A cláusula social no comércio internacional: a interação entre a OMC e a OIT no combate ao dumping social

AutorAna Isabella Lau
Páginas189-206
Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 6, n. 11, p. 189-206, jan./jun. 20 15
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A CLÁUSULA SOCIAL NO COMÉRCIO INTERNACIONAL:
A INTERAÇÃO ENTRE A OMC E A OIT NO COMBATE AO DUMPING SOCIAL*
Ana Isabella Lau
RESUMO: A prática do dumping social envolve antagônicos interesses na era
neoliberal, pugnando por inovadoras e corajosas atuações com vistas a um efetivo
combate. A Organização Mundial do Comércio dispõe de mecanismos antidumping,
rechaçando a prática em seu viés comercial. Entretanto, o dumping social, entendido
como um desdobramento da espécie dumping, revela-se um artificio empresarial
executado à custa do trabalhador. A Organização Internacional do Trabalho, na
proteção aos direitos sociais, é o órgão competente a agasalhar os hipossuficientes,
mas, ao passo que a prática do dumping social envolve enlaces econômicos, emergem
discussões acerca de uma atuação subsidiária da Organização Mundial do Comércio,
vez que essa dispõe de um estruturado Sistema de Solução de Controvérsias. O
presente estudo visa expor a discussão controvertida em torno da cláusula social, vista,
sobretudo pelos países desenvolvidos, como uma possível solução no combate à
prática do dumping social, pois estabeleceria padrões trabalhistas mínimos a serem
observados nas relações de comércio internacional. Há uma forte repulsa por parte dos
países em desenvolvimento, alegando o entrave que a referida cláusula geraria no
tocante ao livre comércio, pois representaria, na realidade, a efetivação de propósitos
protecionistas das nações mais avançadas economicamente. Para eles, aumentar a
força política e sancionadora da Organização Internacional do Trabalho seria uma
solução mais viável. Os debates, acredita-se, estão longe de um desfecho, mas,
indubitavelmente e acima de tudo, deve-se ter em mente que direitos sociais merecem
prevalência sobre qualquer outra questão.
Palavras-chave: Dumping social. Cláusula Social. Comércio internacional.
Organização Mundial do Comércio. Organização Internacional do Trabalho.
1 INTRODUÇÃO
As discussões que permeiam a relação capital versus trabalho estão longe de seu
esgotamento. Na realidade, estão calorosamente em pauta, principalmente após o deslanchar
do neoliberalismo e de suas consequentes e ardilosas práticas comerciais em busca de
posições economicamente interessantes no ranking empresarial. Ganha destaque, assim, a
prática do dumping e, especificamente, do dumping social temática multifacetada cujo
combate é um verdadeiro desafio por parte das ciências jurídicas, econômicas e sociais.
O competitivo comércio internacional rompe as fronteiras domésticas, exigindo, cada
vez mais, que as regras de conduta dos parceiros comerciais sejam controladas também em
nível internacional. Paralelamente, direitos sociais, da mesma maneira, pugnam por uma
atuação conjunta dos Estados, a fim de que sejam efetivamente concedidos e respeitados.
Diante disso, revela-se o embate em torno do dumping social, vez que o instituto, ao mesmo
* Artigo premiado no IV Congresso Paraibano de Direito Econômico, realizado entre 9 e 11/04/2015, no Unipê.
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tempo, representa um dano à ordem econômica, haja vista promover uma concorrência
desleal, e à ordem social, vez que é praticado à custa da classe trabalhadora, aguçando,
portanto, a atuação de dois organismos internacionais que se envolvem diretamente com a
temática: a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Internacional do
Trabalho (OIT).
Surgem, nessa seara, discussões em torno da instituição de uma cláusula social
estabelecendo padrões mínimos trabalhistas a serem cumpridos em todas as relações
comerciais globais. Entretanto, diferenças culturais, econômicas e sociais entre as nações
impedem um consenso sobre a fixação da referida cláusula, bem como sobre o órgão
competente para dirimir possíveis embates em torno da temática a OIT e sua experiência em
torno das questões sociais ou a OMC, com seu sedimentado sistema de solução de
controvérsias. Não obstante, dessa forma, os díspares entendimentos que serão analisados no
presente estudo, o que se tem efetivamente clara é a necessidade de promoção de um
desenvolvimento econômico sustentável e com responsabilidade social, para que não haja um
inconsequente retrocesso no tocante a direitos que ensejaram revoluções movidas pela
esperança de um mundo melhor e mais justo.
2 O NEOLIBERALISMO, O DUMPING E A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL
DO COMÉRCIO
As práticas neoliberais, sobretudo a partir da década de 1980, resultaram em uma
internacionalização da economia, ultrapassando as fronteiras econômicas dos Estados.
Emergiu uma nova ordem econômica mundial baseada na livre circulação de mercadorias e de
capital. O acelerado crescimento da indústria, a facilidade de transporte entre as nações e a
implantação do livre comércio gerou uma expansão do sistema capitalista, o que causou uma
reorganização do espaço mundial com a internacionalização do capital, fundado na doutrina
neoliberal. Nas palavras de Maurício Godinho Delgado:
Trata-se, na verdade, de readequação aos tempos recentes da antiga matriz liberal,
hegemônica nos primórdios do sistema capitalista, ainda no século XVIII e início do
século XIX. Este pensamento liberal readequado tende a reconhecer, como a velha
tradição teórica oitocentista, o império da dinâmica econômica privada, a quem devem
se submeter à normatividade pública e a atuação estatal. Ajustando-se, porém, aos
novos tempos, respalda a hegemonia do capital financeiro-especulativo, propondo
estratégia de severa redução dos investimentos e gastos do Estado, exceto aqueles
correspondentes à reprodução do próprio capital financeiro-especulativo; propõe,
como linha geral, o redirecionamento da atuação dos Estados nacionais, de modo a
garantir a estreita vinculação de suas economias ao mercado globalizado; propugna,
por fim, pela mitigação das políticas sociais, inclusive trabalhistas, em favor do

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