Coerência, integridade e decisão democrática: uma análise da necessária uniformização de jurisprudência no caso das decisões acerca do limite máximo consignável em contratos de crédito consignado realizados por servidores públicos do Estado do Rio Grande

AutorMonique Ferrarese Stedile Ribeiro, Cristina Stringari Pasqual
Páginas6-23
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Monique Ferrarese Stedile Ribeiro • Cristina Stringari Pasqual
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 11, n. 2, p. 06-23, jul./dez. 2020.
ABSTRACT:
The study aims analyzing the dierent concepts of the postulate of coherence, its necessary use
for legislative creation and for judicial decision, as well as its close relationship with the concepts
of unity, system and integrity, using, for this, bibliographic research, internet data and case law as
a study methodology. It will also investigate the relationship between integrity and coherence in
judicial decisions and the democratic state of law, from the point of view of the predictability of
judicial decisions and equal treatment of litigants and the incidente of competence undertaking
as a procedure capable of granting integrity and coherence to the veredicts in a particular Court.
Finally, the investigation seeks to criticize the absence of uniform jurisprudence by the Court
of Justice of Rio Grande do Sul in the case of payroll deductions for public servants of the state,
which generates decisions that are inconsistent with the coherence and integrity of this Court´s
Jurisprudence.
Keywords: Coherence. Democratic State of Law. Consumer. Adjudication. Consigned credit
agreements.
1 INTRODUÇÃO
A coerência é estudada por diversos juristas, que prezam por sua utilização tanto
no campo legislativo como na seara da decisão judicial. Entendida neste estudo como um
postulado, a coerência será analisada sob a ótica de diversos autores, como Neil MacCormick,
Norber to Bo bbio e Ron ald Dwo rkin, a m de que se con str ua um amplo conceito do po stu lado ,
que está relacionado, segundo os doutrinadores estudados, com os conceitos de unidade,
sistema e integridade.
Observar-se-á a necessária obediência desse postulado tanto pelo poder legislativo,
para que não sejam concebidas leis incoerentes e sem efetividade social, como já ocorrido
na Itália3, quanto pelo poder judiciário, para que as decisões jurídicas sejam proferidas em
harmonia com o sistema jurídico vigente e mantenham-se íntegras e coerentes entre si, em
especial no âmbito de um determinado Tribunal.
Na atividade legislativa, a utilização do postulado da coerência para a justicação de
novas normas ju rídicas é pres umida , porém não pode deixar de ser obse rvada no mom ento de
criação normativa, a m de que a nova norma cumpra com uma relação lógica e harmônica
em relação à concepção de justiça adotada pela comunidade jurídica em que será inserida.
Partindo desse pressuposto, analisar-se-á a (in)coerência entre a Lei Federal 10.820 de 2003 e
o Decreto-Lei 43.575 de 2005 do Estado do Rio Grande do Sul.
Não obstante sua elevada importância na seara da criação legislativa, o postulado da
coerência também cumpre um papel fundamental nas decisões judiciais, na medida em que
decisões incoerentes e em desacordo com a integridade do direito põem em risco o estado
democrático, ao gerarem resultados desiguais para situações semelhantes, desestabilizando
o campo de previsibilidade das decisões jurídicas por parte dos cidadãos.
3 Segundo Neil MacCormick (2008, p. 249), há algumas décadas, o Parlamento da Itália determinou que deveria haver limites
diferentes de velocidade para diferentes tipos e modelos de carro. Todavia, não obstante o regramento jurídico, os motoristas de
carro da Itália não perceberam a lei como uma norma coerente. Eles trataram os diferentes limites de velocidade como um nonsense
incoerente e os ignoraram completamente e nem os motoristas nem a polícia prestou atenção às regulações. Assim, o desuetudo
(desuetude) revogou o ato. Nesse caso, por mais que pudesse haver alguma coerência na norma estabelecida (em razão da potência
de cada carro, por exemplo, poderia ser mais seguro para alguns trafegarem a uma velocidade mais baixa que outros), o Parlamento
não foi bem sucedido em fundamentar adequadamente essa norma, razão pela qual acabou sendo tomada como coerente e jamais
teve utilização, ou seja, jamais foi efetivada no plano dos fatos.
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COERÊNCIA, INTEGRIDADE E DECISÃO DEMOCRÁTICA
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 11, n. 2, p. 06-23, jul./dez. 2020.
Assim, propõe-se uma análise do postulado da coerência na decisão judicial,
primeira mente no campo da argumentação jurídica, analisando-se seus conceitos mais
difundidos, para posteriormente investigar-se os requisitos necessários e implícitos a uma
decisão coerente, em especial o postulado da integridade.
Investigar-se-á o postulado da coerência sob a ótica da previsibilidade judicial de
decisões de um mesmo Tribunal, a m de defender a utilização da coerência e da integridade
do direito como postulados que inspirem a uniformização de jurisprudência nos Tribunais,
para que estes, em respeito à previsibilidade judicial, à igualdade e ao estado democrático
de direito, passem a instigar decisões coerentes entre si perante suas câmaras e turmas
julgadoras.
Em uma análise prática, buscar-se-á, no estudo em apreço, defender a (in)coerência
da legislação e do posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no
ano de 2017, acerca do percentual máximo de desconto relativo ao empréstimo consignado
em folha de pagamento dos servidores públicos do estado. No campo de análise, sob a ótica
do postulado da coerência, observar-se-á a existência de leis com abrangência distinta,
mas incoerentes sobre a matéria, o que tem gerado decisões judiciais contrárias no mesmo
Tribunal acerca do percentual máximo a ser descontado dos vencimentos dos servidores
públicos estatais, prejudicando os consumidores de crédito e colocando em risco a harmonia
do sistema jurídico e das decisões judiciais, bem como a concepção de estado democrático de
direito.
Por m, analisar-se-á a possibilidade da utilização do Incidente de Assunção de
Competência como inst rumento capaz de uniformizar o entendimento acerca dessa matéria
no Tribunal estadual, com o intuito de propiciar decisões isonômicas aos ser vidores públicos
do Estado do Rio Grande do Sul que litig am na Corte est adual, pr ezando pe la coerência e pela
integridade da jurisprudência.
2 A IMPORTÂNCIA DA COERÊNCIA DOS SISTEMAS JURÍDICOS
A palavra “coerência” tem sua origem no latim (cohaerentia) e signica uma atuação
constante, que conduz a uma descrição harmônica de ações, fatos ou ideias. (CORREI A, 1981,
p. 60) A coe rênci a pode se r inves tiga da como uma form a de explic ar teor ias do conh ecime nto,
sendo uti liza da tam bém como um a condiçã o capa z de jus tic ar ou fa lsea r crença s. No di reito,
a coerência é estudada e utilizada especialmente como um critério para fundamentar-se
adequadamente uma decisão judicial e como um método de análise de adequação e apropriação
de determinada norma com relação ao restante do ordenamento jurídico. (RAZ, 1992, p. 275)
2.1 A coerência no direito
A ideia de coerência no direito só passou a ser possível após a superação da visão do
ordenamento enquanto um mero conjunto formal de normas (paradig ma pós-positivista), ou
seja, somente a superação do positivismo jurídico4 teria possibilitado o reconhecimento das
normas não somente como um “amontoado de prescrições”, mas como um todo ordenado de
forma coerente. (SILVA, 2017, p. 50)
4 Segundo Amalia Amaya, “a motivação da teoria coerentista, tanto na versão fraca como na forte, deve ser localizada no contexto
de uma crítica não cética do positivismo jurídico, já que as versões fracas de coerência tentam suplementar o positivismo ao dirigir a
atenção a materiais jurídicos outros que não apenas regras jurídicas; mas as versões mais fortes vão além na sua crítica do paradigma
positivista, podendo-se considerá-las como fornecedoras de uma visão alternativa sobre o conceito de direito”. (apud COL, 2012, p. 54

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