Código de Defesa do Consumidor (CDC): marco em inovação e cidadania

AutorOriana Piske de A. Barbosa - Cláudio Nunes Faria - Cristiano Alves da Silva
CargoJuíza de Direito (TJDFT) - Diretor de Secretaria do 4º Juizado Cível de Brasília - Diretor de Secretaria-Substituto do 4º Juizado Especial Cível de Brasília
Páginas149-163

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Introdução

A Lei 8.078/90 (CDC), que entrou em vigor em 11 de março de 1991, trazendo um espectro de regulamentações sobre as relações consume-ristas, nunca antes visto na história legislativa do Brasil, em sintonia com a Constituição Federal brasileira de 1988, tornou-se um extraordinário marco em termos de inovação e resgate da cidadania. O CDC apresenta-se como uma legislação atual, de grande relevo no cenário nacional, uma normatização vigorosa, que demanda um estudo profundo de seus institutos, permeados e orientados pelos valores e princípios éticos da boa-fé, da transparência e da publicidade, entre outros.

De outro lado, vivemos a realidade fática inserida numa sociedade de consumo em que a dialética fornecedor versus consumidor é mais complexa que a dialética capital versus trabalho, e os papéis vivenciados pelos agentes econômicos nem sempre se encontram definidos de forma absoluta e imutável. Ao contrário, em verdade, verifica-se que nós todos somos consumidores - os indivíduos, as empresas, o Estado, os órgãos nacionais e internacionais, sendo o Código de Defesa do Consumidor a preciosa bússola orientadora das relações entre consumidores e fornecedores de produtos e serviços.

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Com o escopo de compatibilizar esses interesses sociais e econômicos tão diversos, o Estado procura harmonizá-los mediante políticas econômicas públicas e privadas que visem alcançar o ponto de equilíbrio entre eles. Para tanto, o Estado busca efetivar a política econômica por meio de instrumentos que estejam em conformidade com a ideologia, com a base principiológica, com os valores e com os objetivos constitucionalmente consagrados.

A carta constitucional brasileira de 1988 revela-se com uma postura ideológica neoliberal, mormente quando se verifica no título VII - da Ordem Econômica e Financeira, o teor do seu art. 170, caput, que se pauta pelo desenvolvimento econômico voltado para a livre-iniciativa e ao valor justiça social. O seu inciso V estabelece como princípio básico, fundado na valorização do trabalho e na livre-iniciativa, a defesa do consumidor.

Nota-se a importância dada ao consumidor, como um fenômeno crescente, à medida que houve uma maior projeção da economia de mercado, porque as inúmeras relações jurídicas dela decorrentes demandaram o estabelecimento de regras de direito público com a finalidade de suprir com maior inteireza a regulamentação das relações de consumo, visto que o direito privado não possibilitava o alcance suficiente dessa salvaguarda.

Verifica-se uma tendência mundial no sentido da proteção ao consumidor, parte vulnerável, e, muitas vezes, economicamente mais frágil (hipossuficiente), a merecer a tutela do poder público. A ONU, ao estabelecer resoluções e recomendações nessa linha protetiva, tem inspirado diversas legislações nacionais, a exemplo, no Brasil, do Código de Defesa do Consumidor pátrio.

O CDC, como bem acentuaram Ada Pellegrini Grinover e Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, sofreu influência do Projet de Code de la Consommation; das leis gerais da Espanha (Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios, Lei 26/1984); de Portugal (Lei 29/81, de 22 de agosto); do México (Lei Federal de Protección al Consumidor, de 5 de fevereiro de 1976), e de Quebec (Loi sur la Protection du Consommateur, promulgada em 1979); bem como, em matérias específicas, buscou inspiração no direito comunitário europeu:

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as Diretivas 84/450 (publicidade) e 85/374 (responsabilidade civil pelos acidentes de consumo), para o controle das cláusulas gerais de contratação; inspirou-se nas legislações de Portugal (Decreto-lei 446/85, de 25 de outubro) e Alemanha (Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen Geschaftsbedingungen - AGB Gesetz, de 9 de dezembro de 1976); e ainda a influência do direito norte-americano por meio da análise do Federal Trade Commission Act, do Consumer Product Safety Act, do Truth in Lending Act, do Fair Credit Reporting Act e do Fair Debt Collection Practices Act

(Grinover, et al, 1999, p. 10).

Nesse passo, verifica-se que o CDC, desde março de 1991, tem se revelado um diploma legal avançado e moderno; no entanto, não se descurou de observar a realidade nacional, adequando suas particularidades às inovações e aos novos institutos ali trazidos.

Cabe destacar algumas das inovações desse código consumerista: a abrangência do conceito de fornecedor; o rol de direitos fundamentais do consumidor; a proteção contra os vícios de qualidade e quantidade; a ampliação das hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica; o controle de práticas e cláusulas abusivas, bancos de dados, cobrança de dívidas decorrentes de consumo; a previsão de convenções coletivas de consumo; a previsão de sanções administrativas e penas em matéria de consumo; o acesso à justiça para o consumidor; a disciplina do marketing, ou seja, da oferta e da publicidade, entre outros.

Tais inovações fazem parte da legislação do consumidor e também da rotina dos fornecedores, dos gestores e dos administradores que, tendo conhecimento para considerá-las e desenvolvendo uma filosofia de atuação consentânea com o espírito dessa codificação, certamente realizarão uma administração mais profícua e vantajosa.

Com efeito, o CDC estabelece uma política nacional das relações de consumo, tendo como base filosófica a harmonia e o equilíbrio das referidas relações, a fim de conciliar a tutela e a proteção do consumidor com o desenvolvimento econômico e tecnológico do país.

O CDC estabelece uma política nacional das relações de consumo, tendo como base filosófica a harmonia e o equilíbrio das referidas relações

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1. A relevância da proteção ao consumidor

É preciso observar os aspectos e os valores histórico-econômicos e políticos das relações de consumo para que se possa avaliar a sua real dimensão e influência no mundo contemporâneo. Vale recordar que, no século XX, após a segunda guerra mundial, surgiu a sociedade de consumo que apresentou uma série de mudanças nas relações comerciais, sociais e um notável aumento de produtos e serviços. Em consequência, houve a assunção de uma posição prevalente dos fornecedores em detrimento dos consumidores, não podendo o direito ficar inerte a essa situação, tornando-se instrumento da tutela do consumidor.

Assim, é que o Estado se faz presente para intervir nos seus três ramos de atividade: Legislativo (ao legislar e disciplinar as relações de consumo), Executivo (ao incrementá-las e implantá-las) e Judiciário (solucionando as contendas que decorrem das elaborações e implementações de tais matérias), com o escopo de afastar a vulnerabilidade do consumidor - parte hipossuficiente.

A tutela do consumidor justifica-se pela necessidade de coibir os abusos contra a concorrência desleal nas práticas comerciais, racionalizar e melhorar os serviços públicos, e atender à dinâmica das relações de consumo harmonizando os interesses dos participantes desta relação. A necessidade de defesa do consumidor tem gerado um crescente aumento de órgãos que possibilitam a solução das demandas e prevenção dos litígios consumeristas, a exemplo dos juizados especiais cíveis e criminais, das promotorias de proteção ao consumidor, das delegacias especializadas na investigação de crimes contra as relações de consumo, da assistência judiciária, e das associações de consumidores.

A importância do Código de Defesa do Consumidor está em ser um instrumento extraordinário na concretização da cidadania e da justiça social, sendo de...

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