Cognitivismos interpretativos: de Pufendorf a Windscheid

AutorPierluigi Chiassoni
Páginas321-411
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Capítulo IV
COGNITIVISMOS INTERPRETATIVOS:
de Pufendorf a Windscheid
“Quand on a (…) marché avec le législateur,
qu’on l’a suivi partout pas à pas, lors même qu’il
prenait une route mauvaise, c’est alors, mais
alors seulement qu’on peut espérer avoir bien
saisi sa pensée”.
Victor Marcadé
“Toute la loi, dans son esprit aussi bien que
dans sa lettre, avec une large application des
principes, et le plus complet développement
des conséquences qui en découlent, mais rien
que la loi, telle a été la devise des professeures
du Code Napoleón”.
Charles Aubry
Sumário: 1. A era do formalismo interpretativo. 2. Dois cognitivismos
do século XVII. 2.1 Alguns pressupostos ideológicos. 2.2 O método
de Pufendorf. 2.3 O método de Leibniz. 3. A Escola da Exegese.
3.1 Fontes do direito e instrução acadêmica na França do século
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PIERLUIGI CHIASSONI
XIX. 3.2 A ideologia profissional. 3.3 Os códigos interpretativos dos
juristas exegéticos. 4. A doutrina de Savigny. 4.1 Interpretação de
leis isoladamente consideradas: as diretivas do método organicístico.
4.2 O intérprete diante das leis defeituosas. 4.3 A interpretação das
fontes “em seu conjunto”: antinomias e lacunas. 5. Rudolf von
Jhering: da interpretação à construção jurídica. 6. A interpretação
segundo a Pandectística: Bernhard Windscheid. 7. Considerações
incidentais sobre a completude do direito.
1. A ERA DO FORMALISMO INTERPRETATIVO
No capítulo II (§ 1º), vimos que, no tema sobre interpretação
jurídica e, particularmente, sobre interpretação dos documentos
legislativos, os principais teóricos do século XX adotam posições que,
em sua peculiaridade, são unidas pela rejeição ao cognitivismo ou formalismo
interpretativo.
Além disso, mostrei que o cognitivismo interpretativo – locução
preferível por sua transparência em relação às mais comum, no entanto
opaca, expressão formalismo interpretativo – é a ideia pela qual a interpre-
tação dos documentos legislativos, cumprida por qualquer pessoa e
qualquer que seja seu contexto e/ou o fim, é – ou pode de todos os
modos ser – uma atividade (em qualquer sentido) cognoscitiva, e, por-
tanto, não volitiva, não criativa, não arbitrária, mas sim técnica, avalo-
rativa, politicamente não comprometida.
Segundo um modo de ver difundido entre os estudiosos, o cog-
nitivismo interpretativo constitui um dos legados mais perniciosos da
cultura jurídica oitocentista. Datam do século XIX, de fato, as duas
“teorias” que representam os arquétipos do cognitivismo hermenêutico
contemporâneo, ao menos para a cultura romanista continental: a teoria
da Escola da exegese e a teoria da Escola histórica do direito.
Neste capítulo, revelarei brevemente os principais aspectos das
duas concepções, buscando, enquanto seja possível, conceder-lhes uma
imagem mais detalhada e fiel, distante das figurações translatícias e
estereotipadas que às vezes oferecem-se a respeito delas. Organizarei
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CAPÍTULO IV – COGNITIVISMOS INTERPRETATIVOS: DE PUFENDORF...
também uma sucinta reconstrução das ideias de Jhering e de Winds-
cheid em matéria de interpretação e método jurídico, de modo que o
reconhecimento da herança do século XIX inclua ao menos as figuras
mais influentes.
Antecipando alguns resultados de minhas pesquisas, considero que
se possa afirmar o seguinte:
1. As “teorias” examinadas são essencialmente discursos de meto-
dologia hermenêutica prescritiva que contêm instruções (diretivas, regras)
sobre o que um bom intérprete deve, não deve, pode fazer; não se trata,
pelo contrário, de discursos de metodologia hermenêutica descritiva, concer-
nentes ao que um intérprete qualquer de materiais jurídicos de fato faz
e, dadas as circunstâncias, não pode não fazer;
2. Entre os pressupostos dessas metodologias prescritivas não há
uma meditada teoria cognitivista da interpretação qualquer, mas, mais
simplesmente, uma noção cognitivista de interpretação a qual, antes de
refletir uma reflexão autônoma sobre o fenômeno interpretativo no
direito, é, ao contrário, o reflexo, a variável dependente, de uma con-
cepção do direito (da “natureza” ou “essência” do direito) previamen-
te aceita, às vezes original (como no caso da concepção de Savigny),
às vezes translatícia (como no caso da concepção dos juristas da Escola
da exegese);
3. O núcleo das críticas que os teóricos do século XX dirigiram
ao cognitivismo interpretativo do século XIX não consiste, portanto,
analisando bem, no haver substituído uma teoria ruim – falsa e desvian-
te – por outra teoria boa, já que esta se adere melhor à presumível reali-
dade dos fatos e é dotada de uma capacidade explicativa apreciável;
antes, consiste no haver insistido sobre a exigência de elaborar finalmen-
te genuínas teorias da interpretação, onde antes não havia nenhuma
digna de tal nome – bem entendido, segundo seus pressupostos episte-
mológicos, segundo as circunstâncias, aceitos. A esse propósito, parecem
indícios da mudança de clima do século XX algumas frases que Hans
Kelsen formula no “Prefácio” na primeira edição da Reine Rechtslehre,
publicada em 1934:

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