As Repercussões Sociais do Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à Competência da Justiça do Trabalho Acerca da Matéria

AutorCarlos Eduardo de Azevedo Lima
Páginas484-495

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Introdução

Ao longo dos últimos anos, vem se firmando entendimento cada vez mais restritivo à competência da Justiça do Trabalho, sempre buscando, não se sabe por qual razão - até porque não se entende a quem interessaria tal linha interpretativa -, restringir a competência de tal ramo do Judiciário.

Ironicamente, essa situação se intensificou após a promulgação da Emenda Constitucional n. 45, que ficou conhecida por implementar a primeira parte da chamada "Reforma do Judiciário" e, no que tange à Justiça laboral, em decorrência das alterações introduzidas no art. 114 da Constituição Federal, ampliou, ao menos em tese, a sua "área de atuação" e o leque de matérias que deveriam ser por ela julgadas.

Mostra-se, portanto, no mínimo contraditória essa interpretação restritiva da competência da Justiça obreira.

Relevante frisar, por outro lado, que essa linha interpretativa, notadamente no que tange às questões que tratam de relações de trabalho (expressão aqui utilizada em sentido amplo) no âmbito da Administração Pública, vem se firmando a partir de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na maior parte das vezes monocraticamente, em sede de Reclamações, as quais, sob a justificativa de preservar a autoridade da decisão proferida pela Suprema Corte no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 3.395, vêm, na realidade, distanciando-se cada vez mais daquela decisão.

É justamente acerca dessas questões, bem como de suas consequências, que se buscará discorrer neste trabalho.

1. A contradição entre o julgamento da liminar concedida nos autos da MC-ADI n 3.395 e as decisões monocráticas proferidas nas reclamações

Reputa-se essencial, antes de mais nada, que analisemos o que decidiu, efetivamente, o Excelso Pretório nos autos da já supramencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade, até porque, como já se disse acima, vem aquela Corte, nas Reclamações que se baseiam na referida ADI, distanciando-se a passos largos da decisão proferida nos autos daquele processo de controle concentrado de constitucionalidade.

Quanto a essa questão, oportuno se mostra frisar que a medida liminar concedida pelo então Presidente do STF, Min. Nelson Jobim, nos autos da ADI n. 3.395, ajuizada pela AJUFE (Associação dos Juízes Federais), suspendeu, como é cediço, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da Carta Magna que inclua na competência da Justiça do Trabalho "... apreciação ... de causas que ... sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico- -administrativo" (grifou-se).

Em nenhum momento, portanto, na referida liminar, fora afastada a competência da Justiça laboral para apreciar e julgar toda e qualquer relação de trabalho havida com a Administração, mas apenas, conforme se observa da leitura de seus próprios termos, aquelas que fossem de natureza estatutária e/ou de caráter jurídico-administrativo típicas (repita-se) e, para que estas se estabeleçam, imprescindível se mostra que

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sejam preenchidos TODOS os requisitos necessários, dentre os quais se insere, como regra, a prévia submissão e aprovação em concurso público, o qual consiste, como é cediço, em pressuposto objetivo essencial.

Vale lembrar, ademais, que o escopo da Emenda, conforme se depreende de sua simples leitura, era, na realidade, passar para a competência da Justiça especializada obreira toda e qualquer relação de trabalho, independentemente do regime jurídico adotado, até porque não se pode negar que o servidor público, aqui considerado em seu sentido lato, seja ele regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) ou pelo regime estatutário, é, antes de tudo, um trabalhador.

Mais do que lógico, portanto, que tenha tal trabalhador suas demandas apreciadas e julgadas pelo ramo do Poder Judiciário mais vocacionado para tratar das relações do trabalho, até porque especializado para tanto.

Lamentavelmente, contudo, teria acabado o legislador constituinte derivado, segundo reconheceu o Pretório Excelso, por incorrer em vício formal no curso da tramitação do processo legislativo que culminou com a promulgação da Emenda, especificamente no que tange à redação do inciso I do art. 114, o qual passou a prever que "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios", muito embora não tivesse sido essa a redação aprovada pela Câmara dos Deputados, sendo inserida no Senado Federal sem que o texto voltasse para a Câmara.

Exatamente isso o que levou o STF, por meio de seu então Presidente, a proferir a já referida decisão, na qual deu uma "interpretação conforme" à Constituição, no sentido de excluir da competência da Justiça do Trabalho, exclusivamente, a apreciação e julgamento das causas relativas aos servidores que estejam inseridos em relações estatutárias típicas.

Evidentemente, portanto, que as contratações irregulares realizadas no âmbito da Administração Pública, a exemplo daquelas que se dão sem observância do regramento constitucional atinente ao concurso público, não podem, jamais, ser consideradas relações estatutárias típicas, até porque são nulas.

Nesse mesmo sentido já teve a oportunidade de se posicionar o Pretório Excelso, em Reclamação (Recl. n. 4.371) ajuizada pelo Estado do Tocantins, na qual o eminente relator, Ministro Carlos Ayres Britto, ao apreciar o pleito do reclamante, indeferiu a liminar requerida, por ter entendido o seguinte:

(...) o Ministério Público obreiro questiona a contratação ´emergencial´ ou ´temporária´ de pessoal para suprir uma necessidade permanente de professores no Estado do Tocantins. Mas não é só. O Parquet também discute em juízo a própria adequação do regime jurídico dos cargos em que foram investidos os tais ´professores indígenas´. Questionamento, esse, que se lastreia no fato de que as funções dos cargos então desempenhadas pelos obreiros eram vocacionadas para o provimento em caráter efetivo. Não para provimento em comissão (...) sob esse visual das coisas (...) não me parece que o processamento da Ação Civil Pública n. 335-2005-802-10-00-4 na Justiça do Trabalho contraria o decidido na ADI n. 3.395-MC. Assim me posiciono porque, a princípio, não se revestiu de caráter estatutário a relação jurídica que prendia os tais "professores indígenas" ao Estado do Tocantins. [grifos ausentes no original]

Outra questão que não pode ser olvidada diz respeito ao fato de que a Emenda Constitucional n. 45 trouxe uma mudança fundamental no que tange à questão atinente à competência da Justiça do Trabalho, haja vista ter esta passado a julgar, a partir da Emenda, as "ações oriundas da relação de trabalho" e não mais apenas, como era antes, entre "trabalhadores e empregadores", o que demonstra seu nítido intuito ampliativo da competência daquela Justiça especializada.

Independentemente disso, faz-se mister lembrar que, mesmo antes da referida Emenda Constitucional, já era pacífico o entendimento no sentido de que a Justiça do Trabalho tinha competência, sim, para tratar das contratações irregulares de trabalhadores no âmbito da Administração Pública, até porque estes, não tendo preenchido os requisitos necessários para sua regular contratação, não podem vir jamais a ser considerados estatutários ou, caso se prefira - tomando por base a terminologia adotada na liminar concedida na ADI n. 3.395 -, "estatutários típicos".

Nesse sentido, convém observarmos como vinha se manifestando, há vários e vários anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual, ao apreciar tal questão em sede de conflitos de competência, esposava entendimento pacífico quanto à competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de ações envolvendo contratações irregulares de "servidores" públicos, sem submissão ao necessário certame. Exatamente isso o que se observa, a título ilustrativo, a partir da leitura da decisão abaixo transcrita, proferida ainda no ano de 20031:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS ESTADUAL E TRABALHISTA. SERVIDOR MUNICIPAL CONTRATADO APÓS A CF/88 SEM APROVAÇÃO EM CONCURSO

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PÚBLICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA. PRECEDENTES.

Em se tratando de relação de emprego decorrente de contratação irregular, ou seja, sem prévia aprovação em concurso público, não obstante tenha o Município adotado o Regime Jurídico Estatutário, a competência para processar e julgar o pleito é da Justiça Trabalhista. Precedentes. Agravo regimental desprovido. (STJ, AGRCC - 33709, 3ª Seção, Rel. Min. Felix Fischer, DJU 1º.9.2003, p. 216) [grifos acrescidos]

Impossível ser mais claro que a decisão supra transcrita, a qual enfrenta a questão de maneira expressa, não deixando sequer margem para alguma eventual interpretação em sentido distinto.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), por sua vez, também já tinha entendimento pacificado, o qual fora, inclusive, diante das reiteradas decisões nesse sentido em inúmeros casos concretos, fixado em Súmula e em Orientação Jurisprudencial.

No que tange à Súmula, convém ressaltar o teor do verbete sumulado sob o n. 3632, o qual, ao tratar dos direitos dos trabalhadores que tenham sido contratados irregularmente por entes da Administração Pública, já deixa...

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