Código Tributário Nacional

AutorJorge Miranda Ribeiro
Páginas161-204

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7. 1 Fixação de Normas Gerais

Dúvidas não restam a respeito das competências da União para instituir e legislar sobre o Imposto territorial Rural - ITR e das reservadas aos Municípios na parte relacionada com o Imposto Predial e territorial Urbano - IPTU. Para tanto, em obediência ao estatuído no inciso III do art. 146, da Constituição, algumas regras precisam ser consideradas:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

  1. definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

  2. obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

  3. adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas;

  4. definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003).

O cerne do problema está no critério. tem-se visto que o art. 32 do CTN em vigor deveria ser em verdade aquele do art. 15 do Decreto-Lei n. 57/1966, que adotou o critério da localização relativa, condicionada, e não o critério de localização plena como tratou na sua edição original. Logo depois, a atual Carta Política (arts. 182 e 184) tratou das políticas urbana e fundiária e da reforma agrária.

Considerando que o CTN vem sendo recepcionado pelas Cartas Políticas anteriores e a atual, e nele é que a conceituação de imóvel rural e urbana foi estabelecida, será preciso harmonizar a forma de abordar a matéria.

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O método interpretativo que melhor se amolda para deslindar a controvérsia (critério topográfico x critério da destinação) conduz inexoravelmente para o sistemático. Bem se aplica a lição do mestre administrativista e ex-ministro do Supremo tribunal federal, Eros Roberto Grau85: "Não tenho me cansado de insistir em que o direito se aplica (= interpreta) por inteiro, como totalidade, e não aos pedaços, ou em tiras. Por isso, a legalidade só pode ser concebida enquanto referida ao direito, todo ele, que se descreve como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios".

A propósito, o pensamento de outro Ministro da Suprema Corte, Celso de Mello, em julgado recente, alertando que a interpretação do ordenamento positivo jurídico não se confunde com o processo de produção da norma: "O ordenamento normativo nada mais é senão a sua própria interpretação, notadamente quando a exegese das leis e da Constituição emanar do Poder Judiciário, cujos pronunciamentos qualificam-se pela nota da definitividade. A interpretação, qualquer que seja o método hermenêutico, tem por objetivo definir o sentido e esclarecer o alcance de determinado preceito inscrito no ordenamento positivo do Estado, não se confundindo, por isso mesmo, com o ato estatal de produção normativa. Em uma palavra: o exercício de interpretação da Constituição e dos textos legais - por caracterizar atividade típica dos Juízes e tribunais - não importa em usurpação das atribuições normativas dos demais Poderes da República". (Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 257.747-2 (RS), publicado em 9 de junho de 2000, pág. 28, DJ, n. 111-E, Seção 1).

Compulsando outros artigos da vigente Carta Magna, mais precisamente do art. 182 a 191, encontram-se as expressões imóvel rural e imóvel urbano sempre empregadas de formas diferentes. A urbana está sempre relacionada aos locais onde há maior concentração de pessoas, os mais expressivos contingentes populacionais, ou seja, nas cidades. As cidades têm como elos de sua política de desenvolvimento urbano, o alcance da função social da propriedade privada e a garantia do bem-estar de seus habitantes. A rural tem íntima relação com o aspecto da reforma agrária. Entende-se por Reforma Agrária a conceituação positiva no § 1º do art. 1º da Lei n. 4.504/1964: "o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento da produtividade". Afora divergências entre alguns doutrinadores a respeito do conceito, não é razoável imaginar-se reforma agrária nas "urbes".

O saudoso jurista Celso Ribeiro Bastos e o tributarista Ives Gandra Mar-tins86enfrentaram o conceito de imóvel rural para fins de desapropriação, com

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base no critério da destinação previsto no art. 4º, inciso I, da Lei n. 8.629/1993, manifestando adesão às variedades de significados para definir o mesmo objeto de formas distintas: "O que dizer diante dessa discrepância legislativa? Em primeiro lugar, lembrar que o significado constitucional prima sobre qualquer outro que a lei ordinária tenha tentado imprimir à expressão ‘imóvel rural’, mas que não se adapte à significação deixada entrever pela própria Lei Maior. Nada impede que haja diversas definições para fins diferentes. O que tem que se perguntar é qual a definição que há de se impor em função do presente artigo que cuida da reforma agrária. Em outras palavras, o que tem que dominar é a significação específica que a expressão ‘imóvel rural’ ganha no contexto da reforma agrária. tendo isso em mente, a conclusão caminha irrelutavelmente no sentido de que o imóvel rural é o que se encontra topograficamente no campo. Será rural todo aquele que não for urbano conforme definido pelo próprio município,?respeitadas as diretrizes gerais em lei da União". Grifou-se.

Ambos juristas de escol permitirão dissentir de seus posicionamentos tendo-se como parâmetros a legislação vigorante, opiniões de Celso Antônio Bandeira de Mello, Carlos Ari Sundfeld e outros aspectos levantados ao longo deste trabalho.

Primeiramente, demonstrado está que o art. 15 do Decreto-Lei n. 57/1966, imprimiu restrição de forma expressa à redação original do artigo 32 do CTN (conceito de imóvel rural para fins do IPTU). Essa limitação impingiu duro golpe naquele código ao condicionar o critério da localização (topográfico) a determinada condição, para definir o que seja o imóvel rural (localização relativa).

A posição doutrinária contida no capítulo anterior admite que, somente em situações especialíssimas, a discricionariedade será admitida. O que, data vênia, não aconteceu nas situações trazidas a lume. De qualquer forma, mesmo admitindo que o legislador possa conceituar os mesmos seres de forma diversa para cada situação específica, ver-se-á que não há espaço para a União legislar sobre o solo encravado em zona urbana, salvo regras gerais, consoante as seguintes razões: a Constituição federal, o Capítulo II - Da Política Urbana (artigos 182 e 183), não dá margem a dúvidas de que ao Município cabe, exclusivamente, legislar para transformar zona rural em zona urbana, definir parâmetros reconhecer ou não que uma propriedade urbana cumpre ou não a sua função social, bem como desapropriá-la por utilidade pública.

Não se pode confundir o cumprimento da função social de imóvel localizado em perímetro urbano, cuja avaliação é da alçada exclusiva do município, obedecidas regras gerais estabelecidas no Estatuto das Cidades (Lei n. 10.267/2001), podendo desapropriá-lo por desrespeito ao texto Constitucional face ao descumprimento da função social. A propriedade encravada em área rural está sujeita à legislação federal porque é território onde a União está legitimada à de-

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sapropriação para fins de reforma agrária. Enquanto o cumprimento da função social de imóvel urbano se dá quando este atende às exigências fundamentais de ordenação das cidades expressas no plano diretor (art. 182, § 2º, Cf), a função social de imóvel rural prevista no art. 184/Cf é medida pelos parâmetros estabelecidos no art. 9º da Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.

Bartolomeu Bueno, Desembargador do tribunal de Justiça de Pernambuco, assinou matéria sobre "A função Social da Propriedade Rural e Urbana" reconhecendo que "a garantia do direito de propriedade rural e urbana está condicionada à sua função social e só subsiste enquanto cumpre essa função, sendo produtiva e propiciando desenvolvimento econômico e bem-estar social".87De acordo com o autor, "o Estatuto da terra, que veio regular os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis, para fins de execução da reforma agrária e promoção da política agrícola, e assegurar a todos oportunidade de acesso à terra, condicionada pela sua função, isto é, quando favorece o bem-estar do proprietário e dos trabalhadores que nela labutam; mantém níveis satisfatórios de produtividade; assegura a conservação dos recursos naturais e observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e cultivam". No pertinente à função social urbana, assentou: "O Estatuto da Cidade veio atribuir também à propriedade territorial e predial urbana uma função social, com a imposição de imposto progressivo, obrigação compulsória de parcelamento e construção e até a desapropriação, para os que não a utilizam, subutilizam, não constroem e mantém a propriedade urbana como reserva de valor e com fins especulativos".

Em face dos ensinamentos de renomados juristas das obras consultadas, o art. 15 do Decreto-Lei n. 57/1966, que alterou a redação original do art. 32 do CTN; bem como os dispositivos da Cf/1988 (arts. 153, V; 156, I; 182 a...

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