Comércio internacional
3. 1 Globalização no comércio

Não só os Estados mudaram; mas as relações comerciais também se intensificaram e mundializaram, ganhando proporções inimagináveis: - o comércio não conhece fronteiras, é real, é virtual, é transnacional. Iniciou sua empreitada nas caravelas e hoje é cibernético. Aproximou pessoas e culturas e consigo trouxe inovações no direito, como o direito comunitário.

A aproximação entre as pessoas, essencialmente no campo comercial e econômico, é uma necessidade humana e acompanha a própria evolução da convivência em sociedade. Entretanto, houve uma intensificação desse processo a partir do pós-guerra, com a criação de blocos comerciais regionais e com as inovações tecnológicas nos mais diversos campos do conhecimento.

Paula Christine Schlee (2004, p. 55) afirma que a globalização

[...] é o conjunto de transformações econômicas, políticas, sociais e culturais, em curso a partir de princípios da década de 1980, ocasionado e facilitado pelo...

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