A coisa julgada penal como garantia fundamental do réu: uma visão comparativa brasil-eua

AutorFlávio Mirza
CargoPós-doutor (Universidade de Coimbra). Professor Ajunto de Direito Processual da UERJ (graduação, mestrado e doutorado) e da UCP (graduação e mestrado). Advogado
Páginas191-233
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 10. Volume 17. Número 2. Julho a Dezembro de 2016
Periódico Semestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira. ISSN 1982-7636. pp. 191-233
www.redp.uerj.br
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A COISA JULGADA PENAL COMO GARANTIA FUNDAMENTAL DO RÉU: UMA
VISÃO COMPARATIVA BRASIL-EUA
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THE CRIMINAL DOUBLE JEOPARDY AS A FUNDAMENTAL GUARANTEE OF THE
ACCUSED: A BRAZIL USA COMPARATIVE VIEW
Flávio Mirza
Pós-doutor (Universidade de Coimbra). Professor Ajunto de Direito
Processual da UERJ (graduação, mestrado e doutorado) e da UCP
(graduação e mestrado). Advogado.
flaviomirza@gmail.com
RESUMO: O presente artigo objetiva apresentar o instituto da coisa julgada penal como
garantia fundamental do réu, sob o prisma de uma análise comparativa entre as características
da inalterabilidade da sentença absolutória nos ordenamentos processuais penais brasileiro e
norte-americano. Para tal, serão apresentados os principais contornos, bem como os limites, da
res judicata no Brasil, em confronto com a garantia da “double jeopardy clause” prevista na
Quinta Emenda da Constituição Federal dos Estados Unidos da América, com o fim de
estabelecer tais institutos como instrumentos de limitação da persecução estatal tanto nos
sistemas da “civil law” como nos da “common law”.
PALAVRAS-CHAVE: coisa julgada penal; garantia fundamental; sentença absolutória;
Processo Penal brasileiro; double jeopardy clause; instrumento de limitação; persecução
estatal
ABSTRACT: This paper aims to present the institution of criminal res judicata as a
fundamental guarantee of the defendant, in the light of a comparative analysis of the
characteristics of the acquittal´s inviolabity in Brazil´s and United States of America´s criminal
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Artigo recebido em 18/08/2016 e aprovado em 27/11/2016.
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Rio de Janeiro. Ano 10. Volume 17. Número 2. Julho a Dezembro de 2016
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procedural rules. To this end, the main outlines, and the limits, of "res judicata" in Brazil will
be presented in comparison with the guarantee of "double jeopardy clause" provided by the Fifth
Amendment of the Constitution of the United States of America, in order to establish these
institutes as limitation instruments of state prosecution both in "civil law" and "common law"
systems.
KEYWORDS: criminal “res judicata”; fundamental guarantee; acquittal; Brazilian criminal
procedure rules; double jeopardy clause”; limitation instrument; state prosecution
SUMÁRIO: 1. Uma breve introdução - 2. A coisa julgada penal no Brasil - 2.1. Contornos e
limites da coisa julgada penal no ordenamento jurídico brasileiro - 3. A “double jeopardy
clause no direito norte-americano - 3.1. Aspectos relevantes a respeito da redação
constitucional da “double jeopardy clause- 3.2. Definição de mesma ofensa (“same offense")
- 3.3. O marco processual em que a garantia da proibição do double jeopardy” se anexa à
decisão prolatada - 3.4. A “double jeopardy clause” como impedimento de recurso por parte da
acusação - 4. Considerações finais 5. Referências bibliográficas
1) UMA BREVE INTRODUÇÃO
Embora se possa encontrar na doutrina menções à estabilidade das decisões
judiciais desde o Direito Babilônico, fato é que foi o instituto da res judicata, da forma
preconizada pelo Direito Romano, que veio, efetivamente, a influenciar o delineamento da coisa
julgada na cultura jurídica ocidental contemporânea.
Com efeito, verifica-se tal influência nas próprias nomenclaturas utilizadas, por
exemplo, nos ordenamentos de origem romano-germânica, como na Itália, em que ganhou a
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 10. Volume 17. Número 2. Julho a Dezembro de 2016
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alcunha de cosa giudicata”, na França, onde é chamada de “chose jugée”, e, em Portugal,
nomeada “caso julgado.
2
3
Como bem salientado por Chiovenda, os romanos já afirmavam a importância
da coisa julgada como expressão da vontade do direito no caso concreto, vinculando, assim, sua
incidência à sentença de mérito, características essas que vieram a ser verificadas posteriormente
na maioria dos ordenamentos jurídicos dos países da Europa continental.
4
Exatamente, ante sua aplicação quase universal, surgiram, ao longo dos anos,
diversas teorias que buscaram estabelecer, com certa precisão, a forma como se desenvolveria
essa relação estável entre Estado, partes, e direito material. Elas se dividem, basicamente, entre
as chamadas: i) teorias materiais e ii) teorias processuais.
As teorias materiais, que encontram como um de seus defensores Francesco
Carnelutti,
5
atribuem à coisa julgada uma força constitutiva de direitos, visto que, após seu
adimplemento, criar-se-ia uma nova regra de direito material, aplicável somente àquelas partes
que participaram na relação processual.
6
Entre as teorias materiais mais reproduzidas, pode-se citar a teoria da presunção
da verdade. Tal assume, de forma absoluta, que o decidido pelo órgão jurisdicional corresponde
à verdade dos fatos analisados ainda que se saiba, muitas vezes, que isso não se verifique na
prática.
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2
Nomenclatura e ssa que foi utilizada no ordenamento jurídico brasileiro no art. 6º, parágrafo 3º, d a Lei de
Introdução ao Código Civil.
3
Cf. CABRAL, Antonio do Passo. Co isa julgada e preclusões dinâmicas entre continuidade, mudança e
transição de posições processuais estáveis. Salvador: Ed. JusPodivm, 2013. p . 50-51
4
Essi vedero la impo rtanza della res iud icata non nel ragion amento del g iudice, ma nella condanna o nella
assoluzione, cioé nella espressione della voliontà del diritto nel caso concreto. Perciò essi non parlano di cosa
giudicata se no riguardo alla sentenza di merito, la quale è quella cche riconosce um bene della vita a una dele
parti.” Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Princippi di Diritto Processuale Civile. Napoli: Casa Editrice E. Jovene,
1980. p. 907.
5
Cf. CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Padova: CEDAM, vol. IV, 1930. p. 419-
422
6
O que fundamentou essa teoria foi a tentativa de explicar o trânsito em julgado de uma sentença injusta, na medida
em que, obviamente, esta não poderia ser meramente declaratória de um direito objetivo anterior. Deveria, então,
a coisa julgada criar norma nova aplicável apenas àquelas partes naquele determinado caso concreto. Cf. CABRAL,
op. cit., p. 50/51
7
“Presume-se que a sentença tenha chegado a verdade, que contenha a verdade. Amparav am essa conclusão no
referido texto de ULPIANO: res iudicata pro vertitate habetur”. Cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas
de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, vol. 3, 1985. p. 46

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