Clareza e legitimidade: como elementos de teoria musical podem iluminar a interpretação jurídica?
Autor | João Carlos Cochlar de Oliveira |
Páginas | 11-92 |
Resumo
Analogias entre direito e música, quando ambos são encarados como teorias
da interpretação, foram e são muito usadas pela doutrina nacional e estrangei-
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como argumentar que ela transcende o seu mero poder pedagógico. O que se
busca investigar é como o modo no qual direito e música operam se asseme-
lha para além da analogia, sendo que juízes e músicos-intérpretes se colocam
diante de crises interpretativas semelhantes e se valem de critérios similares
para tomada de decisão. Após a apresentação de quatro casos, dois musicais e
dois jurídicos, o trabalho divide-se em duas etapas: a primeira busca apresentar
-
deveriam se espelhar) no direito.
Palavras-chave
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municação. Linguagem.
Abstract
Analogies between Law and music, when both are seen as theories of inter-
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this analogy is so effective, as well as arguing that such analogy transcends its
judges and music performers face similar interpretive crises and use similar
CLAREZA E LEGITIMIDADE : COMO ELEMENTOS DE TEORIA
MUSICAL PODEM ILUMINAR A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA?
JOÃO CARLOS COCHLAR DE OLIVEIRA
12 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2020
the connection points in which music and Law come together as theories of
identify which relevant interpretative values in music are mirrored (or should
be mirrored) in Law.
Keywords
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cation. Language.
1. Introdução
1.1. Uma semente que Teori Zavascki plantou
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ral, compareceu a um evento no Centro Cultural da Fundação Getulio Vargas
para proferir uma palestra cujo título era “Impacto das crises nas instituições
públicas: credibilidade, segurança jurídica e desburocratização”. O público a
quem o ministro se dirigia naquela data não era propriamente versado na lin-
guagem do direito. A iniciativa da palestra havia sido tomada pela Escola de
Administração da FGV (EBAPE), e o seu objetivo era proporcionar um diálogo
entre protagonistas da vida pública brasileira que pudesse esclarecer as inúme-
ras dimensões da crise que vigorava (e ainda vigora) no país, seja econômica,
informou a audiência de que segmentaria sua fala na dimensão da harmonia e
separação entre os poderes. Em outras palavras, o objeto do seu discurso era
o ativismo judicial sobre as funções legislativas.1
tom eminentemente pedagógico. O ministro descreveu à plateia quais eram as
atribuições ordinárias do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. O Poder Le-
de caráter genérico e abstrato para orientar comportamentos sociais futuros.
frente a uma situação passada.2
sentido pejorativo, que seria um sentido de se entender aquela função, aquele avanço ilegí-
timo da função jurisdicional, da função dos juízes, sobre áreas reservadas, pelo menos apa-
rentemente, a outras funções do Estado. Ou à função do legislador ou à função do Poder
em tese é do legislativo, há um campo de criação da norma muito amplo, que é um campo
legítimo para o Poder Judiciário. Eu começo mostrando isso em qualquer decisão judi-
cial. As decisões judiciais, de um modo geral, consistem num juízo de valor sobre um fato
CLAREZA E LEGITIMIDADE 13
claro que aquela norma concreta, produzida pelo Poder Judiciário, não era pro-
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vontade de quem profere, mas que deve ser orientado por um ato de cognição
do direito aplicável. O ministro elucidava que “uma coisa é o dispositivo da lei,
Geral do Direito se diz que a norma, na verdade, não é o que está escrito, mas
aquilo que o intérprete diz que está escrito.”3
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ceu ser rapidamente superada quando o ministro proferiu a seguinte analogia:
como uma partitura musical. A música não é a partitura musical.
A música é aquilo que o intérprete retira da partitura musical. Ele
pode retirar uma boa norma, uma boa música, e ele pode não
legislador, a norma, essa música, é o intérprete. A função de inter-
é a função do juiz.4
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mesmo tempo que assume essa premissa, defende o ministro que o juiz, em
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concreto. Nós temos um fato concreto da vida ou uma crise ou uma possível crise entre
uma conduta inconcreta e uma norma de regulação de conduta editada abstratamente
pelo legislador. Quando há uma possível crise entre... uma crise concreta, entre a norma
abstrata e a conduta concreta, quem decide isso? Quem resolve essa crise é o juiz. Isso é o
que acontece todos os dias na normalidade da função jurisdicional. O juiz, para tomar uma
decisão edita uma norma individualizada dessa conduta.”
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