A coisa julgada no código de processo civil de 2015 e seus reflexos no processo do trabalho

AutorNayara Guimarães Saraiva
Páginas185-198

Page 185

1. Introdução

O estudo aqui realizado trata do instituto da coisa julgada e da possibilidade de sua aplicação à processualística laboral. Sem o intuito de esgotar completamente seu conteúdo, é realizada uma avaliação acerca de seus principais desdobramentos e implicações ao longo do procedimento judicial tendo em vista as inovações trazidas pelo Código de Processo Civil, reflexo da evolução de entendimentos doutrinário e jurisprudencial.

Inicia-se o artigo com uma breve apresentação dos princípios processuais trazidos pela Lei n. 13.105 de 20151, princípios esses que já tinham, em sua maioria, previsão constitucional. Instituíram-se, portanto, os Princípios Constitucionais do Processo, que orientam tanto o legislador quanto os estudiosos e aplicadores do direito, funcionando como uma bússola já que, além de fundamentar, orientam todas as condutas dos sujeitos que de alguma forma atuam no processo.

Passa-se, em seguida, a uma análise da coisa julgada propriamente dita, apresentando-se algumas das alterações promovidas pela nova legislação processual civil. Percorre-se a divergência doutrinária que existe acerca de qual parte de uma decisão judicial é atingida pela imutabilidade, de suma importância para diferenciar a coisa julgada material do instituto da estabilização da tutela, próprio da tutela provisória de urgência concedida em caráter antecedente, objeto de um dos itens deste artigo.

Em sequência, trata-se da coisa julgada progressiva2 e, posteriormente, da ampliação objetiva da coisa julgada material, novidades trazidas pelo CPC de 2015. Parte-se, então, para verificação da possibilidade de sua aplicação no âmbito laboral ante a necessidade de observância dos princípios próprios do direito processual do trabalho, que prima pela celeridade, simplicidade e economia processual.

Por fim, volta-se o olhar para a ação rescisória, discorrendo brevemente acerca da alteração promovida pelo Código de 2015, que pacificou a discussão acerca da possibilidade de serem as decisões interlocutórias de mérito passíveis de rescisão. Ainda neste tema, percorre-se o tratamento dado pelo CPC de 2015 às sentenças homologatórias, destacando-se a divergência da matéria quando se ingressa na seara processual trabalhista.

2. Princípios processuais constitucionais

Os princípios vêm recebendo, desde meados do século passado, cada vez mais destaque no ramo jurídico, já que o positivismo se mostrou insuficiente para, sozinho, garantir os valores sociais de terceira geração consagrados pela sociedade no contexto do pós Segunda Guerra Mundial, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, a fraternidade e os demais direitos fundamentais.

Um dos ideais consagrados pelo neoconstitucionalismo3 é o de que inexiste hierarquia entre regras e princípios, já que ambos são verdadeiras espécies do gênero normas jurídicas, dotados, assim, de caráter coercitivo. Nesse diapasão, Humberto Ávila ensina que os princípios e regras devem ser aplicados de forma complementar, não sendo possível conceber uma espécie sem a outra. Segundo ele, um sistema não pode ser composto somente de princípios ou só de regras. Um sistema só de princípios seria demasiado flexível, pela ausência de guias claros de comportamento, ocasionando problemas de coordenação,

Page 186

conhecimento, custos e controle de poder. E um sistema só de regras, aplicadas de modo formalista, seria demasiado rígido, pela ausência de válvulas de abertura para o amoldamento das soluções às particularidades de cada caso concreto. Com isso se quer dizer que, a rigor, não se pode dizer nem que os princípios são mais importantes que as regras nem que as regras são mais necessárias que os princípios.4

Alexy apresenta, também, a noção de que os princípios funcionam como mandados de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.5

Por apresentarem grande carga de abstração e generalidade, os conflitos que eventualmente ocorrem entre os princípios são solucionados a partir da regra da ponderação. Dessa forma, não se promove o sacrifício integral de um princípio para que outro seja aplicado e, sim, um balanceamento, já que um princípio prevalecerá sobre outro apenas naquele caso concreto, de maneira equilibrada, visando atingir a decisão mais justa.

Técnica outra é a adotada no caso de haver conflitos entre regras jurídicas, já que são eles decididos com base nas tradicionais soluções de conflitos normativos, quais sejam: hierarquia, cronologia e especificidade; fazendo com que a aplicação de uma regra implique no afastamento integral de outra. E isso porque as regras jurídicas são aplicadas por meio da subsunção do fato à norma, com base na máxima do “tudo ou nada”.6

Nada mais razoável, portanto, que princípios e regras se amoldem e sejam aplicados de forma conjunta, propiciando uma prestação jurisdicional de qualidade, trazendo solução justa aos conflitos sociais.

Seguindo essa orientação de valorização dos princípios, o Código de Processo Civil, em vigor desde 18 de março de 2016, institui “Princípios Constitucionais do Processo”, elencados no Capítulo I do Título Único de seu Livro I: “Normas Fundamentais do Processo Civil”.

Este primeiro capítulo do digesto processual civil chama atenção exatamente por trazer para o corpo da codificação processual princípios constitucionais, que acabam lhe conferindo mais um fundamento de legitimi-dade, fazendo com que adquira o posto de código geral de processo no Brasil. A relevância dada aos princípios pela noviça codificação veio ratificar a força normativa dos princípios trazida pelo neoconstitucionalismo na estruturação do ordenamento jurídico brasileiro.

Segundo bem sintetiza o desembargador Bento Herculano Duarte, o aplicador do direito teve seu horizonte principiológico processual ampliado, o que mostra que os princípios devem, cada vez mais, sustentar as decisões judiciais, evitando, assim, que as regras legais sejam interpretadas por uma literalidade equivocada. Acrescenta o professor, ainda, que “a ênfase concedida aos princípios reveste-se de suma importância para que o direito processual atinja seu escopo maior, que é a adequada solução dos litígios”.7

Dentre os princípios postulados pelo CPC/2015, os que mais influenciam o instituto da coisa julgada e que, por isso, merecem maior atenção neste artigo, são os seguintes: inércia da jurisdição, inafastabilidade da jurisdição, razoável duração do processo, primazia do julgamento do mérito e devido processo legal.

O princípio da inércia da jurisdição8 ensina que para que o Poder Judiciário preste a tutela jurisdicional, pacificando os conflitos sociais, ele deve ser previamente provocado pelas partes envolvidas. Está relacionado ao princípio da congruência, já que ambos limitam a liber-dade de atuação do juiz, que não pode decidir além ou diferente do que foi demandado pelos sujeitos ativo e passivo processuais.

A inércia jurisdicional muito se aproxima, também, do princípio da inafastabilidade da jurisdição9. São, na verdade, lados opostos da mesma moeda, na medida em que, “enquanto a inércia é vista pelo lado passivo, já que a jurisdição aguarda a iniciativa da parte, a demanda é analisada pelo lado ativo, pois é a parte que movimenta a jurisdição, por princípio inerte”.10

Page 187

A doutrina moderna traz uma nova visão ao princípio da inafastabilidade jurisdicional, colocando como
dele decorrente o princípio do amplo acesso à justiça.

Esse amplo acesso ao poder judiciário deve ser efetivo,
mas não só: deve, também, ser célere e deve ser capaz
de trazer soluções justas aos problemas apresentados. É
o que bem explana Bento Herculano Duarte quando diz
que “o real acesso à justiça não se contenta com a aces-sibilidade formal. O verdadeiro acesso à justiça consiste,
pois, no acesso à ordem jurídica justa”.11

O art. 4º do CPC/2015, ao estabelecer que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”, consagra dois importantes princípios processuais: o da razoável duração do processo12 e o da primazia do julgamento do mérito. A razoável duração do processo prima pela prestação da atividade jurisdicional sem delonga desarrazoável, já que ela só será adequada se for concedida de forma efetiva e tempestiva.

Respeitável doutrina processual civilista diferencia a razoável duração do processo da celeridade, princípio próprio do ramo processual laboral, esclarecendo que a celeridade processual nem sempre é salutar ao processo13. Isso porque o processo judicial se estrutura por meio de um rito procedimental, que deve ser seguido e respeitado, de forma a garantir a qualidade da atividade prestada e, ao fim, a tão almejada segurança jurídica. Deve haver, pois, uma razoabilidade entre a complexidade da demanda e o tempo gasto na solução do litígio, sendo compreensível e aceitável que processos mais complexos sejam mais demorados, já que demandam mais atenção dos julgadores e dos advogados das partes.

A primazia do julgamento do mérito é um interessante princípio que passa a viger expressamente na processualística brasileira. Sendo o processo um meio de pacificação social, a regra é a que, no fim de seu curso, sejam os pedidos apresentados na ação ou na reconvenção, acolhidos ou rejeitados, conforme dispõe o art. 487, I, do CPC/2015. Ou seja, o natural é que os julgadores busquem ao máximo analisar o mérito da demanda levada a juízo, devendo por isso primar, fazendo que a extinção do processo sem resolução do mérito seja uma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT