A Negociação Coletiva à Luz das Diretrizes Lançadas nas Decisões do Comitê de Liberdade Sindical da OIT

AutorKátia Magalhães Arruda
Ocupação do AutorMinistra do TST. Mestre em Direito Constitucional. Doutora em Políticas Públicas.
Páginas206-213

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Introdução

O objetivo deste artigo é analisar alguns aspectos da negociação coletiva, utilizando como material de pesquisa os princípios e diretrizes traçados pelo Comitê de Liberdade Sindical, órgão de supervisão da aplicação dos diplomas internacionais de proteção ao trabalho, vinculado à Organização Internacional do Trabalho - OIT.

O trabalho apresenta o entendimento adotado nas decisões do Comitê de Liberdade Sindical em relação a alguns questionamentos atinentes ao processo de negociação coletiva, tendo como principal fonte de consulta a compilação das decisões e princípios sobre liberdade sindical, em especial, o capítulo referente às decisões sobre negociação coletiva. Para efeitos didáticos, destacamos os seguintes temas: 1) princípios gerais e titularidade do direito de negociação coletiva; 2) negociação coletiva livre e voluntária; 3) princípio da boa-fé nas negociações coletivas; 4) categorias profissionais abrangidas pela negociação coletiva; 5) matérias passíveis de negociação coletiva; 6) restrições à negociação livre e voluntária. Intervenção do Estado; 7) prazo para o processo de negociação coletiva; 8) duração das convenções coletivas.

A Organização Internacional do Trabalho é uma instituição multilateral com estrutura tripartite, com representação de governos, empregadores e trabalhadores, constituída em 1919, no cenário do Tratado de Versalhes, sob a linha de pensamento de que a paz duradoura passa necessariamente por medidas de promoção da justiça social global.

A OIT tem como função primordial a elaboração, por meio do diálogo social tripartite, de normas de abrangência internacional (convenções e recomendações), fixadoras de condições mínimas de proteção nas relações de trabalho, assegurando a implementação dessas regras pelos Estados-Membros.

São organismos estruturais da OIT: a Conferência Internacional do Trabalho - Assembleia; o Conselho de Administração - órgão executivo; e; a Secretaria Internacional do Trabalho - órgão de secretaria.

Além dos órgãos estruturais, a Organização Internacional do Trabalho possui vários organismos com função de supervisão, que exercem atividades essenciais para a efetivação das normas de proteção ao trabalho.

Não existe tribunal internacional dentro da OIT, cuja decisão vincule os Estados-membros quanto à aplicação das normas internacionais do trabalho. Nessa circunstância, os Órgãos de Supervisão vinculados à OIT atuam basicamente pela via do diálogo e

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da pressão pacífica, e não por imposição de sanções. Os dois principais Órgãos de Supervisão da OIT são: a Comissão de Peritos e o Comitê de Liberdade Sindical.

A Comissão de Perito é o organismo da OIT incumbido da supervisão regular da aplicação das normas internacionais de trabalho. Essa comissão se reúne anualmente para analisar os relatórios encaminhados pelos Estados-Membros em relação às convenções ratificadas e também os relativos a instrumentos eleitos como tema de relatório dos países que ainda não os ratificaram.

Além do controle regular exercido pela Comissão de Peritos, a OIT possui mecanismo de controle especial de observância das normas internacionais de trabalho, que é exercido pelo Comitê de Liberdade Sindical - organismo de formação tripartite, criado em 1951 pelo Conselho de Administração da OIT -, cuja incumbência é examinar as queixas formalmente apresentadas contra os governos, relacionadas à questão da liberdade sindical.

Não é demais lembrar que a OIT reconhece a liberdade sindical e o direito à negociação coletiva como princípio e direito fundamental, assim como, a erradicação do trabalho infantil, a eliminação do trabalho forçado e a não discriminação no emprego.

A intensa atividade desenvolvida pelo Comitê de Liberdade Sindical produziu um conjunto de decisões e princípios sobre a aplicação das normas internacionais do trabalho, que reunidas formam precioso material de consulta para o Direito do Trabalho.

À luz do conteúdo proveniente das decisões do Comitê de Liberdade Sindical analisaremos alguns aspectos relativos à negociação coletiva.

Princípios gerais e titularidade do direito de negociação coletiva

O Comitê de Liberdade Sindical imprime especial relevo para a necessidade de estimular a livre negociação entre os empregadores e suas entidades representativas com as organizações dos trabalhadores na busca por melhores condições de trabalho.

O órgão da OIT entende que o direito à negociação livre das condições de trabalho constitui elemento fundamental à liberdade sindical, não se admitindo a interferência das autoridades públicas no sentido de reduzir ou impedir o exercício desse direito. A titularidade da negociação coletiva pertence às organizações de trabalhadores e empregadores, que têm o direito de organizar suas atividades e formular seus programas, salvo a circunstância de não existir tal representação, situação em que poderá haver negociação direta entre a empresa e seus trabalhadores.

Representam o entendimento do Comitê sobre a matéria as seguintes ementas:

"880. Deveria ser estimulado e fomentado entre empregadores e organizações de empregadores, de um lado, e organizações de trabalhadores, de outro, o pleno desenvolvimento e uso de procedimentos de negociação voluntária, com o objetivo de regulamentar, por meio de contratos coletivos, as condições de emprego."1

"881. O direito de negociar livremente com os empregadores as condições de trabalho constitui elemento essencial da liberdade sindical, e os sindicatos deveriam ter o direito, mediante negociações coletivas ou por outros meios lícitos, de procurar melhorar as condições de vida e de trabalho de seus representados, enquanto as autoridades públicas devem abster-se de intervir, de forma que este direito seja restringido ou seu legítimo exercício impedido. Essa intervenção violaria o princípio de que as organizações de trabalhadores e de empregadores deveriam ter o direito de organizar suas atividades e formular seu programa."2

Negociação coletiva livre e voluntária

O Comitê preconiza que a autonomia dos seres sociais para atuarem de forma voluntária e livre nas negociações coletivas constitui aspecto fundamental ao princípio da liberdade sindical. O órgão da OIT ressalta que o Governo deve se abster de promover qualquer tipo de interferência indevida no processo de negociação coletiva.

Cabe à autoridade pública apenas estabelecer mecanismos voltados para estimular e fomentar a negociação coletiva, que deve fluir de maneira voluntária e livre. Ou seja, não pode, sob pena de afronta ao texto da Convenção n. 98, ser estabelecido proce-

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dimento ou mecanismo que leve a uma espécie de imposição unilateral ou "conciliação compulsória".

O Órgão de Supervisão da OIT ressalta a necessidade e a importância dos organismos internos constituídos pelos governos gozarem de absoluta independência para dirimir os litígios envolvendo as questões atinentes à negociação coletiva, sem a utilização de medidas de coação que alterem o caráter voluntário da dita negociação.

Sobre a matéria, destacamos as seguintes ementas oriundas do Órgão de Supervisão da OIT:

"925. A negociação voluntária de convenções coletivas e, portanto, a autonomia dos interlocutores sociais na negociação, constitui aspecto fundamental do princípio da liberdade sindical."3

"926. A negociação coletiva, para ser eficaz, deve ter caráter voluntário e não implicar recurso a medidas de coação que alterariam o caráter voluntário da dita negociação."4

"927. Nenhuma disposição do art. 4º da Convenção n. 98 obriga um governo a impor coercitivamente um sistema de negociações coletivas a uma determinada organização, intervenção governamental que alteraria claramente o caráter dessas negociações."5

"928. O art. 4º da Convenção n. 98 não impõe, de maneira alguma, ao Governo, o dever de negociar coletivamente, do mesmo modo que tampouco resulta contrário ao dito artigo em obrigar os interlocutores sociais a entabular negociações sobre términos e condições de trabalho com vistas a estimular e fomentar o desenrolar e a utilização dos mecanismos da negociação coletiva das condições de trabalho; no entanto, as autoridades públicas deveriam abster-se de toda ingerência indevida no processo de negociação."6

"929. Embora o conteúdo do art. 4º da Convenção n. 98 não obrigue a um Governo impor coercitivamente a negociação coletiva a uma organização determinada, posto que uma intervenção desse tipo alteraria claramente o caráter voluntário da negociação coletiva, ele não significa que os governos devam abster-se de adotar medidas que tenham por...

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