Comércio Eletrônico na Perspectiva de Atualização do CDC

AutorNewton De Lucca
CargoMestre, Doutor, Livre-Docente, Adjunto e Titular pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde leciona nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação
Páginas113-132

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I Considerações introdutórias: O advento da sociedade digital e do comércio eletrônico

Não obstante as numerosas discussões que a questão suscita, é inquestionável, no mundo atual, a ocorrência de profundas modiicações, não somente no plano social, mas também no campo político e econômico. Surge uma nova era para a humanidade, caracterizada pelo advento de inovadoras tecnologias da informação, que transformaram de modo substancial os canais pelos quais dá-se a declaração da vontade humana.

No capítulo 2 do Livro Verde produzido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, em setembro de 2000, podem ser lidas as seguintes considerações: "Assistir à televisão, falar ao telefone, movimentar a conta em terminal bancário e, pela Internet, veriicar multas de trânsito, comprar discos, trocar mensagens com o outro lado do planeta, pesquisar e estudar são hoje atividades cotidianas, no mundo inteiro e no Brasil. Rapidamente nos adaptamos a essas novidades e passamos - em geral sem uma percepção clara nem maiores questionamentos - a viver na Sociedade da Informação, uma nova era em que a informação lui a velocidades e em quantidades há apenas poucos anos inimagináveis, assumindo valores sociais e econômicos fundamentais. Como essa revolução vem acontecendo? Que consequências tem trazido para as pessoas, as organizações e o conjunto da sociedade? São perguntas cuja importância mal percebemos e que, na maioria das vezes, não nos preocupamos em responder."

Em decorrência do aparecimento dessas novas tecnologias, passamos a nos deparar com aquela que é, repetidamente, chamada de Sociedade da Informação ou Sociedade Digital e sobre a qual cumpre fazer algumas indagações.

Como perfeitamente assinala José de Oliveira Ascensão1, a Sociedade da Informação, não seria, propriamente, um conceito técnico, parecendo mais um mero slogan, acrescentando-nos que "Melhor se falaria até em sociedade da comunicação, uma vez que o que se pretende impulsionar é a comunicação, e só num sentido muito lato se pode qualiicar a mensagem como informação."

De minha parte, inspirado fundamentalmente nas ideias do ilósofo Pierre Lévy, gostaria de entrever, na era que se acha em formação com o aparecimento das novas tecnologias, não apenas uma Sociedade da Informação, mas uma verdadeira Sociedade do Conhecimento2.

Discorrer sobre temas que estão imbricados nessa nova sociedade - seja ela denominada digital, da informação ou do conhecimento -, constitui uma tarefa extraordinária. O jurista, com efeito, é um ser refratário a toda a inovação.

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Falar-se em relações entre direito e cibernética não desperta nele nenhum entusiasmo, salvo para aqueles que sejam absolutamente conscientes da radical historicidade do fenômeno jurídico a que se referiu, com propriedade, Pérez Luño3.

A partir do advento dessa nova sociedade, decorrente das inúmeras inovações tecnológicas ocorridas, testemunha-se o surgimento do comércio eletrônico e, também, de um novo tipo de consumidor - o do consumidor internauta -, tornando-se necessária a criação de normas com o objetivo de protegê-lo, como já se mostra tão claro no cenário da economia tradicional, e de forma mais nítida com relação a esse novo personagem já que ele, aventurandose por "mares nunca d’antes navegados", teve a sua vulnerabilidade acentuada4.

É o que se examinará a seguir.

Vale ressaltar que o comércio eletrônico, tema de importância fundamental atualmente, não dependeria, em princípio, de uma abordagem jurídica para a sua implementação. Mas todo comércio pressupõe uma relação social, não havendo relação social - pelo menos potencialmente falando - que seja estranha ao direito.

O direito é uma ciência que trabalha com conceitos e a primeira questão que surge para a análise é: no que consiste o chamado comércio eletrônico?

Ao abordar o tema ora em discussão, assim discorre Davara Rodriguez5:

"Por comercio electrónico podemos entender tanto la compra de productos o servicios por internet, como la transferencia electrónica de datos entre operadores de un sector en un mercado, o el intercambio de cantidades o activos entre entidades inancieras, o la consulta de información, con ines comerciales, a un determinado servicio, o un sinin de actividades de similares características realizadas por médios electrónicos; pero, para no perdernos en ambigüedades, entenderemos, en un sentido amplio, que es comercio toda aquella actividad que tenga por objeto o in realizar una operación comercial y que es electrónico cuando ese comercio se lleva a cabo utilizando la herramienta electrónica de forma que tenga o pueda tener alguna inluencia en la consecución del in comercial, o en el resultado de la actividad que se está desarrollando."

Mas esse próprio autor tem cuidado em explicar que muitas outras atividades eletrônicas podem ser realizadas sem que intervenham as telecomunicações, alegando ainda que, mesmo que elas não intervenham, não será necessário que a operação ou transação se efetue por meio da internet6, exempliicando que também se tratará de uma operação de comércio eletrônico, no sentido por ele proposto, a simples consulta de um saldo com cartão eletrônico em um caixa automático.

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Em nosso meio tem-se deinido o comércio eletrônico como "a oferta, a demanda e a contratação a distância de bens, serviços e informações, realizadas dentro do ambiente digital, ou seja, com a utilização dos recursos típicos do que se denominou convergência tecnológica"7.

Pode-se dizer, então, de uma forma bastante simpliicada, que o comércio eletrônico nada mais é do que o conjunto das relações jurídicas celebradas no âmbito do espaço virtual que e têm por objeto a produção ou circulação de bens ou de serviços. Por serem celebradas, como se airmou, no âmbito do espaço virtual, devem ser consideradas como feitas a distância, tal como se entendeu, acertadamente, na União Europeia. Utilizam-se, evidentemente, de um meio eletrônico e baseiamse em documentos com os quais a ciência jurídica não se revela ainda acostumada, pois não se irão necessariamente exteriorizar tais relações jurídicas pela forma escrita. Daí a importância que passa a ter, no âmbito do comércio eletrônico, a noção de documento eletrônico8.

O crescimento dessa nova economia é bastante signiicativo. Segundo pesquisa da e.bit, empresa especializada em informações do comércio eletrônico nacional, as vendas de bens de consumo pela internet, no ano de 2011, totalizaram R$ 18,7 bilhões, valor 26% superior a 2010, quando o setor faturou R$ 14,8 milhões. Foram 9 milhões de novos consumidores, sendo que desse total, 61% são pertencentes à classe C. Totalizaram-se 32 milhões de consumidores que compraram, ao menos uma vez, via web.

Segundo dados do e-commerce, site informativo sobre o comércio eletrônico, o Brasil é o quinto país com maior número de usuários da internet, icando atrás, somente, da China, Estados Unidos, Índia e Japão.

Um dos fatores que contribuiu para esse crescimento, de acordo com a e.bit, foi o fato de as empresas, no decorrer do ano, terem investido em logística, tecnologia, centros de distribuição e capacitação de proissionais, o que resultou na diminuição da taxa de atrasos, que caiu de 17% em 2010 para 13% no ano passado, reduzindo, assim, um dos grandes entraves do setor.

Outros dados poderiam ser apresentados, igualmente, para realçar a importância dessa nova realidade representada pelo comércio eletrônico.

A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo (Procon/SP), instituição pública vinculada à Secretaria de Justiça e da

O comércio eletrônico não dependeria, em princípio, de uma abordagem jurídica para a sua implementação

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Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo e que tem por objetivo elaborar e executar a política de proteção e defesa dos consumidores do Estado de São Paulo, publicou, recentemente, no Diário Oicial do Estado e no site do próprio órgão9, o Cadastro de Reclamações Fundamentadas, realizado em 2011. Referido documento comprova que ocorreu um aumento signiicativo de 86%, em relação a 2010, do número de reclamações relativas ao comércio eletrônico. Lê-se no documento: "A maior presença de empresas de varejo, em especial as de varejo on line entre as mais reclamadas na área de produtos comparativamente ao ano de 2010, é relexo do crescimento do setor de e-commerce, meio através do qual muitos dos produtos que são objeto das reclamações no ano passado foram ofertados e adquiridos. A possibilidade de contratar serviços, fazer compras ou transações bancárias sem sair de casa, com comodidade, sem dúvida tem sido o grande atrativo para o consumidor que fomenta o avanço desse nicho de mercado em suas diversas modalidades."

II A proteção ao consumidor no âmbito da internet10

Em razão do crescimento signiicativo do comércio eletrônico, que abordamos no capítulo anterior, e que o tornou um fator de aquecimento de nossa economia, é necessário assinalar a imperiosa necessidade de uma legislação rigorosa e bem estruturada sobre o tema, bem como da efetiva proteção do consumidor.

Esclarece Marco Aurélio Greco, ao tratar das questões decorrentes do avanço tecnológico ora em debate, in verbis11:

"O Direito vem sofrendo, igualmente, os relexos de tais modiicações, podendo ser mencionados dois fenômenos atuais que propõem desaios aos juristas, legisladores e aplicadores. Tais fenômenos são, por um lado, os avanços da tecnologia que tornaram realidade o que, alguns anos atrás, não passaria de icção cientíica, especialmente no campo da informática e das telecomunicações; e, de outro lado, o fenômeno da globalização, aqui entendida como o perpassar a fronteira nacional,...

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