Comentários Contextuais das Regras de Concessão de Aposentadoria à Luz da Constituição

AutorTatiana Conceição Fiore de Almeida
Páginas194-205

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"Ó que lance extraordinário: aumentou o meu salário e o custo de vida, vário, muito acima do ordinário, por milagre monetário deu um salto planetário. Não entendo o noticiário. Sou um simples operário, escravo de ponto e horário, sou Caxias voluntário de rendimento precário, nível de vida sumário, para não dizer primário, e cerzido vestuário. Não sou nada perdulário, muito menos salafrário, é limpo meu prontuário, jamais avancei no Erário, não festejo aniversário e em meu sufoco diário de emudecido canário, navegante solitário, sob o peso tributário, me falta vocabulário para um triste comentário. Mas que lance extraordinário: com o aumento de salário, aumentou o meu calvário!" (Carlos Drummond de Andrade)

Introdução

O Benefício Previdenciário que embasa esse artigo, inicialmente, foi denominado de Aposentadoria Ordinária e logo foi renomeada para Aposentadoria por Tempo de Serviço, aos 35 anos para o homem e 30 para a mulher. Com o surgimento do neoliberalismo, em 1990, tentaram extinguir esse benefício alegando que tempo de serviço não representava um risco social para ser coberto pelo seguro, razão pela qual foi alterado para Aposentadoria por Tempo de Contribuição.

A Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998, trouxe a inclusão do equilíbrio financeiro e atuarial, enquanto obrigação, e a idade mínima (60 anos para o homem e 55 para a mulher), que foi derrotada para o Regime Geral. O governo neoliberal de então aprovou em lei ordinária o Fator Previdenciário (FP), como regra obrigatória na Aposentadoria por Tempo de Contribuição, e regra facultativa na aposentadoria por idade, e indiretamente no cálculo da pensão por morte1. Além de não representar grande economia para a previdência, é um grave redutor das aposentadorias e uma insegurança jurídica, já que seu valor se modifica todo ano. A maior injustiça do limite mínimo de idade para a Aposentadoria por Tempo de Contribuição é a punição ao trabalhador que iniciou mais cedo a laborar.

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No Congresso Nacional, ainda tramita a votação sobre uma alternativa ao FP; não se discute a sua extinção, mas sim a isenção de sua aplicação para os trabalhadores que, no somatório tempo de contribuição e idade atingissem 95 os homens e 85 as mulheres. Recentemente, essa regra foi vetada na conversão da Medida Provisória n. 664/2014, na Lei n. 13.135/2015, criando pela Medida Provisória n. 676/2015 uma tabela progressiva, onde até o ano de 2022 os segurados para aposentarem por Tempo de Contribuição deverão ter a fórmula de pontos 90/100.

1. A proteção constitucional dos direitos sociais e a crise do estado de bem-estar
1.1. Direitos Sociais e Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais são os direitos relativos aos seres humanos, reconhecidos e positivados constitucionalmente por determinado Estado. Paulo Bonavides2 foi um dos principais constitucionalistas que leu os direitos fundamentais a partir de um perfil histórico, agrupando os mesmos em gerações de direitos. Importante destacar que, ao fazer referência expressa ao termo gerações dos direitos fundamentais, é para explicar a inserção histórica deles nas constituições dos países, explica: "os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e quantitativo..." Afirma-se que esta divisão está amparada no surgimento histórico dos direitos fundamentais, sendo que parte da doutrina tem evitado o termo "geração", trocando-o por "dimensão". Isso porque a ideia de "geração" está dire-tamente ligada à de sucessão, substituição, enquanto que os direitos fundamentais não se sobrepõem, não são suplantados uns pelos outros.

Ingo W. Sarlet3 adota o termo dimensões, assim como o próprio Bonavides ponderou com relação ao termo gerações, segundo nos relata Dimitri Dimoulis4.

1.2. Direitos Fundamentais de Segunda Dimensão

Os direitos sociais, como os direitos fundamentais de segunda dimensão, são aqueles que reclamam do Estado um papel prestacional para a redução das disparidades sociais. Com o progresso do liberalismo político e econômico no início do século XX, depois da Primeira Guerra Mundial, o mundo assistiu à degradação do quadro social, sendo necessário atribuir ao Estado uma ação que possa proporcionar condições mínimas de vida com dignidade aos cidadãos, diminuir as desigualdades sociais, e proporcionar proteção aos mais "fracos".

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É importante citar que os direitos de segunda dimensão não negam, tampouco excluem, os direitos de primeira geração, mas a estes se somam5.

A primeira dimensão de direitos viu-se igualmente complementada historicamente pelo legado do socialismo, pelas reivindicações dos desprivilegiados a um direito de participar do "bem-estar social", entendido como os bens que os homens, mediante um processo coletivo, vão acumulando no tempo. Por isso, os direitos de segunda dimensão são direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade. Essa dimensão, demonstram os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou da coletividade, satisfazendo aos direitos de igual-dade (substancial, real e material e não meramente formal) - tem como sujeito passivo o Estado. Essa passividade justifica-se, pois na interação entre governantes e governados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los. Existe uma complementaridade, na perspectiva ex parte populi, entre os direitos de primeira e segunda dimensão, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas6.

Ressalta-se, como já visto, que, a partir da terceira década do século XX, os Estados antes liberais principiaram o processo de consagração dos direitos sociais, fundamentados na proteção da dignidade humana. O homem reclamava uma nova forma de proteção da sua dignidade e a satisfação das carências mínimas, imprescindíveis para a sua vida; nesse ínterim, o direito à seguridade social (saúde, previdência e assistência social), à subsistência e ao teto estabelecem reivindicações admitidas por todas as correntes políticas, ante as exigências repetidas pelas classes menos favorecidas no sentido de um maior nivelamento das condições econômicas e uma disciplina pelo Estado das atividades privadas, a fim de evitar a supremacia dos interesses dos economicamente mais fortes.

Os direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorria na concepção clássica dos direitos de liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda a plenitude7, isto é, exigem a presença do Estado em ações voltadas à diminuição dos problemas sociais, visando à melhora de condições de vida dos hipossuficientes8 e a concretização da igualdade social.

Segundo George Sarmento, a segunda dimensão caracterizou-se pela revelação de um longo catálogo de direitos subjetivos que conferem aos seus titulares a possibilidade de exigir do Estado prestações positivas relativas ao bem-estar do indivíduo e da sociedade9.

Os Direitos Fundamentais Sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos por intermédio do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais; são os direitos do homem-social dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos interesses coletivos ante os individuais10; são prestações positivas acomodadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos menos favorecidos; direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais, servindo como pressupostos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias à obtenção da igualdade real, o que, por sua vez, oferece condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade11.

Os direitos sociais, por estarem profundamente ligados ao princípio da igualdade, estão vinculados

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às tarefas de melhoria, distribuição e redistribuição dos recursos existentes, bem como à criação de bens essenciais não disponíveis para todos aqueles que deles necessitem, e são estes direitos a prestações positivas por parte do Estado, visto como necessários para o desenvolvimento de condições mínimas de vida digna para todos os seres humanos12. Portanto, o objeto do direito social é, tipicamente, uma contraprestação sob a forma da prestação de um serviço por parte do Estado e, neste caso, a prestação de benefícios previdenciários, incluídos neste rol a Aposentadoria por Tempo de Contribuição, aplicáveis aos trabalhadores urbanos e rurais que ingressaram no RGPS depois da EC 20/98, e que tenham tempo de contribuição pelo tempo de serviço e/ ou trabalho no total de 420 contribuições mensais (35 anos) homem, e 360 contribuições mensais (30 anos) mulher.

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